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Uma pergunta sem resposta

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Há poucos dias, durante uma palestra, fiz uma pergunta simples — que, na verdade, era um desafio: “Alguma alma de reconhecida boa vontade pode citar alguma medida correta ou consistente, tomada pelo ministro da Fazenda e sua equipe, nesses 16 meses em que ocupa o cargo?”. E emendei, tentando animar os presentes: “Uma só, umazinha que seja, vamos lá, quem se arrisca?”.

O silêncio que se seguiu foi tonitruante, retumbante e estrepitoso, mas, simultaneamente, taciturno, triste e assustador. Com a devida autorização da boa e velha retórica, posso afirmar que dava para ouvir, vindo da sala ao lado do auditório, o zumbir de uma mosca atrevida perdida, ao mesmo tempo que percebi imediatamente a perplexidade dos presentes, que pareciam buscar alguma resposta capaz de atender satisfatoriamente à minha provocação, como se algum som lhes estivesse querendo sair — mas sem ter como — da garganta.

Caríssimos leitores, como economista e como brasileiro, é realmente triste afirmar isso, mas a pergunta que formulei simplesmente não pode ser respondida. É impossível, para qualquer indivíduo dotado de conhecimentos mínimos de economia ou, simplesmente, dotado de inteligência suficiente para extrair lições úteis da escola da vida, mesmo com bastante boa vontade e espírito colaborativo, detectar algo de bom ou encontrar qualquer coisa minimamente aproveitável na gestão econômica atual.

Ascende da alma uma inevitável indignação quando sabemos que o time econômico do governo não está apenas deixando de fazer o que deveria ser feito, mas — o que é ainda pior — fazendo exatamente o que não deveria ser feito, repetindo e amplificando os mesmos erros crassos cometidos no passado, que levaram a economia do país à estagnação, com raríssimos voos de galinha impulsionados por déficits e inflação e abortados por desemprego e recessão.

Até nossas queridíssimas avós, amadurecidas pelos ensinamentos que somente a experiência proporciona, sabem recitar de cor e salteado o resumo do que deveria ser feito: basicamente, controlar os gastos públicos, diminuir a carga tributária, esforçar-se para reduzir o endividamento do governo ao longo do tempo, simplificar o sistema tributário e empenhar-se na aprovação de leis que possam contribuir para aumentar a produtividade. Mas o que vêm fazendo o ministro Haddad e seus acólitos? Ora, exatamente o oposto: aumentar irresponsavelmente os gastos, avançar impiedosamente sobre os pagadores de impostos e tomar medidas que seguramente tendem a aumentar os custos de produção, diminuir a produtividade e complicar a vida dos que trabalham e produzem.

A frustração é forte, mas sem qualquer surpresa, a não ser para certos “liberais” e “conservadores” — em sua maioria economistas tucanos — que, por simples birra com o governo anterior, ou por velhas rivalidades com o ex-ministro Paulo Guedes que remontam aos tempos trevosos dos congelamentos de preços, ou, simplesmente, porque fazem parte do conhecido sistema patrimonialista de poder que vem sugando o sangue do país há muitos anos, agora fazem pose de chocados com os fracassos que a mediocridade do governo vem impondo à economia e que já não podem mais ser ignorados nem escondidos.

Alguns desses arremedos caricatos de “Madalenas arrependidas” têm até boa formação teórica (outros, nem tanto), mas o fato é que a maioria deles era tecnicamente capaz de prever o colapso que começa a se avizinhar. Entretanto, movidos por inveja, ou despeito, ou vaidade, ou interesses políticos pessoais, ou qualquer outro sentimento pouco louvável, preferiram apoiar a candidatura que acabou vitoriosa nas urnas eletrônicas.

A política econômica atual reflete fielmente a visão de mundo dos seus executores, uma interpretação completamente atrasada, que faz parecer que ainda estão vivendo nos anos 50 do século passado. Testada e retestada várias vezes por diversos governos e em muitos países, sempre fracassou e fracassará onde e quando for replicada. No centro dessa visão, fazendo o papel do bezerro de ouro que Moisés destruiu (Livro do Êxodo, 32), está o Estado, adorado como a única entidade capaz de conduzir a economia e a vida de todos.

Examinando essa crença, constata-se facilmente que ela rejeita praticamente tudo o que, por ser estimulador do progresso, deve ser considerado desejável e considera tudo o que deve ser rejeitado, por ser sabidamente gerador de atraso, como desejável, tendo em vista o grande objetivo de criação de uma “sociedade justa” na Terra. É cansativo demais tentar argumentar contra esses crentes, porque são sabidamente avessos a fatos e sempre propensos a distorcê-los para colocar sua arrogância, ideologia e interesses de poder em primeiro lugar, mas essa constatação não nos impede de esboçar uma pequena lista de suas idiossincrasias.

Primeiro, juram de pés juntos que, quanto mais o governo gastar, melhor para o país, porque supostamente apenas as despesas públicas, escolhidas politicamente, são capazes de atender aos anseios da população, já que o setor privado é uma terra de ninguém, em que empresários só olham para os próprios interesses e costumam explorar até a própria mãe.

Segundo, nessa linha, acreditam que nem o déficit público nem tampouco a dívida pública são problemas, porque o governo sempre terá condições de financiar o primeiro e de pagar a segunda. Eles até aceitam que, em nível de indivíduos e de empresas, viver permanentemente “no vermelho” é uma prática pouco recomendável, mas consideram que, quando se trata do governo, por alguma razão esotérica, gastar acima das receitas e endividar-se permanentemente é uma virtude que leva o povo à Terra Prometida.

Terceiro, a inflação de preços não é um problema e ela chega a ser até desejável para estimular a economia, porque, sabendo que poderão vender seus produtos por preços maiores no futuro, os empresários saem correndo para aumentar a produção. E a inflação monetária também é uma prática boa, pois é uma das maneiras de financiar os gastos que tornarão o país próspero e a população feliz como pintos no lixo.

Outro falso dogma da seita é que, quanto mais o governo arrecadar, maiores serão os benefícios para o país, porque são os impostos que proporcionam os recursos para fazer a economia prosperar e porque existe um teorema místico e cabalístico, segundo o qual “dinheiro em posse do governo é mais útil sob o ponto de vista social do que dinheiro nas mãos de quem trabalhou para fazer jus à sua posse”.

Em quinto lugar, essa gente considera a propriedade privada não como um direito fundamental, mas como algo relativo e justificável apenas se atender a objetivos considerados como “de interesse social”. Invadir terras e casas alheias, então, pode ser uma prática a se estimular, tendo em vista a construção de uma “sociedade justa”.

Outra convicção dos partidários da visão de mundo estatizante é que, quanto mais centralizadas forem as decisões, melhor para todos, porque é fundamental existir um “projeto de país”, em que meia dúzia de iluminados traça o destino de milhões de pagadores de impostos. Sua hierarquia de agentes decisórios é literalmente a oposta à do princípio da subsidiariedade que fundamenta o federalismo. Para eles, primeiro vem a União, depois os Estados, depois os municípios e por último, bem na rabeira, os indivíduos, cuja liberdade de fazer as próprias escolhas deve subordinar-se aos ditames que vêm “de cima”.

Sétimo, os investimentos relevantes para a economia do país também devem ser decididos pelo grupo que detém o poder, e os recursos para esses investimentos devem provir de bancos estatais, porque essas instituições “pertencem ao povo” e são imunes aos interesses individuais que norteiam os investimentos privados, que são baseados em critérios capitalistas de produtividade.

Oitavo, a equipe econômica atual trata toda e qualquer privatização como uma prática amaldiçoada e que deve ser impedida de qualquer jeito, porque coloca o país na dependência de empresas egoístas, que pensam apenas nos próprios acionistas e sem qualquer “sensibilidade social”. Para alguns, a simples distribuição de dividendos de empresas com alguma participação do governo é um crime de lesa-pátria.

Por fim, há que se ressaltar a mentalidade globalista, o desleixo com a soberania nacional e a submissão aos agentes internacionais que vêm ditando as diretrizes daquela que talvez seja a maior das utopias modernas, a de um governo mundial, escorado em muitos bilhões de dólares de meia dúzia de excêntricos poderosos que se julgam donos da verdade e detentores do conhecimento e apoiado em organizações como a ONU, o Fórum Econômico Mundial e milhares de ONGs que estão tentando nos impor sua agenda econômica, política, ambiental, alimentícia e de costumes.

É impossível, infelizmente, antever qualquer panorama positivo para o Brasil nos próximos meses, por mais que a mídia subserviente tente manipular os fatos

Um exemplo dessa submissão ao globalismo suicida está no projeto de lei enviado na semana passada pelo governo ao Congresso Nacional, com vistas a regulamentar a reforma tributária sobre o consumo, com regras para todos os produtos sujeitos ao novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), criado pela proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada no ano passado. Entre outras tungadas, o governo propôs um tributo seletivo, chamado de “imposto do pecado”, a ser cobrado sobre alguns produtos e atividades específicos. Inacreditável.

A ideia é taxar mais certos bens e serviços considerados — pelos candidatos a donos do mundo, naturalmente — prejudiciais à saúde e ao meio ambiente: veículos poluentes, embarcações e aeronaves, cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos, como minério de ferro, petróleo e gás natural.

É desnecessário comentar cada um desses nove itens para os leitores de Oeste, tamanha sua obviedade, mas é preciso frisar o comprometimento absoluto do atual governo brasileiro com cada um deles e com outros que não foram listados. A esta altura dos acontecimentos, qualquer pessoa bem informada sabe que todos são prejudiciais para as atividades econômicas e para o país e que, certamente, nenhuma economia os aguentaria por muito tempo sem entrar em parafuso. Entretanto, a coisa fica ainda pior se somarmos a eles a baderna institucional que estamos vivendo, a descomunal insegurança jurídica, a desastrosa política externa e a consequente exacerbação das incertezas quanto ao futuro. É impossível, infelizmente, antever qualquer panorama positivo para o Brasil nos próximos meses, por mais que a mídia subserviente tente manipular os fatos. A pergunta que lancei na palestra não tem resposta.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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