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Por onde andam os supremos togados nesses tempos “cabulosos”?

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A rudeza verbal, característica do lulopetismo desde seus primórdios, não é mero fruto do desinteresse pela educação formal, refletindo, antes, a violência alimentada por seus entusiastas como principal ferramenta para a revolução capaz de aniquilar a sociedade dita burguesa e de substituí-la pela sonhada coletividade igualitária.

No início da semana passada, o atual ocupante da cadeira presidencial, em linguajar semelhante ao de chefes de gangues, revelou, em público, seu desejo de vingança contra o ora senador Sergio Moro, apenas mais um dentre tantos juízes responsáveis pela sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No dia seguinte, a Polícia Federal, após a análise, iniciada ainda no ano passado, de uma série de escutas, deflagrou uma operação contra membros da facção delitiva Primeiro Comando da Capital (PCC), que arquitetavam um plano para sequestrar, torturar e matar Moro e toda a sua família. Naquela ocasião, o próprio ministro da Justiça havia elogiado a eficiência nas diligências da PF, que, em suas palavras, havia sido responsável pela “salvação da vida de um adversário”.

Já o comandante da nação, expondo sua equipe à desmoralização midiática, afirmou, a respeito do plano de atentado, ser “visível que é uma armação do Moro”, sem, no entanto, apresentar qualquer comprovação em amparo a acusação tão séria. Aliás, se o primeiro mandatário do país tivesse ciência de uma farsa de tamanha relevância, teria cabido a ele o dever de reportar o fato e as provas às autoridades competentes, sob pena de incorrer em crime de prevaricação, como noticiado pelo partido NOVO à PGR. No entanto, o conjunto de provas robustas obtidas pela PF atestou a existência de planos concretos contra a vida do senador e de seus familiares, escancarando, assim, uma mentira crassa por parte do ex-condenado. Mais uma dentre tantas.

E quanto aos supremos togados que, pelo menos desde a abertura do famigerado inquérito das Fake News, avocaram para si a condição de guardiões da verdade e da paz nas redes, e, em sua aura de defensores da democracia, não hesitaram em censurar e bloquear, em episódios comentados à farta por aqui, todas as postagens e os perfis que, no seu entender, disseminassem desinformação e ódio? Por acaso algum desses senhores manifestou comentários sobre a ira incontrolável e as inverdades instiladas pelo ex-presidiário nesse episódio? Para surpresa de ninguém, nem um pio da corte abençoada pela deusa Justitia.

Contrariamente a vozes alinhadas ao liberalismo, não advogo em prol da inclusão de quem quer que seja no aludido inquérito, nem mesmo em prejuízo da figura que enxergo como a mais abjeta de toda a Nova República.

Porém, o que não se pode deixar de pontuar é o tratamento singular conferido pela cúpula judiciária ao político em questão, bem distinto da relação mantida entre os togados e os atores de espectro ideológico diverso. Talvez, em boa medida, como fruto de uma mentalidade incutida ao longo de décadas, até o alcance de uma indiscutível hegemonia.

De fato, pelo menos desde a redemocratização, acadêmicos socialistas, saídos das horripilantes torturas nos porões da ditadura e da amargura dos exílios, brilhavam, aos olhos dos jovens daqueles anos 80, como heróis sobreviventes do autoritarismo, cujas posturas jamais poderiam ser questionadas. Durante aulas sedutoras ministradas pela nata da intelectualidade, estudantes das Arcadas em São Paulo, do Largo do Caco entre nós, e de várias outras instituições jurídicas aprenderam a relativizar valores enxergados como burgueses, em particular, o da propriedade, que, na voz dos mestres, deveria estar sempre sujeita a uma “função social”. Do mesmo modo, na área criminal, a concepção do delinquente oscilou da figura ameaçadora à ordem social e merecedora de longos períodos de isolamento a um legítimo representante da suposta opressão das “classes dominantes sobre as dominadas”.

Foi assim que aqueles alunos de ontem se tornaram advogados, promotores e juízes cujas convicções, formadas no passado universitário, permaneceram arraigadas até hoje. Tendo alguns deles alçado posições de destaque nas carreiras, inclusive em vários tribunais e até na suprema corte, não é de se estranhar que diversas decisões da nossa cúpula judiciária espelhem uma simpatia por réus egressos de camadas sociais miseráveis, e percebidos, por vários togados, mais como “vítimas de uma sociedade desigual” do que como autores de crimes graves. A propósito, vale recordar alguns julgados emblemáticos das supremas togas, que bem podem exemplificar tal visão assistencialista.

Lá atrás, em 2006, o plenário do STF havia julgado inconstitucional um dispositivo da Lei 8.072/90 que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, concedendo, assim, a condenados por delitos de enorme potencial lesivo uma significativa redução no período de isolamento carcerário, com o início precoce de sua “ressocialização”. Anos depois, um único togado viria a soltar, mediante decisões monocráticas, perigosos cabeças de facções, dentre os quais o “Guinho”, ora suspeito de ter planejado o atentado contra Moro, e o internacionalmente famoso traficante “André do Rap”, outra liderança do PCC.

No âmbito de uma ação movida por uma ONG e pelo PT, a corte começou a se debruçar sobre a constitucionalidade de uma portaria do então ministro Moro, que havia endurecido as regras sobre visitas íntimas a líderes de organizações criminosas em presídios. Em vez de ter questionado a ausência de interesse jurídico da sigla em insurgir-se contra a proibição aos “motéis penitenciários”, o ministro Fachin, relator do caso, contentou-se em arquivar os autos, sob a alegação de que a ação teria perdido o objeto frente ao teor do Pacote Anticrime, cujos dispositivos já regulamentam a matéria.

Diante da perspectiva de um eventual recurso, ainda é possível a retomada do debate sobre um tema que muito beneficiaria lideranças de facções, propiciando um “entretenimento” à sua existência no cárcere.

Ontem mesmo, tive notícia de mais uma “bizarrice” da 2ª. turma do tribunal, que, em processo relatado pelo ministro Gilmar Mendes, condenou o estado do Rio de Janeiro a indenizar a família de uma vítima de bala perdida em confronto entre delinquentes e policiais, sob o curioso argumento de que “o Estado deve provar que não é culpado por morte em operação policial”. Como se sabe, o Rio, à semelhança de tantos outros Estados, apresenta níveis calamitosos de segurança pública, razão pela qual são frequentes as operações policiais realizadas em favelas e demais regiões periféricas. Igualmente numerosos são os episódios de violência policial, por parte de agentes públicos que, muitas vezes, refletem uma combinação perversa entre despreparo e confiança na impunidade no seio da corporação.

À luz dos princípios básicos da responsabilidade, o abuso só gerará o dever de indenizar quando for comprovado e quando demonstrado um nexo de causalidade entre a prática abusiva e o dano (óbito), ainda que não se prove a culpa do agente. Contudo, no caso em discussão, nenhum laudo pericial atestou a origem do projétil desferido sobre a vítima, sendo, portanto, inviável sustentar qualquer responsabilidade dos policiais e, via de consequência, do Estado.

Ora, ao inventar uma responsabilidade juridicamente inexistente, o STF acaba por transformar, a priori, qualquer operação policial armada em “ato ilícito”, pois passível de, por si só, acarretar uma obrigação reparatória. Parece óbvio que, a partir de mais uma decisão teratológica como essa, os comandantes de unidades policiais começarão a receber ordens para cessar tais operações, cuja mera realização, com base nesse perigoso precedente judicial, pode vir a representar um passivo para o Estado. Como decorrência de tamanha sandice togada, comunidades miseráveis ficarão cada vez mais inacessíveis aos agentes da lei, e entregues aos caprichos da criminalidade grossa. Para júbilo das facções, que poderão operar seus negócios em paz, sem o risco de aparição de fardas “indesejáveis”.

“O diabo na rua, no meio do redemoinho”. Frase recorrente na obra Grande Sertão: Veredas, de J. Guimarães Rosa, que assalta nossas mentes a partir de múltiplas imagens do espaço público nacional. A partir das cenas da barbárie generalizada no Rio Grande do Norte, dos atos do 8 de janeiro, dos tiroteios espalhados pelo nosso Rio, de ataques sangrentos em escolas, das invasões a propriedades. Também a partir das referências aos diálogos “com nois cabuloso” (sic), da transformação do governo do país em verdadeira vendeta, dos xingamentos grosseiros no parlamento, do aparelhamento da academia e dos veículos de comunicação. E, ainda, a partir do caos instaurado por nossa cúpula togada, que insiste em desconhecer seu dever de isenção, em censurar, em pronunciar-se fora dos autos, e em proferir julgamentos bem mais assistencialistas que técnicos.

Nos círculos de mando, o Brasil de 2023 parece reunir uma multiplicidade de pequenos demônios, surgidos sabe-se lá de onde, e agrupados em torno de seus chefes. Nosso maior desafio é evitar que essas legiões demoníacas nos lancem ao precipício, da mesma forma como fizeram com os porcos no relato bíblico. Um desafio e tanto.

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Judiciário em Foco

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Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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