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Defensoria Pública: repensar é preciso

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attorneys in greensboro

A Constituição de 1988 expressamente dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV). Até aí, como liberal clássico que sou, entendo razoável esse fragmento do texto constitucional, onde se concede aos mais carentes algum tipo mínimo de suporte na defesa dos seus direitos.

Essa disposição constitucional é pétrea e, portanto, imutável dentro da atual ordem constitucional. Assim sendo, desenvolvo o raciocínio abaixo sob esse prisma, e não sob possíveis cenários ideais ou modelos desejáveis.

Lembro que o desiderato do devido processo legal implica em assegurar-se a paridade de armas entre os litigantes, o prestígio do contraditório entre as teses de autor e réu, a observância estrita das provas, repelindo-se as ilícitas e, dentre outras garantias, o respeito à ampla defesa e aos recursos judiciais inerentes. O devido processo legal é um marco civilizatório extensível à todos.

Por outro lado, entendo necessária uma leitura bastante comedida do texto, vez que a assistência jurídica, como qualquer outro serviço (público ou privado), não pode ser ofertado ilimitadamente, pois a escassez é uma constante em qualquer atividade humana. Tal alerta inicial se faz necessário, dado que, ao se declarar a assistência jurídica como um “direito”, comum se torna a amnésia, em especial no Brasil, em relação ao imperativo da escassez.

Nos EUA também existe tal tipo de garantia. Mesmo aqueles que não estão familiarizados com o sistema judicial norte-americano, já devem ter assistido algum filme de Hollywood onde o acusado, em algum momento, é expressamente informado de que se ele não dispuser de recursos para custear sua defesa, o Estado lhe pagará um advogado. O mesmo ocorre na Inglaterra, onde é prestada assistência jurídica aos mais necessitados.

Em verdade, na terra de sua majestade, a Rainha Elizabete II, ninguém precisa de um advogado para estar em juízo, pois qualquer um pode formular diretamente à Corte a defesa de seus direitos. Não há, portanto, obrigatoriedade da presença de um advogado em juízo, em que pese isso ser altamente recomendável. Quando se advoga em causa própria, dizia um saudoso professor que tive na Faculdade Nacional de Direito, corre-se o risco de se ter um idiota como cliente!

Voltando ao Reino Unido, todo serviço de assistência a carentes que expressamente desejarem apoio é feito por escritórios particulares devidamente cadastrados e custeados pelos impostos arrecadados pela Coroa. A esse respeito, em março de 2014, o governo britânico anunciou a redução dos honorários pagos para aqueles que prestam assistência judiciária. O total de bancas cadastradas para esse tipo de serviço também foi drasticamente reduzido, como medida de austeridade frente à crise.

No entanto, por esses trópicos a ideia de respeito e parcimônia para com o dinheiro dos pagadores de impostos é vista como bobagem; a austeridade não passa de mesquinharia ou vilania da classe média, tão odiada pela famosa filósofa da USP, a senhora Marilena Chauí.

Por estas bandas, os gastadores do dinheiro do contribuinte sempre querem mais! Cabe lembrar que a Assembleia Constituinte, não satisfeita em inserir o citado inciso LXXIV no texto constitucional, foi mais além! Os constituintes prometeram o paraíso terrestre, o que inclui farto almoço grátis para todos, com direito à tiramisu, profiteroles ou petit gateau como sobremesa, tudo ao gosto do cliente.

Os parlamentares da época, em sua maioria, desconheciam por completo o sentido do vocábulo escassez, uma regrinha básica que teima em reger a economia e segundo a qual as necessidades são infinitas, todavia, os recursos são sempre finitos. Não por outra razão o grande liberal Roberto Campos, ele mesmo um Deputado Constituinte, carinhosamente apelidou a Carta de 88 como “Constituição besteirol”.

Neste sentido, ainda, o artigo 134 da CF/88 dispõe acerca da criação das Defensorias Públicas como órgãos responsáveis pela promoção da defesa dos mais carentes e atribui a essa Instituição caráter “(…) essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados“. Ao ler isso sempre penso: como é fácil ser generoso com o dinheiro alheio!

As Defensorias surgiram, portanto, como proposta estatal para solucionar a questão da assistência jurídica à população mais desprovida. Algo tão genial quanto se determinar a criação de borracharias ou oficinas mecânicas estatais para se resolver o problema de pneus furados e carros enguiçados.

O resultado final não poderia ser outro: custos astronômicos ao contribuinte, longas filas de espera e péssimos serviços prestados aos usuários. Some-se a isso o fato de que, caso ocorra um erro profissional, o lesado terá que ingressar com uma ação de ressarcimento em face do Estado e receberá muito anos depois pelo sistema de pagamento de precatórios (uma espécie de doloroso calvário jurídico ao qual os credores do Estado são submetidos).

Em todo o país a atividade dos Defensores se decompõe, basicamente, entre o atendimento à população carente, à propositura e o acompanhamento dos processos judiciais e à inspeções no sistema carcerário. Como se pode ver, salvo esta última atribuição, uma Defensoria Pública é, em suma, um grande escritório de advocacia, com apenas uma diferença: é estatal!

Evidentemente, não se requer grande expertise para se inferir que as Defensorias padecem de todas as mazelas, custos, ineficiências e burocracias típicas dos serviços públicos em geral.

A ineficiência do Estado brasileiro é de tal magnitude que, passados mais de 25 anos da promulgação da Constituição, as Defensorias Públicas espalhadas pelo Brasil afora não possuem estruturas capazes de propiciar atendimento minimamente adequado e digno a toda demanda existente. Se nossos hospitais e escolas são sofríveis, se nossas estradas, portos e aeropostos são medonhos, as Defensorias Públicas não seriam ilhas de excelência em meio ao caos completo.

Para continuarmos nossa linha de raciocínio, como resido no Rio de Janeiro, tomemos como paradigma a Defensoria do Estado d’onde escrevo, a maior e mais antiga do país. Os rudimentos dessa Instituição fluminense surgiram antes da Constituição de 1988, isto é, pelos idos da década de setenta do século passado e, de lá para cá, houve um agigantamento considerável.

Hoje, a Defensoria do Rio de Janeiro conta com quase 1000 (mil) Defensores Públicos, isso sem contarmos todo pessoal administrativo, estagiários e terceirizados em geral. Adicione-se a esse cenário todos os custos da própria estrutura administrativa, tais como instalações, luz, material de escritório, frota de veículos, sistema de telefonia e informática, manutenção, limpeza e segurança, viagens e diárias, dentre inúmeros outros gastos.

É preciso lembrar que os mais desprovidos também arcam, via tributação indireta, com descomedida carga de impostos para financiar todo o tipo de serviço público e, no caso da Defensoria, a questão não é distinta. Com frequência, nas hipóteses em que financiamento de um serviço provém exclusivamente dos impostos, não se costuma estabelecer nenhuma relação com a qualidade do mesmo.

Some-se a isso o fato de que o dinheiro arrecadado não tem o condão de se multiplicar, ou seja, aqueles recursos destinados à infraestrutura são, ao mesmo tempo, recursos subtraídos da atividade fim, no caso em tela, a defesa dos mais carentes.

Para subsistir no setor privado se deve buscar incessantemente o lucro. Este só se concretizará na medida em que se otimize a eficiência dos gastos e, concomitantemente, se maximize a satisfação dos clientes. Em suma: oferecer o melhor serviço pelo menor preço possível.

Ao se atuar desta forma, parte do lucro obtido poderá, então, redundar em melhorias salariais, bônus, participações e benefícios para empregados, incremento da própria infraestrutura, treinamento, novos equipamentos, etc. Resumindo: avanços só são plausíveis em decorrência da satisfação contínua dos clientes, pois o contrário leva à falência.

Já no serviço público a infraestrutura e os ganhos salariais se tornam um fim em si mesmo (isso explica também as constantes greves no serviço público). Nada mais natural, vez que no sistema público o atendimento ao usuário é encarado como “gasto/orçamento”, enquanto que no âmbito privado é fonte de “receita/lucro”.

O custo total da Defensoria fluminense, segundo informações orçamentárias facilmente aferíveis na Internet, supera a casa do meio bilhão de reais ao ano. Haja ICMS a ser pago pelos contribuintes cariocas, para se custear toda essa imensa máquina burocrática. Ao contrário do que diz a Constituição, não existe nada de gratuito no sistema da Defensoria Pública. Ela é muito dispendiosa, principalmente aos mais pobres!

Em outras palavras, a Defensoria fluminense é um dos maiores, mais caros e ineficientes “escritórios de advocacia” do Brasil. Basta lembrarmos que cada ilustre Defensor Público, mesmo em início de carreira, custa ao contribuinte fluminense mais de vinte mil reais ao mês (me refiro apenas aos salários, sem contarmos todos os penduricalhos e regalias que apenas os funcionários públicos conhecem!!).

Agora, caro leitor, imagine se na iniciativa privada um advogado júnior (inexperiente por definição!) ingressasse na carreira ganhando vinte mil reais, mais benefícios (e que benefícios!)? A questão pareceria jocosa, pois em qualquer lugar do mundo o salário de um empregado vai subindo na medida do aumento de sua produtividade e de sua efetiva demonstração de competência ao longo dos anos. Apenas nas generosas tetas do Estado é que se verifica esse tipo de farra com o dinheiro dos pagadores de impostos.

Ademais, além de estáveis, bem remunerados e vitalícios, inexiste qualquer vinculação mais específica das remunerações dos Defensores Públicos para com a produtividade ou índices de vitórias, por exemplo. A satisfação do cliente (o necessitado a que eu me referi lá no começo do artigo, lembra?) não é exatamente a prioridade, vez que parece não ser parâmetro para qualquer bônus performance.

Seguindo a lei natural do menor esforço, é fácil perceber que qualquer Defensor, mesmo que brilhante, intelectualmente preparado, destemido, bem intencionado e honesto, tem grande probabilidade de, ao longo de sua carreira vitalícia, hibernar, isto é, quedar-se em certa letargia profissional, pois não tem a menor necessidade de melhorar sistemática e continuamente seu desempenho. Os resultados de suas iniciativas, criatividade e esforços não alteram o curso de sua condição de vida ou de sua carreira.

A regra, como se deduz, é o torpor anestésico, pois no serviço público o empenho não é diretamente recompensado e a meritocracia soa como algo bizarro, um estrangeirismo saxão exótico e indesejado!

Além do mais, no serviço público há denominada promoção por antiguidade, sendo o único lugar em que se ascende na carreira tendo como único pressuposto não morrer. Em outras palavra, se você ingressar jovem e permanecer vivo, sua promoção estará, em algum momento, assegurada, algo como keep calm and stay alive.

Deste modo, se a intenção realmente é prestar assistência judiciária de qualidade aos mais pobres, deveríamos pensar um modelo moderno e eficiente de defesa, transformando-se a Defensoria Pública em uma Agência Reguladora dos serviços de assistência jurídica.

Por conseguinte, o Estado, via Defensoria, organizaria a habilitação dos escritórios interessados em prestar o serviço, bem como emitiria os pagamentos por meio de “créditos advocatícios” (semelhante aos créditos educativos). Isso propiciaria ao cidadão carente um melhor atendimento, pois teria ele a liberdade de escolher, dentre os habilitados, o advogado privado de sua preferência.

Em outros termos, com essa espécie de “crédito advocatício”, o necessitado poderia buscar no mercado sua defesa junto ao advogado que melhor lhe aprouvesse. Poderia se pensar, ainda, na possibilidade de se ter, como diferencial competitivo, apólices de seguro contra erro profissional, de modo a se garantir uma proteção adicional aos mais carentes.

Em resumo, sistema de preços livres municia os agentes econômicos de valiosas informações sobre a disponibilidade de qualquer bem ou serviço, bem como instiga o uso criterioso e consequente dos mesmos. Quando a oferta de um serviço é “gratuita”, o estímulo à prudência costuma desaparecer.

Como, no modelo acima proposto, o advogado só receberia após o término da Ação Judicial e estaria sob a constante análise e dependência da satisfação do cliente, o esforço, dedicação e desempenho apresentado na prestação do serviço tenderiam a se elevar.

A solução aqui proposta, a um só tempo preserva a integridade do texto constitucional, promove o incremento qualitativo dos serviços prestados aos mais necessitados e barateia a conta apresentada ao contribuinte. Por fim, quero crer que, como benefícios adicionais tenham a abertura de milhares de oportunidades no mercado de advocacia. Todos ganham quando o Estado se atem a suas funções essenciais.

Por último, fica uma dica aos parlamentares: ao contrário do citado inciso LXXIV, o artigo 134 da Constituição não é cláusula pétrea e, portanto, mutável ou revogável a qualquer tempo.

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Rodrigo Mezzomo

Rodrigo Mezzomo

Advogado (UFRJ), com pós-graduação em filosofia contemporânea pela PUC-RJ, Mestre em Direito (Mackenzie-SP) e Doutorando em Direito pela Universidade de Buenos Aires. Professor de Direito Processual Civil (Mackenzie-RJ).

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