Por que não devemos apoiar a proibição do Waze?

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Bordin Burke*

E segue aberta a temporada de caça do Estado brasileiro aos aplicativos de celular que visam tornar mais funcional e prática nossa vida. Após as recentes e repetidas investidas da Justiça Federal sobre o Whatsapp, a vítima da vez é o Waze – e, em decorrência, todos os seus usuários. Tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei que visa “alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), instituindo como infração o ato de conduzir veículo com dispositivo, aplicativo ou funcionalidade que identifique radares ou blitz pelo caminho”. Eis onde reside o conflito: a referida ferramenta de navegação, ao permitir que os motoristas conectados alimentem o sistema com informações que encontram pelo caminho, seja uma árvore que caiu na estrada, pista escorregadia, intensidade do tráfego em determinadas rotas ou alterações no trânsito, também possibilita que estes alertem uns aos outros quanto à realização de operações policiais – especialmente aquelas voltadas a dar cumprimento à lei que proíbe a condução de veículos após ingestão de bebida alcoólica.

Diante do cenário descrito, é de se esperar que, sem refletir de forma mais aprofundada, uma larga fatia dos cidadãos empreste seu apoio, neste caso, aos legisladores infraconstitucionais, posto que muitas vidas são ceifadas rotineiramente no Brasil como resultado da mistura letal entre direção e álcool. Portanto, não pareceria correto, a princípio, permitir que motoristas embriagados desviem de blitz policiais e saiam impunes de sua grave e irresponsável conduta. Todavia, é de se questionar a eficácia do método atualmente adotado pela administração pública no intuito de extinguir tal prática nefasta – Isto é, agindo preventivamente, e tentando, a todo custo, flagrar motoristas infringindo a lei. Considerando que o ordenamento jurídico pátrio não prevê punição rigorosa pra condutores alcoolizados que provoquem mortes (2 a 4 anos de detenção, com a possibilidade de concessão de liberdade provisória e conversão da pena em prestação de serviços à comunidade), não seria a sensação de impunidade a verdadeira inimiga a ser combatida?

Façamos o seguinte exercício de reflexão: se eu não quero que meu cachorro entre dentro de casa, eu posso: A) ficar o tempo todo na porta da sala, impedindo-o de entrar cada vez que ele desrespeitar minha ordem; ou B) castigá-lo na primeira vez que ele tentar, de tal forma que ele jamais irá repetir o ato por receio de ser punido novamente – e se eu tiver mais cães e eles presenciarem o “infrator” sendo admoestado, eles também sentirão que é recomendável ficar no quintal mesmo. Convenhamos que a segunda alternativa é bem mais racional, sem mencionar que libera o dono dos cachorros para outras atividades que não sejam servir de barreira humana na soleira da casa.

Aplicando a inteligência dessa ponderação à questão da irresponsabilidade no trânsito, percebe-se facilmente que o Estado brasileiro prefere vigiar ostensivamente os cidadãos (tal qual o dono do cão no 1º caso), em vez de estipular uma punição severa o bastante para compelir todos a sujeitarem-se à lei (como o dono do cão no 2º caso). Extrapolando esta lógica, constata-se que entre fazer uma blitz em cada esquina da cidade ou estabelecer pena mínima de 10 anos para crimes ao volante, nossos governantes adotariam a primeira opção.

Entretanto, a partir da argumentação supra, creio que se torna forçoso concluir que iniciativas com vistas a simplesmente abolir a realização destas operações policiais (que mais se prestam a recolher multas e taxas do que para resolver mesmo os problemas de trânsito), aliadas ao agravamento das punições para infratores da “Lei Seca”, seriam medidas que: 1) reduziriam muito os acidentes causados por motoristas embriagados; 2) permitiriam que os policiais utilizados nas blitz pudessem ser direcionados para combater o crime; 3) acabariam com o transtorno gerado no trânsito quando da realização de blitz; 4) reduziriam os custos da máquina pública; 5) permitiriam que pessoas que tenham bebido moderadamente pudessem dirigir (a exemplo do que ocorre na Alemanha, no Canadá e na Itália), arcando estas, em caso de acidente, com as consequências de suas ações; 6) resolveriam o busílis entre Estado e Waze.

Em suma: não adianta condenar a atitude da empresa desenvolvedora do software por oportunizar a todos esta chance de escapar da fiscalização, muito menos quem aproveita essa oportunidade: ninguém quer ser barrado pela polícia, ainda que não tenha cometido nenhuma infração. Apenas o tempo parado para a averiguação já constitui motivo suficiente para procurar furtar-se de tal infortúnio. A solução passa, portanto, por uma mudança de postura do Estado, o qual deve parar de agir feito babá, e passar a deixar os cidadãos agirem de acordo com suas consciências, aplicando, em caso de prejuízo a terceiros, pesadas sanções – as quais surtiriam um poderoso efeito pedagógico nos demais. Levar as pessoas “pela mão”, como se todos fossemos irresponsáveis e incapazes de responder por nossos erros, não só alimenta a crença já bastante arraigada no Brasil de que o Estado deve resolver todos os problemas em nossas vidas (inclusive aqueles criados pelo excesso de Estado), como custa muito caro para os pagadores de impostos.

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