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O coletivismo Olímpico e a grande lição individual de Jesse Owens e Luz Long

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Trata-se de uma pergunta recorrente aos amantes do futebol: você vibra mais com a vitória do seu time ou da seleção brasileira.  Eu torço muito mais pelo meu time.  A seleção me é quase indiferente.  Por uma questão de princípio, sou avesso a qualquer tipo de manifestação coletivista, inclusive o nacionalismo e o patriotismo. Não dá para esquecer, por exemplo, que essas pragas foram responsáveis por algumas das piores e mais degradantes experiências que a humanidade já vivenciou.

As associações e outras formas de cooperação humana são absolutamente necessárias, até mesmo para a sobrevivência da espécie. Entretanto, a primazia da liberdade impõe que as adesões a grupos ou organizações sociais deveriam ser sempre voluntárias, jamais compulsórias. Somos (ou deveríamos ser) livres para escolher os nossos amigos, a empresa onde vamos trabalhar, o clube que frequentamos, o time de futebol, enfim, as instituições e pessoas com as quais colaborar.  No entanto, ninguém escolhe onde vai nascer. A terra natal de um indivíduo é algo tão banal quanto fortuito para ser, por si só, motivo de orgulho ou devoção. Concordo até que alguns povos possam celebrar certos valores e tradições comuns, mas discordo daqueles que enxergam vínculos telúricos ou raciais entre indivíduos de um determinado lugar. Talvez por isso, não comungo desse sentimento de união patriótica que vejo impregnado na grande maioria das pessoas a minha volta em tempos de Olimpíadas, a ponto de sair vaiando os atletas de outros países.

Enxergo as competições de maneira bastante positiva, tanto esportiva quanto intelectual, comercial ou empresarialmente. Porém, acho que elas devem restringir-se à esfera individual ou às associações e grupos de pessoas reunidas de forma voluntária, sem conotações de raça, nacionalidade, religião, etc. Por isso, sinto-me desconfortável diante de torneios como as Olimpíadas – com suas indefectíveis entoações de hinos, hasteamentos de bandeiras e contagens agregadas de medalhas, de acordo com a nacionalidade dos competidores -, que além de glorificarem um patriotismo as vezes exacerbado, também alimentam a mais estúpida xenofobia e, claro, divinizam o coletivo em detrimento do indivíduo. Por conta de uma certa idiotia nacionalista, por exemplo, inculcada no espírito das pessoas durante gerações, cuja origem certamente foge à compreensão da maioria, brasileiros e argentinos carregam, até hoje, uma indisfarçável, inexplicável e improdutiva animosidade mútua.

Não pretendo de forma alguma desmerecer os sentimentos patrióticos de quem quer que seja, mesmo porque costumo respeitar as escolhas de cada um – desde que, claro, elas não interfiram com a minha liberdade de pensar e agir diferente. No entanto, um pouco de racionalidade não faria mal a ninguém. Vejam o caso de Santos Dumont, cantado em prosa e verso na cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio.  De repente, abriu-se uma polêmica, tão bizarra quanto inútil, entre brasileiros e americanos, sobre quem realmente seriam os verdadeiros “Pais da Aviação”.  Os polemistas, de um lado e outro, simplesmente não se dão conta de que os feitos de ambos contribuíram para desenvolver a aviação e, principalmente, que esses feitos foram obra de indivíduos, muito provavelmente buscando apenas os seus próprios interesses, e não de nações ou Estados.

O mundo seria, no mínimo, menos belicoso se as pessoas entendessem que o fato de nascer em determinado país não as torna, a priori, melhores ou piores que ninguém. Por outro lado, sempre que se quis pensar a humanidade com ênfase no coletivo, como se fôssemos formigas ou abelhas, os resultados foram catastróficos.

A propósito, deparei recentemente com uma belíssima história, que demonstra como o relacionamento entre dois indivíduos pode ser muito mais belo, forte e produtivo que qualquer apego ou “desavença” entre coletivos, sejam eles Estados nacionais, raças ou religiões:

Ganhar quatro medalhas de ouro em uma única Olimpíada já é surpreendente o suficiente. No entanto, fazê-lo como uma pessoa negra, em 1936, numa tensa Berlim, durante os Jogos Olímpicos hospedados por Adolf Hitler, é algo fenomenal. Jesse Owens fez exatamente isso, ignorando solenemente a dita superioridade ariana para levar o ouro nos 100m, 200m, revezamento 4x100m e salto em distância.

O que pouca gente sabe é que ele fez também um bom amigo naqueles jogos: o atleta alemão Luz Long, um rival de cabelo louro e olhos azuis que teve a dignidade de felicitá-lo depois de uma prova, sob o olhar atônito de Hitler. Após a primeira aproximação, durante os Jogos, Owens e Long mantiveram estreito contato depois deles, através de correspondência. Abaixo, um trecho da última carta de Long, escrita durante a Segunda Guerra Mundial, desde a África do Norte, onde ele estava estacionado com o exército alemão, e onde pouco depois morreria. Anos mais tarde, atendendo ao pedido do amigo, Owens foi ao encontro do filho de Long, Karl, de quem tornou-se grande amigo, vindo a ser inclusive seu padrinho de casamento(Fonte: Jesse: O homem que venceu Hitler)

Estou aqui, Jesse, onde parece existir apenas a areia seca e o sangue molhado. Não temo tanto por mim mesmo, meu amigo Jesse, eu temo pela minha mulher, que está em casa, e por meu jovem filho, Karl, que nunca realmente conheceu seu pai. Meu coração me diz, para ser honesto com você, que esta é a última carta que escreverei nesta vida. Se assim for, eu lhe pedirei um favor. Trata-se de algo muito importante para mim. Peço para que você vá à Alemanha algum dia, quando esta guerra terminar, encontrar o meu Karl e falar-lhe sobre seu pai. Diga a ele, Jesse, como eram os tempos quando não estávamos separados pela guerra. Enfim, diga a ele como as coisas podem ser entre os homens nesta terra.”

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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