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Caso Musk: ventos de liberdade soprando da “República Imperial”?

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Enfim, caiu o muro de mentiras e hipocrisia que, pelo menos desde a última corrida eleitoral, separava os cidadãos comuns da nossa cúpula judiciária e da elite da polícia federal, por ela aparelhada. Após quase dois anos, identificamos a onda de censura e banimento de perfis em redes sociais, tão discutidos aqui, como fruto da atuação direta do ministro Alexandre de Moraes, cujo modus operandi, permeado pelo ardil, pela meticulosidade e pela disciplina, causaria inveja a grandes nomes da arquitetura da destruição na história humana. Para o togado, bastava “encorajar” a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), órgão integrante do “seu” TSE, à apresentação de supostas denúncias sobre fake news para, então, se deliciar no preenchimento de diversas folhas com ordens de remoção de postagens e contas de políticos, jornalistas e influenciadores da direita. Tudo invariavelmente “fundamentado” na Resolução 23.714/22 do tribunal, obra-prima de Moraes na oficialização da mordaça mediante a usurpação de prerrogativas legislativas[1].

A derrubada do nosso muro da vergonha não resultou do trabalho de valentes parlamentares nacionais, pois, entre nós, a maioria esmagadora de representantes eleitos carece de gotas minúsculas de coragem, enquanto uma reduzida minoria deles opta pela retórica em detrimento da tomada de providências práticas. A farsa só foi revelada graças a uma investigação promovida pelo comitê de assuntos judiciais do Congresso Norte-Americano (correspondente ao que seria a nossa CCJ), que redundou no extensíssimo relatório intitulado “O ataque à liberdade de expressão no exterior, e o silêncio da administração Biden: o caso Brasileiro”[2]. Porém, em vez de se ater à gravidade dos fatos descortinados, a grande mídia, reverberando as vozes da situação política, logo bolou um emaranhado retórico e suscitou, na mente do cidadão comum, um questionamento que poderia ser sintetizado da seguinte forma: “por que alguns parlamentares estrangeiros se meteram em arquivos sigilosos do nosso judiciário, atentando contra a nossa soberania nacional?

Como resposta mais óbvia, trazida no preâmbulo do relatório, pode-se enfatizar a preocupação dos congressistas diante de uma série de ataques, pelo governo Biden, à liberdade de expressão, alçada por eles à categoria de liberdade fundamental na América, por força da primeira emenda à sua Constituição. Ainda assim, tais afrontas, em solo americano, “empalidecem” diante de nações estrangeiras como Canadá, França e Brasil, cujos governos vêm “erodindo valores democráticos fundamentais.”

No caso brasileiro, as tais decisões mantidas sob sigilo – à margem de todos os dispositivos legais nacionais sobre a excepcionalidade do segredo de justiça – atingiram em cheio grupos empresariais americanos, como o Facebook, o Meta e o Twitter (hoje X), forçando-os ao cumprimento de ordens manifestamente ilegais, e levando-os, assim, à perda de clientela e da própria credibilidade. A ameaça de um mal injusto a grandes conglomerados constituídos nos Estados Unidos e responsáveis pela geração de empregos, renda e inovação naquele país já seria motivo mais que suficiente para justificar o olhar de reprovação do congresso americano sobre uma republiqueta como a nossa, onde um figurão togado compele empresas a fazerem o que deveria ser proibido, sob pena de sanções financeiras e até de prisões de executivos. Porém, em seu “compromisso” com o atraso e a rejeição a transformações estruturais, nossa opinião pública, em vez de repudiar o arbítrio revelado pelo dossiê, segue dando voz ao togado censor e ao seu ódio aos “mercantilistas estrangeiros”, imbuídos de um pretenso espírito “colonialista[3]. Nada surpreendente em se tratando de Brasil, cujas sucessivas gerações de uma intelligentsia capturada pela esquerda nutrem indisfarçável asco aos Estados Unidos e ao seu dito “imperialismo” no plano das relações internacionais.

Nos anos 70, o magnífico Raymond Aron lançou uma obra exclusivamente dedicada à política externa americana, desde o ingresso do país na 2ª Guerra Mundial até o desfecho dos conflitos no Vietnã. O título escolhido, “República Imperial”, não poderia ser mais irônico, ao desnudar as contradições inerentes a uma república que, pela primeira vez na história, alçada à primazia “sem ter aspirado à glória de reinar”, teve, “como preço por sua vitória” de “tomar a cargo a metade do mundo, garantir a segurança dos europeus, enfraquecidos demais para se defenderem sozinhos, e se interessar por regiões inteiras do planeta, prontas a se esfacelarem no caos[4]”. No mundo então marcado pela bipolaridade Estados Unidos – URSS, Aron comentou o papel da diplomacia americana sobre o deslinde dos principais eventos da chamada guerra fria, em que os representantes do mundo livre tiveram de “compatibilizar” os valores de liberdade pregados por seus pais fundadores ao pragmatismo dos interesses econômicos e/ou geopolíticos da nação. Muitas vezes, estes contradisseram aqueles, enquanto, muitas outras, ambos caminharam na mesma direção.

No caso da América Latina, as palavras de Aron se encaixaram como uma luva ao nosso atual clima de antiamericanismo, ancorado por uma presidência aliada a grupos terroristas como o Hamas, e por um togado censor – o “supremo dos supremos” -, que bravateia contra “empresários mercantilistas”, em clara referência aos grupos americanos à frente das grandes plataformas de mídias sociais. “A pouca simpatia da opinião pública, na maioria dos países da América Latina, em relação aos yankees, chegou ao conhecimento destes que também tomaram partido diante do fato. Será que a comparação entre o caminho percorrido pelos americanos do norte e pelos do sul ao longo do último século e meio não nutre ressentimentos? O êxito condena os yankees à impopularidade[5].”

Munido de sua habitual honestidade, o pensador acentuou, dentre as prioridades americanas (pelo menos, durante o período da guerra fria), o apoio a regimes contrários ao marxismo-leninismo, ainda que de viés autoritário. Contudo, no tocante à América do Sul, não conferiu às manobras diplomático-militares americanas um papel determinante nas políticas internas de cada país. Sobre a instauração da nossa última ditadura, Aron destacou que: “a diplomacia americana assinalou uma hostilidade ao presidente Goulart, e se apressou em reconhecer os militares que o derrubaram: a chegada ao poder do exército se explica, também e sobretudo, a partir de um conflito de interesses, tornado irredutível, entre as diversas frações de privilegiados[6].”

Diplomacia ideológica? Sim e não, nos ensinou Aron; mas, acima de tudo, realista, cujo principal objetivo consista na “liberdade de acesso assegurada (com mais frequência) às pessoas, às mercadorias e aos capitais vindos dos Estados Unidos”, de modo a que o mundo seja livre “não porque os povos lá se autogovernem livremente, mas sim porque ele não se feche à influência americana[7].”

Tomando por base as lições de Aron, o trabalho desenvolvido pelos congressistas americanos no detalhamento, em exaustivas 541 páginas, de despachos autoritários em português (ao lado de suas respectivas traduções) teria sido movido por uma visão realista sobre o nosso Brasil de 2024. Em particular, por uma reação ao perigo concreto de restrições mercadológicas aos produtos e à tecnologia do “grande irmão” do hemisfério norte. Ora, quem haverá de negar a iminência desses riscos em um país como o nosso, hoje governado por um ex-presidiário alinhado a ditaduras de orientação comunista – por mais “saurino” que isso possa parecer! – e cuja sociedade vê todas as suas liberdades perecerem sob o jugo de magistrados despóticos e avessos à institucionalidade?

Se as reflexões do mestre francês forem minimamente procedentes, é possível que o relatório do congresso americano seja sucedido por outras formas de repúdio ao atual regime brasileiro, tais como a publicação de um número crescente de matérias, em periódicos estrangeiros, em críticas veementes às “singularidades” dos nossos últimos anos – repúdio retórico acompanhado, talvez, pelas mais variadas sanções econômicas a um país como o nosso, que, de fiasco em fiasco, insiste nas rotas equivocadas e nocivas do dirigismo, do estatismo, e, nos últimos cinco anos, de um asfixiante autoritarismo togado.

Seja como for, certo é que parlamentares americanos não fizeram da redação do relatório um mero “passatempo”. Ou bem decidimos retomar os trilhos de uma democracia institucional ou poderemos nos tornar, muito em breve, uma republiqueta “pária”, com todas as consequências nefastas daí advindas. Todas as lideranças e as figuras relevantes na mídia terão de fazer sua escolha e, a depender desta, serão vistas, pelas futuras gerações, com gratidão ou com asco.

[1] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/18/assessoria-de-enfrentamento-a-desinformacao-e-resolucao-do-tse-de-22-tonicas-das-decisoes-sigilosas-de-moraes/

[2] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/17/urgente-congresso-norte-americano-acaba-de-reconhecer-a-pratica-de-censura-e-demais-violacoes-pelo-judiciario-brasileiro/

[3] https://informejuridico.net/index.php/2024/04/20/moraes-justica-combatera-uniao-de-mercantilistas-estrangeiros-com-politicos-extremistas/

[4]La République Impériale”, ed. Calmann-Lévy 1973, página 15, tradução livre de minha autoria

[5] Idem, página 197

[6] Idem, página 255

[7] Idem, página 307

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Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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