fbpx

Sobre liberdade e verdade

Print Friendly, PDF & Email

verdade-liberta

Dei uma entrevista hoje para o projeto “Cinco Visões”, que busca a opinião de cinco especialistas de diferentes visões ideológicas sobre vários temas filosóficos. A entrevista dessa semana é sobre o tema “Liberdade e Verdade”.

Publico aqui minha entrevista e assim que o projeto estiver concluído, repassarei o link para que todos possam ver as demais entrevistas com visões contrapostas à minha.

Parabéns ao entrevistador Daniel Mendonça Lima, a quem agradeço pela oportunidade.

 

1) O que você entende por Liberdade? Se ela existe, é desejável? Se desejável, é alcançável?

R: Liberdade é um conceito muito difícil de se definir. O grande filósofo Thomas Hobbes confundia liberdade com poder ao dizer que liberdade é a condição de se fazer o que quiser sem resistência do que for. Segundo ele, a liberdade é um conceito de fato, mas tal como exposto é um conceito sem aplicabilidade, visto que até nossa biologia nos limita. A liberdade é na verdade um conceito político, e deve ser entendida como a capacidade de se agir sem limites dentro do escopo do seu corpo e de sua propriedade privada e com limites razoáveis na propriedade pública e na propriedade alheia.

A liberdade é absolutamente desejável e deve ser ampliada na medida do possível. Falar em contrário seria, de fato, cair em autocontradição, como já explicava o grande professor Hoppe. Para se falar contra a liberdade, o agente necessariamente precisa usar da sua liberdade de expressão. Usar da liberdade para falar contra a liberdade é um despautério, algo sem sentido.

A ideia de liberdade para o homem, como definida por mim, é plenamente alcançável e desejável, mas, como visto, a liberdade é mais aguda e irrestrita dentro das propriedades privadas de cada um, sendo necessário um modelo político que maximize o escopo da propriedade privada e reduza o campo da propriedade pública, que é anti-liberdade por sua própria natureza. Sem liberdade o homem não pode descobrir a si mesmo, seus desejos e suas funções, perdendo o sentido da vida.

2) A cultura política, em geral, tende a classificar esta classe chamada liberdade em dois instâncias secundárias, para fim de diversos entendimentos. Fala-se de: liberdade civil e liberdade econômica. Qual sua posição sobre este assunto? Existe de fato esta distinção? Se não, qual seria o melhor entendimento?

R: Como toda categorização, ela não está imune a críticas, mas também não podemos ignorar o fato de que as ciências que estudam a mente humana costumam afirmar que nossa razão funciona através do método de categorização para fins de distinção e individualização de objetos externos à mente. Contanto que a categorização venha para ajudar a desvendar os mistérios da natureza, ela é válida. Nesse sentido, a distinção prática entre liberdade civil e liberdade econômica pode ajudar a sociedade no aprofundamento do estudo dessas categorias.

Liberdades econômicas seriam todas as liberdades ligadas ao direito de produzir livremente bens e serviços e reter para si os ganhos dessa produção. A liberdade econômica pressupõe ausência de regulações, burocracias e tributação, de forma que o custo de transação da atividade econômica, bem como seus benefícios, sejam suportados pelo agente econômico.

Liberdades civis seriam todas as liberdades sem caráter precipuamente econômico, tendo como objetivo o exercício prático da moralidade do indivíduo na sua vida. Liberdades civis estariam ligadas aos direitos individuais de liberdade de expressão, de ir-e-vir, de sufrágio, do devido processo legal, de propriedade, de associação, e assim por diante.

Destaco, ainda, que ambas as categorias estão interrelacionadas, não sendo absolutamente autônomas entre si, ou seja, são dependentes uma da outra.

3) Como você acha que está o Brasil, atualmente, no quesito Liberdade? As liberdades e garantias civis e individuais são respeitadas em nosso país ao seu ver? Que sugestão ou conselho você daria aos nossos governantes no que tange esse ponto?

R: As liberdades econômicas ainda são bastante restritas no Brasil. Uma alta carga tributária, em conjunto com uma burocracia asfixiante e um governo que oprime o empreendedorismo fazem do país um terreno inóspito para o crescimento econômico.

Quanto às liberdades civis, o Brasil avança um pouco mais nesse aspecto, mas não muito. A liberdade de expressão é cada vez mais tolhida pela cultura do discurso politicamente correto. O direito de ir-e-vir é tolhido pela falta de segurança. Os direitos de sufrágio estão em xeque em virtude de um sistema eleitoral confuso que produz péssimos políticos. O direito ao devido processo legal é relativizado quando o acusado é pobre, e a violência estatal ainda é muito grande sobre a população em geral. O direito de propriedade que, embora seja uma liberdade civil, tem repercussão gigantesca na liberdade econômica, é atacado a todo o momento, tanto no campo, quanto na cidade. Mas em geral a Constituição tenta garantir essas liberdades civis, ao passo que ataca frontalmente as liberdades econômicas.

4) O que você entende por Verdade? Se ela existe, é desejável? Se desejável, é alcançável?

R: Independentemente de religiões, o filósofo de maior impacto da história da humanidade foi Jesus Cristo. Quando Pilatos perguntou o que era a verdade, Jesus mesmo não respondeu. Dado esse histórico, é difícil que eu, do meu cantinho, afirme categoricamente se existe a verdade e o que ela é. O que eu posso dar é um palpite.

Meu palpite é que a verdade não relativizável existe. Eu digo isso por uma intuição lógica. Se eu digo: “a verdade não existe”, eu estaria entrando em contradição, pois se a verdade não existisse, minha afirmação seria verdadeira. E se a verdade existe, ela é, por óbvia, desejável, afinal, é sempre melhor viver na sabedoria que na ignorância.

Se a verdade é alcançável é uma pergunta ainda mais complexa. Existe todo um ramo científico sobre isso, a epistemologia, que estuda os caminhos pelos quais podemos chegar a uma verdade, e a própria epistemologia ainda não chegou a uma conclusão sobre se existe verdade, ou mesmo se existe um método definitivo para se chegar à verdade.

Dado que os recursos epistemológicos e de percepção do corpo e da mente humana não são infalíveis, pelo contrário, são extremamente precários, a opção mais segura é a busca pela verdade através dos sistemas epistemológicos existentes, sempre com muita cautela.

5) As religiões fundamentalistas geralmente se declaram detentoras da verdade, ou de algum conhecimento superior verdadeiro e válido para a humanidade. Qual seu posicionamento religioso e em relação à religião de um modo geral? Você acredita que a religião é um direito e relaciona-se com a Liberdade ou ela é uma ameaça à Liberdade?

R: Não são apenas os fundamentalistas de cada religião que declaram ser detentores da verdade, mas qualquer religião é baseada numa revelação. Se existir alguma que não traga um sistema de crenças, peço que me indique depois, que irei ler a respeito.

Eu sou cristão protestante, seguidor da interpretação bíblica de Emanuel Swedenborg, que na sua doutrina explica a importância da liberdade. Segundo Swedenborg, Deus é puro amor e sabedoria, e quando fez o homem à sua imagem e semelhança, buscou que nós nos tornássemos também amor e sabedoria, mas por nossas próprias escolhas. Não haveria mérito fora da escolha livre. E mais importante: aquele que não compartilha os valores de Deus não é punido, e que o inferno não é um lugar de torturas e ranger de dentes, mas apenas um lugar onde as pessoas que não possuem a alegria dos valores de Deus vão voluntariamente, se entregando aos seus valores ruins, sem maiores punições. Afinal, que Deus de amor e de liberdade seria esse que pune seus filhos quando estes contrariam Sua vontade e Seus valores? A maior punição para pessoas ruins é serem pessoas ruins e sem os valores de Deus no coração, e isso já basta.

Portanto, pelo menos para mim, a religião foi fundamental para criar o meu caráter liberal/libertário de defesa da liberdade, até porque meu Deus é libertário (o que também ocorre na religião/filosofia oriental taoísta), mas reconheço que religiões podem influenciar tanto positivamente quanto negativamente o cenário político. Só que religiões não são diferentes, nesse sentido, de qualquer outro tipo de filosofia: qualquer pensamento pode influenciar a sociedade para bem ou para mal, e um preconceito contra religiões é tão nocivo quanto qualquer outro preconceito a ideias no debate político. O que deve importar são os pós-conceitos, aquilo que se constrói após os debates livres.

6)      Como você correlacionaria Liberdade e Verdade?

R: Sem liberdade não se chega à verdade, e nem mesmo ao vislumbre de parte dela.

7)      A Liberdade de Imprensa é, ainda hoje, um assunto amplamente discutido e inclusive existem encontros, fóruns e eventos para debater sobre seus limites, sua proteção e seu panorama por todo o mundo contemporâneo. Para você qual a importância da Liberdade de Imprensa e quais os seus limites, se houverem? Se possível, nos explique suas razões.

R: A liberdade de imprensa é essencial para oxigenar e viabilizar o debate político. Na minha visão, nem mesmo o lamentável discurso de ódio merece censura. O debate amplo é o que nos diferencia moralmente do autoritarismo que o discurso de ódio vende e temos que confiar que as boas ideias, em um ambiente livre, prevalecerá. Criar uma estrutura de censura, ainda que mínima, pode levar, em longo prazo, à sua utilização para deterioração da liberdade de expressão por grupos de pressão política, o que não é desejável em uma sociedade livre.

8)      Mantendo-se dentro de nosso tema, deixe uma mensagem para nosso público.

R: Agradeço a oportunidade de poder falar sobre um assunto tão interessante e espero ter a oportunidade de conversar com vocês em outras ocasiões. Para o público em geral, convido-os a ler mais sobre liberalismo, libertarianismo e epistemologia. É uma leitura fascinante e culturalmente enriquecedora.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

Pular para o conteúdo