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Análise contextual histórica da concepção de Lei em Frédéric Bastiat

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O presente artigo busca elaborar uma análise do contexto histórico no qual estão presentes os ideais de pensamento do filósofo jusnaturalista e economista francês Frédéric Bastiat. Para tal, revisaremos o legado histórico do filósofo John Locke, com suas teorias liberais na política, e como isso desencadeou diversas revoluções ao redor da Europa e nas Américas. Por último, contextualizaremos historicamente a primeira metade do século XIX, período em que Bastiat desenvolve seus pensamentos e no qual surge a doutrina socialista, contrapondo-se aos ideais liberais defendidos por Frédéric.

Introdução

O economista, jornalista e político francês do século XIX Frédéric Bastiat foi um dos mais notáveis pensadores do liberalismo de todos os tempos. Nascido em 29 de junho de 1801, em Baiona, sudoeste da França, teve uma vida breve. Morreu em Roma, no dia 24 de dezembro de 1850, com apenas 49 anos, acometido por uma tuberculose.

Em seus primeiros anos de vida, vivenciou as duas fases do governo de Napoleão Bonaparte: o Consulado (1799-1804) e o Império (1805-1815), criticando-o duramente mais tarde. Durante sua infância, aos 9 anos de idade, ficou órfão e teve que ser criado por seu avô paterno. Aos 17, abandonou a escola para se dedicar aos negócios de sua família. Após a morte do seu avô, com 25 anos de idade, pôde se dedicar inteiramente aos estudos de Literatura, Religião, Filosofia, História, Direito, Política e Economia.

Durante sua formação intelectual, Bastiat aprendeu a língua inglesa, o que lhe permitiu ter acesso às obras de dois grandes pensadores escoceses:  Adam Smith e David Hume. Desse modo, o pensamento político de Bastiat sofreu fortes influências do liberalismo clássico, tendo sua origem no filósofo jusnaturalista John Locke; seu pensamento econômico teve raízes nos fisiocratas franceses e na escola inglesa de economia.

Foi somente a partir de 1844 que começou a atuar como escritor, publicando um artigo intitulado ‘A influência das tarifas inglesas e francesas sobre o futuro dos dois povos’ no Journal des économistes. Por ser um grande crítico do pensamento socialista que ganhava  força com o Manifesto Comunista, publicado em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels, Bastiat enfrentou pesada resistência aos seus ideais. Fundou, então, seu próprio jornal, chamado de ‘Le Libre Échange’. Nesse mesmo ano (1848), Bastiat foi eleito representante na Assembleia Nacional francesa.

Embora vivesse na França, cuja revolução carrega um dos maiores emblemas do liberalismo, Bastiat criticou severamente os reformadores, publicistas e legisladores de sua época. Para ele, Robespierre, líder dos jacobinos, era um ditador arrogante que, por sua vez, copiava o pensamento de Rousseau. A queda do Antigo Regime, em 1789, foi, na visão de Bastiat, um bem para a sociedade, que, no entanto, voltou a sofrer logo depois com o despotismo dos reformadores. Até mesmo Montesquieu é como “um nome famoso e uma ideia má”, não se referindo à tripartição dos poderes, com a qual Bastiat concordava, mas sim à visão de que a humanidade era matéria informe nas mãos dos legisladores.

Outra grande influência na formação da concepção estatal de Frédéric foi a independência dos Estados Unidos. Para ele, os Estados Unidos eram o ideal de liberdade econômica e política a ser seguido. Ele chegou a visitar o país no ano de sua morte, pouco antes de escrever A lei. Bastiat dizia que os EUA eram o “país do mundo em que a Lei mais permanece em seu papel, que é garantir a cada um sua liberdade e sua propriedade, […] em que a ordem social parece repousar sobre as bases mais estáveis”. Mesmo diante de tal admiração, como defensor das ideias de liberdade, Bastiat se posicionava contra a escravidão.

Desse modo, vemos as semelhanças entre as ideias de Frédéric Bastiat e os pensamentos deixados pelos seus antecessores supracitados, evidenciando a influência recebida na criação de sua concepção do Estado e do papel da lei. Portanto, é preciso estudar o contexto histórico e cultural em que Bastiat está imergido, o que permitirá entender a gênese do seu pensamento com base nas consequências geradas pelas obras de seus antepassados e nas revoluções históricas.

  1. A doutrina liberal:

O surgimento da doutrina liberal remete-nos à Inglaterra do século XVII, afundada em conflitos de natureza política e religiosa. Entender os embates que ocorreram nesse contexto histórico é de suma importância para compreender o liberalismo clássico, corrente de pensamento que Bastiat adotou. Deste modo, faremos uma breve análise histórica dos pioneiros do liberalismo, John Locke e Adam Smith.

1.1. John Locke e a origem do Liberalismo Político

Nascido em 29 de agosto de 1632 na aldeia de Somerset, em Wrington, Inglaterra, John Locke foi filho de um advogado que lutou a favor do Parlamento durante a Revolução Puritana. De família protestante, de doutrina puritana, Locke realizou seus estudos na Westminster School e, posteriormente, ingressou no Christ Church College, em Oxford. Estudou Filosofia e Medicina, tendo recebido uma educação filosófica escolástica, influenciada por Aristóteles e Tomás de Aquino.

Pôde vivenciar a Revolução Inglesa, movimento marcado por dinâmicas burguesas e religiosas, que influenciou o desenvolvimento de suas ideias filosóficas, entre elas: o contrato social, o liberalismo e o empirismo. Essa revolução consistiu em duas etapas. A primeira ficou conhecida como “Revolução Puritana”, ou “Guerra Civil”, e a segunda, “Revolução Gloriosa”.

1.2. A Revolução Puritana

Iniciada em 1942, a Revolução Puritana queria decidir se a autoridade política inglesa permaneceria sendo a monarquia absoluta ou se seria abraçado o parlamentarismo.

Com o advento da religião protestante, tornou-se possível questionar a filosofia universalista presente no Cristianismo católico. Foi sob o último reinado da dinastia Tudor, comandado pela rainha Elizabeth I, que começaram a surgir as primeiras inquietações dos burgueses em relação ao intervencionismo estatal. Esse intervencionismo aparecia na doutrina econômica da época, o mercantilismo. Em sua grande maioria, essa burguesia insatisfeita era puritana e contrária à reforma protestante inglesa, também conhecida como “anglicana”, porque se mantinha muito próxima das características católicas.

Por não haver descendência, a monarquia inglesa foi assumida, em 1603, pelos representantes da dinastia Stuart. O primeiro deles, Jaime I, era adepto da teoria do “direito divino dos reis”, elaborada por Jean Bodin. O caráter intervencionista de Jaime, que havia criado diversos monopólios, foi interpretado como uma afronta à liberdade comercial, resultando em uma ruptura ainda maior nas relações entre a burguesia e a monarquia.

No entanto, o estopim foi o governo de Carlos I, filho de Jaime. Ele teve uma postura ainda mais autocrática que a de seu pai: aumentou a tributação, dissolveu o Parlamento para concentrar ainda mais poder em suas mãos e implementou medidas restritivas aos puritanos.

Isso foi o suficiente para que a Guerra Civil iniciasse em 1642. O monarca encontrou apoio da igreja anglicana, dos católicos e da nobreza, enquanto o Parlamento foi apoiado pelos burgueses e puritanos. O conflito sangrento durou quase dez anos, chegando ao fim em 1651. Teve altos e baixos, com vitórias de ambos os lados, mas, no final, o Parlamento emergiu vitorioso, com a execução do rei Carlos I em 1649. Após a sua execução, a Inglaterra foi governada por um regime republicano liderado pelo militar e político puritano Oliver Cromwell.

A partir de 1649, implementou-se a Commonwealth de Cromwell. Embora também fosse um autocrata, Cromwell concedeu diversas vantagens comerciais aos burgueses, além de vencer importantes batalhas militares. Seu domínio chegou ao fim com a sua morte, em 1658.

1.3. A Revolução Gloriosa

Com a morte de Cromwell, o Parlamento convocou Carlos II, filho de Carlos I, para assumir o poder; movimento que foi chamado de “Restauração”, pois reviveu a monarquia absolutista da qual os ingleses tanto desejavam se afastar. O reinado de Carlos II durou até 1685, ano de sua morte. Em seu lugar, seu irmão Jaime II assumiu o trono, tentando expandir a fé católica durante seu reinado, o que despertou forte oposição dos protestantes e do próprio Parlamento.

Em 1688, a Revolução Gloriosa eclode. O Parlamento contou com o apoio de Maria Stuart, filha de Jaime II, e seu marido, Guilherme de Orange, monarca holandês, ambos protestantes, que retornaram à Inglaterra juntamente com suas tropas, depondo Jaime II. No entanto, Jaime não ofereceu resistência e fugiu para a França, ali permanecendo até sua morte.

Logo, Guilherme e Maria foram coroados reis da Inglaterra. Foi nesse contexto que surgiu o emblemático documento conhecido como “Bill of Rights of 1689”, ou “Declaração de direitos de 1689”, limitando o poder da monarquia e estabelecendo os direitos e liberdades da população. Essa declaração constituiu um marco fundamental na história inglesa, pois estabeleceu a supremacia do Parlamento sobre a monarquia e limitou o poder do rei, levando ao fim das monarquias absolutas na Inglaterra.

1.4. As consequências da Revolução Inglesa

Em 1689, logo após o fim da Revolução Gloriosa, John Locke publica uma de suas obras mais influentes, Dois tratados sobre o governo civil. A sua publicação é simbólica, pois representa um momento histórico do Ocidente em que muitos intelectuais posicionaram-se em defesa dos direitos naturais e da limitação do poder governamental.

É no Segundo tratado que Locke defende a ideia de que a legitimidade do governo depende do consentimento dos governados, dispondo os fundamentos liberais, nos quais os indivíduos têm direitos inalienáveis, incluindo o direito à vida, à liberdade e à propriedade privada.

Ainda no Segundo tratado, Locke fundamenta a sua concepção de contrato social. Para ele, a sociedade política é composta por um contrato entre todos os cidadãos, a partir do qual eles abrem mão de parte da sua liberdade, recebendo do Estado a proteção de seus direitos fundamentais. O Estado é uma instituição formada para garantir o bem individual do povo e fazer com que seus direitos sejam protegidos.

Essa ideia é fortemente defendida por Bastiat, na sua interpretação do papel do Estado liberal.

O grande diferencial trazido pela teoria de Locke em relação à teoria hobbesiana é a ideia de que a propriedade privada é um dos direitos naturais do  indivíduo. Sendo assim, é dever do Estado garanti-la e protegê-la.

A obra de Locke influenciou diversas revoluções liberais, tendo sua máxima expressão na Revolução Americana e na Revolução Francesa, contribuindo também na formação dos Estados democráticos modernos. A noção de que, caso o governo viole os direitos inalienáveis, os cidadãos podem se rebelar e derrubá-lo, permitiu a ampla adesão das nações que lutavam contra o antigo regime. Além disso, a Bill of Rights foi a base para as declarações que surgiram posteriormente, na segunda metade do século XVIII.

  1. As revoluções

As revoluções liberais ocorreram nos séculos XVIII e XIX, período de forte tendência das ideias burguesas, sobretudo por influência da Revolução Industrial. A Revolução Industrial impactou de forma abruta as relações sociais e econômicas, permitindo a grande expansão do comércio e as interações comerciais internacionais.

Nesse contexto, o intercâmbio das ideias pegou carona no comércio internacional, o que fez a doutrina liberal se difundir vertiginosamente por toda a Europa e pelas Américas. Outro fator muito importante foi a insatisfação popular com relação ao Antigo Regime, de caráter absolutista. Com o crescimento da classe burguesa, a sociedade passou a se questionar cada vez mais acerca das intervenções econômicas, fato evidente na expressão fundamental do liberalismo “laissez faire,  laissez passer!”.

O movimento iluminista, que também ocorreu no século XVIII, foi de suma relevância na divulgação dos ideais da razão, da liberdade, da igualdade e do progresso humano. Os filósofos do Iluminismo exerceram influência na política, na economia, na arte e na cultura da Europa e do mundo. O Iluminismo é considerado uma das principais inspirações para as Revoluções Americana e Francesa, além de ter contribuído na formação das democracias liberais e na preservação dos direitos naturais.

2.1. A Revolução Francesa

A Revolução Francesa foi, junto com a Revolução Americana, um dos acontecimentos de maior expressão, marcando a divisão histórica entre o fim da modernidade e o início do período contemporâneo.

Iniciando em 14 de julho de 1789, com a queda da Bastilha, um evento muito simbólico, pois representava o poder absoluto do monarca e a prisão para seus adversários políticos.

A França se encontrava mergulhada em uma grave crise econômica, com gastos desnecessários em guerras e obras públicas, além de má política monetária da Coroa, que geraram um cenário de calamidade pública. Atrelada a isso, havia uma grande estratificação social, com privilégios à nobreza e ao clero, enquanto as camadas inferiores sofriam as consequências da crise econômica, como a fome e a ausência de direitos políticos. Ademais, havia grande insatisfação popular com a monarquia absolutista, representada por Luís XVI, que  ansiava pelo fim do Antigo Regime.

Os revolucionários se uniram em dois grupos, os girondinos e os jacobinos. Os girondinos representavam a alta burguesia e eram considerados moderados quanto às requisições que desejavam para a revolução. Por sua vez, os jacobinos eram compostos pela baixa burguesia (comerciantes, artesãos e etc.) e tinham por característica serem mais radicais, acreditando em uma revolução completa.

Os jacobinos governaram a França durante a fase mais radical da Revolução Francesa, enquanto os girondinos eram um grupo político moderado que perdeu poder e influência ao longo do tempo e teve, inclusive, muitos de seus líderes mortos pelos jacobinos. O principal líder dos jacobinos foi Maximiliem Robespierre, responsável pelo período conhecido como “Reinado de Terror”. Esse período chegou ao fim em 1794, com a morte de Robespierre, executado por outros líderes mais moderados que estavam insatisfeitos com o caráter repressivo do período. Deu-se início, então, ao período do “Diretório”, que restaurou a estabilidade política e econômica da França, mesmo sob forte resistência dos jacobinos. Por fim, em 1799, o general Napoleão Bonaparte deu o “Golpe do 18 de Brumário”, instituindo o período do “Consulado”.

  1. A positivação dos direitos naturais

As revoluções liberais ocorridas nos Estados Unidos e na França resultaram na criação de diversas Declarações e Constituições que visavam a garantir, de modo escrito, os direitos naturais dos homens. Esse processo ficou conhecido como “positivação dos direitos naturais” e ganhou força no final do século XVIII.

O movimento da positivação consistiu em transformar os direitos outrora só “filosóficos” em direitos efetivos socialmente: isto é, foram reconhecidos e protegidos por meio da lei. Tê-los definidos e escritos foi um dos requisitos do emergente positivismo jurídico, para que, desse modo, fosse garantida a segurança jurídica desses direitos.

A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência (2° art. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789)

A criação do Estado moderno trazia consigo a necessidade política de separar o direito das demais esferas sociais. Era preciso secularizar e dar fim ao dualismo entre direito positivo e direito natural. Ao tornar positivo aquilo que era tratado como natural, a doutrina positivista concedeu o monopólio da criação do direito nas mãos do Estado nacional.

“[…] o racionalismo moderno universaliza a razão humana, e encontra os fundamentos para a discussão do tema, secularizando a noção de direitos humanos eternos, naturais e imutáveis, cuja consagração se deu com as Declarações do século XVIII, em especial com a Declaração de Direitos de Virgínia (1787) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).  (EDUARDO C. BITTAR, 2004, p.643)

Toda essa concepção de direitos intrínsecos à natureza humana garantidos pelo Estado advinha do pensamento lockeano de mais de um século. Nesse sentido, as Declarações e Constituições se enquadram perfeitamente na noção fundamental de Estado liberal. Contudo, a prática da positivação dos direitos naturais abriu caminho para o que viria logo depois: o fenômeno da codificação.

  1. O Código Civil napoleônico

O movimento francês pela codificação foi o pioneiro desse gênero normativo. Consistiu em um conjunto de etapas que tinham por objetivo a implementação de um sistema jurídico unitário, harmônico e codificado na França. Os seus esforços começaram durante o final do século XVIII e início do século XIX.

Buscando resolver o confuso sistema jurídico francês, o então cônsul Napoleão Bonaparte pretendia criar uma série de leis que fossem simples, coerentes, precisas e completas. Podendo ser aplicado de modo eficaz em todas as esferas da vida social e econômica da França, mais tarde, o código despertaria críticas da doutrina liberal, que se opunha à tendência da excessiva regulamentação estatal.

Foi então que, no ano de 1800, Napoleão criou uma comissão especial para discutir e redigir o texto legal. Inspirado no direito romano, na figura do Corpus Juris Civilis, de Justiniano I, o Código Civil Napoleônico consagrou os princípios da Revolução Francesa. Garantiu a igualdade perante a lei entre os homens, deixando de fora os direitos femininos; a segurança das propriedades; laicismo do Estado; abolição do sistema feudal; consolidação do Estado de Direito; democratização do conhecimento jurídico, entre outros itens.

Não somente o Código Civil, o processo de codificação francês resultou também na elaboração de outros códigos, tais como, os penais, os comerciais, o procedimento civil e o procedimento penal, demonstrando a pretensão napoleônica de um sistema jurídico completo e coerente.

O movimento de codificação francês teve um impacto significativo em diversos países da Europa e do mundo. O Código Civil Francês serviu de referência para muitos países da Europa continental, que pretendiam adotar o direito da família jurídica conhecida como “civil law”.

A partir de 21 de maio de 1804, quase três anos após o nascimento de Frédéric Bastiat, o Código Civil Francês entrou em vigência.

  1. Bastiat e sua crítica ao contexto intelectual

É evidente que o desenvolvimento da positivação dos direitos naturais e o movimento da codificação trouxeram enormes avanços sociais. A limitação do poder do Estado, a segurança jurídica e a garantia dos direitos fundamentais foram essenciais na formulação do Estado moderno.

Nascido em 1801, na França pós-revolução, Bastiat vivenciou de perto o movimento pela codificação do direito, tornando-se um grande crítico de Napoleão e suas ideias. A noção positivista de afastamento da moral e da justiça era, de acordo com ele, uma das consequências da perversão sofrida pela lei.

Quando a Lei e a Moral estão em contradição, o cidadão se encontra na cruel alternativa de ou perder a noção de Moral, ou perder o respeito pela Lei, dois infortúnios tão grandes que é difícil escolher entre um e outro. (BASTIAT, 1850, p.49)

Por ter tido uma formação intelectual de língua inglesa, Bastiat teve acesso à literatura anglo-saxã. Desse modo, bebeu das fontes do liberalismo político de John Locke, sendo fortemente influenciado pela common law, sistema jurídico desenvolvido no Reino Unido. Para ele, a noção de direitos fundamentais era praticamente a de Locke:

“[…] a Lei é organização do Direito natural de legítima defesa; é a substituição das forças individuais pela força coletiva, para agir no círculo onde aquelas têm o direito de agir, para fazer aquilo que elas têm o direito de fazer, para garantir as Pessoas, as Liberdades, as Propriedades, para manter cada qual em seu Direito, para fazer reinar entre todos a JUSTIÇA.” (BASTIAT, 1850, p.43)

A codificação buscava regular completamente a vida social, fato que contraria o pensamento liberal clássico. Essa pretensão positivista do direito teria causado a perversão da lei por dois motivos.

O primeiro deles é o egoísmo ininteligente, o qual gerava nos homens o desejo de viver e se desenvolver às custas uns dos outros, motivo que teria originado guerras, opressões sacerdotais, escravidão generalizada, criação de monopólios, entre outros. Desse modo, assim que as classes menos favorecidas chegavam ao poder, ao invés de legislar com o intuito de eliminar a espoliação legal, buscavam espoliar outras classes em benefício próprio.

O segundo motivo é a falsa filantropia, ou tirania filantrópica. A partir dele, Bastiat tece suas críticas aos intelectuais modernos. Através da expressão “o jugo da felicidade pública”, criada por Rousseau em sua obra O contrato social, legitimava se o despotismo dos líderes políticos, que impunham suas visões pessoais para a obtenção do bem comum. Assim, mesmo tendo superado o Antigo Regime através dos ideais liberais que nortearam a Revolução Francesa, a França logo foi submetida a outro regime da onipotência da Lei, dessa vez na figura de Napoleão.

Em sua crítica, Bastiat afirma que Napoleão queria uma humanidade passiva. Esse pensamento era comum na França, tendo sido reconhecido em Abbé de Mably, François Raynal, Rousseau, François Fénelon, Jacques Bossuet, Robespierre e até mesmo em Montesquieu. Consistia na afirmação de que o gênero humano é passivo diante do Legislador. Referindo-se a Napoleão, Bastiat dispõe:

“Considerando-se um químico, só via na Europa uma matéria para experiências. Porém, logo essa matéria mostrou-se um poderoso reagente.”  (BASTIAT, 1850, p.94)

Por fim, urge entender qual era concepção de governo justo para o liberalismo clássico, sobretudo pós-Revolução Francesa, tendo Bastiat como seu maior representante no século XIX. Para ele:

“[…] o governo mais simples, mais econômico, menos pesado, menos notado, menos responsável, mais justo, e, por conseguinte, o mais sólido que se pode imaginar, qualquer que fosse, aliás, sua forma política.” (BASTIAT, 1850, p.44)

Vale destacar que, no mesmo período em que Bastiat fundamentou suas ideias, outro grande pensador do liberalismo se desenvolveu, Alex de Tocqueville. Os dois foram amigos, tendo-se conhecido na Assembleia Nacional da França, compartilhavam semelhantes ensinamentos e visões sobre política e economia. Tocqueville cita Bastiat na obra O Antigo Regime e a Revolução, publicada em 1856, exaltando a importância de sua contribuição à liberdade individual.

Conclusão

A análise contextual histórica da concepção da Lei para Frédéric Bastiat nos mostra como a sua obra A lei é influenciada por diversas correntes filosóficas e políticas que marcaram a história do pensamento ocidental. A fundação da doutrina liberal de John Locke na Revolução Inglesa serviu como base para a concepção de Bastiat de que a Lei deve garantir a liberdade e a propriedade dos indivíduos.

A implementação das ideias liberais na Revolução Francesa, por sua vez, permitiu que Bastiat desenvolvesse a sua crítica à intervenção estatal excessiva na economia e na vida dos indivíduos. A positivação dos direitos naturais nas declarações e constituições do fim do século XVIII reforçou a importância da Lei como um instrumento de proteção desses direitos.

Por fim, o movimento da codificação francesa, que teve como principal representante Napoleão Bonaparte, é outro fator que influenciou a concepção da Lei de Bastiat. O Código Napoleônico, ao codificar as leis francesas, tornou-as mais acessíveis e compreensíveis para a população, o que reforçou a importância da Lei como um instrumento de garantia de direitos. Além disso, a codificação também despertou críticas de Bastiat por seu caráter autoritário no que diz respeito à escravidão, ausência de direitos femininos, lei espoliadoras e protecionistas e demais características autocráticas.

Assim, pode-se concluir que a obra de Bastiat é fruto de um contexto histórico marcado pela luta pela liberdade e pela garantia de direitos individuais, e que sua concepção da Lei é uma tentativa de sintetizar as principais correntes filosóficas e políticas que influenciaram a sua época. Seu legado, portanto, continua atual e relevante, servindo como um importante referencial para a defesa da liberdade e da dignidade humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VÁRGANY, Tomás. (2009). O pensamento político de John Locke e o surgimento  do liberalismo.

*Lucas Wanderley é Associado IFL – Recife, Coordenador Local do Students For Liberty e Social Media no Clube Frei Caneca.

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