“VAI LOGO SUA VAGABUNDA”

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Diego Casagrande *

Porto Alegre, 12.02.2007

Fiquei uma semana nos Estados Unidos. Voltei neste domingo. Minha sensação é a pior possível. O Brasil está pior, muito pior. Aliás, nosso país vem piorando a cada semana há décadas. Quando embarquei naquele avião no início do mês, o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, ainda estava vivo. Não tinha sido arrastado por 7 quilômetros preso ao cinto de segurança, enquanto deixava pedaços do corpo espalhados por vários bairros do Rio. Antes, segundo a mãe, era um menininho faceiro e brincalhão. Sorriso lindo agora só visto nas fotos. Há pouco tempo foi o outro menininho em São Paulo, fritado vivo dentro de um carro com a família. Antes tinha sido aquele outro ônibus no qual a vítima havia sido um bebê e uns outros desafortunados que estavam no lugar errado, na hora errada. E antes teve aquele, e aquele outro também.

E assim vamos em frente, vendo a barbárie tornar-se algo cotidiano, impregnado em nossa sociedade, e apenas rezando para que não chegue até nós. Mas é só. De resto, a sociedade brasileira não faz nada além. Não há um único movimento da sociedade civil organizada no sentido de conter uma das vertentes principais da criminalidade: a impunidade. É ela a grande vilã do presente e do futuro do Brasil como nação. É ela que permite à bandidagem comandar quadrilhas de dentro das cadeias, autoriza um Pimenta Neves a matar a namorada pelas costas, ser julgado, condenado, e ter a mesma liberdade que eu tenho de andar nas ruas, dirigir o meu carro e tirar um filme na locadora. É a impunidade que garante aos mensaleiros andar de cabeça erguida, como se honrados fossem, fazendo discursos no Congresso e gastando nos duty frees nas horas vagas. É também ela que joga na rua um menor delinqüente chamado Champinha, que violentou uma jovem durante três dias para depois assassiná-la com mais de 20 facadas.

E o que é a impunidade senão o reflexo cristalino do que somos como sociedade e dos valores que professamos?

A impunidade é o espelho do nosso caráter. Estamos ladeira abaixo, temos de admitir. Será difícil reverter este quadro. Uma sociedade tolerante com a safadeza, gerará mais e mais safados e empulhadores. Se for tolerante com o crime, como a nossa tem sido, acabará gerando a indústria da barbárie ao estilo iraquiano nas cidades brasileiras. É um ciclo vicioso. Políticos não mexem nas leis porque amanhã podem se voltar contra eles. Amanhã, quando outros Joãos forem assassinados como cordeiros no matadouro, talvez vejamos passeatas de branco, gente segurando velas e pedindo “paz”. Como se isso comovesse os bandidos das ruas e os de Brasília. Eles só mudarão o curso no dia em que forem cercados e cobrados pela população em todos os lugares, do aeroporto ao supermercado, e de forma implacável.

Ainda no avião, quase chegando, li em um jornal a entrevista de um magistrado, orgulhosíssimo de ser um dos expoentes da “justiça alternativa”, aquela que não quer penas minimamente razoáveis porque, afinal de contas, todo o crime vem do sistema capitalista. Que coisa deprimente. O mesmo sistema capitalista que garante a ele a liberdade de adaptar livremente a Constituição, recebendo um belíssimo salário e vantagens de fazer inveja aos magistrados capitalistas norte-americanos. Mas o povo que lhe paga o salário não tem direito de ter encarcerados, longe de si, estes psicopatas assassinos. Uma gente que pode eleger presidente a partir dos 16 anos, mas não pode responder por trucidar uma criancinha indefesa. Uns monstros que com um sexto da pena voltam livres, leves e soltos para destruir mais e mais famílias por aí. Coisas de um país que está na mão de pessoas safadas, de péssimo caráter, no governo, no Congresso, no Judiciário, no jornalismo.

Eles não têm coração. Não têm. Não têm”, disse a mãe dilacerada na televisão, arrasada para o resto da vida, horas depois de eu ter colocado os pés de volta nesta maravilhosa e sórdida terra. A mãe tentou tirar o cinto de segurança do menino, mas a maldade do bando falou mais alto. “Vai logo sua vagabunda”, gritou um deles, para depois acelerar o carro dando início à cena de terror. Qualquer um que trabalha seriamente a questão da criminologia sabe que quem comete tamanha estupidez não tem a menor condição de voltar ao convívio social. Não sente culpa, não sente remorso, não está nem aí para a vida de quem quer que seja. Tira uma vida como esmaga uma barata. É, portanto, um pária que precisa ficar confinado para não machucar mais ninguém. Nós, o povo brasileiro, sabemos disso. E queremos leis mais duras e eficazes. E queremos juízes conectados com o desejo popular. E queremos políticos menos corruptos e vagabundos. E queremos um presidente menos mentiroso. Mas o que fazemos para mudar isso?

Nem Lula e tampouco Ellen Gracie são favoráveis a mudar a lei e reduzir a maioridade penal para 16 anos. “Não adianta”, vivem repetindo do alto de seus castelos. Também não querem que assassinos cruéis fiquem mais tempo longe de fazer as maldades que inevitavelmente farão. Partilham da opinião um punhado de juristas, professores universitários e jornalistas. Eles não comem criancinhas, apenas permitem que elas sejam esquartejadas por aí.

Eu fico pensando… meu menino aqui… Cadê ele? Cadê ele?”, perguntava-se a mãe de João Hélio Fernandes.

Perdoe-nos dona Rosa Cristina, por sermos um país com gente tão canalha e incompetente no comando. Perdoe-nos por tudo. Porque vagabundos somos nós que continuamos tolerando esse estado de coisas.

* Jornalista

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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