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“Basta!” e “Fora!”

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correiodamanhã1964Não se espante caso os imperativos exclamativos acima, colocados como títulos de um artigo, estejam soando familiares. Isso significa, muito provavelmente, que você tem uma razoável bagagem de informação acerca da história nacional. “Basta!” e “Fora!” foram as manchetes de dois famosos editoriais do antigo Correio da Manhã, o primeiro publicado em 31 de março e o segundo em 10 de abril, ambos em 1964. Portanto, no olho do furacão do tão lembrado movimento civil-militar que depôs o presidente João Goulart e deu início a duas décadas de regimes militares – contrariamente à vontade da maioria dos articuladores do chamado golpe, ou “Revolução”, ou qualquer outro rótulo que se queira atribuir. Dizem os dois textos que o Brasil suportava um governo que “paralisou o seu desenvolvimento econômico”; que criou absurdo “clima de intranquilidade e de insegurança”; que provocou “crise financeira” e “inflação desordenada”; que teve uma conduta provocadora de disputas e divisões artificiais e caóticas no seio do povo; que adotou relacionamento intranquilo, política externa duvidosa, etc., etc., etc.

O cenário pintado para definir o governo do sr. João Goulart, feito por um jornal que antes o havia apoiado, é horroroso, e o contexto explícito de Guerra Fria, sentido e experimentado até pelas pessoas não tão bem informadas, ajuda a compreender os desdobramentos; não escrevemos hoje estas linhas para meramente julgar os fatos como transcorreram naquele tempo. Nosso propósito é outro. Perguntamo-nos: não temos hoje um governo que, sob diversos aspectos, consegue superar os abusos e delírios da administração histórica do petebista deposto? Para o PT, liberais e conservadores podemos, com ainda mais ênfase, dizer: basta e fora!

Basta de ameaças trogloditas e pressões sobre institutos e organizações que dizem nada mais que o óbvio ululante para alertar seus clientes sobre a situação econômica do país; basta de humilhações internacionais, levando a pátria a ser elogiada por terroristas fanáticos que aterrorizam nações inteiras e mantém o povo sob o regime do medo, sem dar o menor valor à vida humana; basta de leis intrusivas que fazem cair cada vez mais a possibilidade de investimentos e a qualidade de vida no país. Basta de sindicatos enchendo os bolsos enquanto fazem estardalhaço em apoio a esquerdas tacanhas, basta de encenações dramáticas fazendo políticos condenados do partido dominante posarem de “presos políticos”. Enfim, “basta!” e “fora!” quase nunca foram desabafos tão atuais e tão eivados de profundidade quanto hoje.

Muito que bem; mas seria o remédio para tudo isso, em 2014, 50 anos depois, o mesmo que foi aplicado em 1964? Temos visto com preocupação setores ditos “direitistas” clamando por uma intervenção militar centralizadora de poder, a fim de “escorraçar os comunistas” do governo e reimplantar uma administração ética e produtiva. Criticam, com toda razão, os movimentos da esquerda nacional em direção a uma preocupante assembleia constituinte, que decerto quererá mudar aspectos fundamentais de nosso Estado de direito, bem como as articulações no sentido da relativização do papel do Congresso e o fortalecimento de conselhos populares – por óbvio, as minorias barulhentas dos aparelhados “movimentos sociais”.  Porém, diante de um cenário adverso, mesmo que plenos de boa intenção – e não duvido disto em muitos -, eles querem resolver tudo também com uma subversão brusca da estrutura representativa estabelecida (enfraquecida e controlada quanto possível pelos nossos governantes, é verdade, mas que ainda tem, sim, um núcleo-duro relativamente funcional), concentrando poder em suas mãos para que consertem a realidade. Em outras palavras: paradoxalmente, entre muitos dos ditos “conservadores” brasileiros, o que mais se deseja é revolução.

Escrevo para dizer que, independente de nossa opinião sobre o que se deu naquela época, 2014 não é 1964. Temos uma consciência liberal e conservadora despertando, de maneira difusa e plural – o que é ótimo. Uma luta desleal é travada contra o poder sufocante da hegemonia covarde da esquerda, mas já começa a render frutos. Num cenário em que, a partir do próprio famigerado regime de 64 – e, diga-se de passagem, em parte por culpa dele -, “direita” se tornou palavrão, a mudança não pode deixar de ser percebida, e vista como um fator de encorajamento. Somente um cego e um total pessimista não perceberá que o fato de o discurso francamente de direita estar sendo defendido com seriedade por vários novos candidatos a cargos eletivos no período corrente quer dizer alguma coisa. Algumas pessoas estão se conscientizando de que a luta é, em boa medida, cultural; falta, ainda, algum investimento na comunicação popular, falta ainda alguma articulação, mas algo está acontecendo, e pessoas estão trabalhando em defesa de nossas liberdades individuais e para fazer de nossa democracia algo mais completo – o que não se fará com reformas esdrúxulas na Constituição, mas com a presença de ideias realmente divergentes no debate público, devidamente representadas.

Pensamos que a importância dessa reflexão está em nos prevenirmos contra afobações suicidas. Não podemos nos limitar a sermos guetos de estranhos bradando por arbitrariedades como remédio para outras arbitrariedades. Mais de uma vez, recebemos questionamentos dando conta de que a crítica a certas posturas ditas “de direita” seria um tiro no pé, de que é preciso que “abracemos os nossos radicais” – com a alegação, vejam só, de que a esquerda faria o mesmo! Alguém que ressalte esse ponto de vista relativiza em demasia o peso moral da defesa de princípios de liberdade que nos são caros, e decide englobar para o seu lado “radicais” que, na essência de suas propostas, em pouco ou quase nada divergem do adversário que combatem. Certos nacionalismos cegos pretensamente “reacionários” chegam a ser até mais estatólatras que a social-democracia mais civilizada. Nossa reação precisa ser, como dizia Nelson Rodrigues, “contra tudo que não presta” – seja qual for o rótulo com que a coisa se apresente! Não boicotemos o processo em curso dando amparo a slogans e conclamações que nos enfeiam ao extremo a reputação, que soam desesperadas e derrotistas e, sobretudo, que são facilmente manipuláveis pela esquerda, justamente pelo fato inconteste da presença soberana de sua “novilíngua”, no bom estilo 1984. Não podemos dar munição ao inimigo gigantesco com que nos defrontamos! “Basta” e “fora”, portanto, também são dignos de serem pronunciados diante de discursos que, na ânsia de defender a democracia e deter o processo de aparelhamento, já assinam o atestado de fracasso e impotência e desejam por solução uma variante da mesma doença que dizem desafiar.

Vamos além; com a educação e o respeito que nos devem definir, mesmo aqueles que apresentam discordâncias menos essenciais, apresentando ideias legítimas de liberdade, não farão mal à “direita” ao expressá-las. Um movimento, uma corrente, uma causa, não morre por conta de contestações e discordâncias saudáveis. Compreendamos que criticarmo-nos saudavelmente entre nós, desde que não nos bombardeemos e esqueçamos o verdadeiro opositor, é uma maneira de crescer. Não somos uma manada e, se assim quisermos ser, não teremos nenhuma alternativa legítima para apresentar ao que aí está.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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