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Vingança privada é mais irracional do que síndrome de Estocolmo?

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violencia_sindromeSe houve algo que chamou a atenção estes últimos dias, em meio a toda quizumba, fuzuê e balbúrdia causados pelo caso do bandido preso ao poste e da morte do cinegrafista da Band (Deus o tenha), foram as reações publicadas sucessivamente por Cora Rónai, anteontem, e Guilherme Fiúza, ontem, no jornal O globo.

São duas visões diferentes sobre o mesmo assunto. Uma delas, a de uma colunista que escreve sobre tecnologia e sobre comportamento animal (notadamente o felino). A outra a de um colunista relativamente jovem e, nada obstante, já acostumado a tratar de assuntos políticos em suas colunas.

A primeira, em sua coluna, apresenta claramente a posição daquela ala progressista, típica da Zona Sul do Rio de Janeiro (cujo comportamento normal é achar, em função das novelas do sr. Manoel Carlos – que nem carioca é! – ser a cidade inteira), bem como dos jornalistas que a pautam: colocam lenha na fogueira, promovendo sua agenda, mas se surpreendem com atos de violência por parte da esquerda e se ofendem quando os representantes desta os chamam de “reacionário, elite branca, etc.” Não é a primeira vez que observo tal comportamento em tais pessoas: bajulam a esquerda até se esgotarem os recursos e se magoam por não poderem levar mais além o seu panegírico, no momento mesmo em que são chamados – Oh, ofensa suprema! – de reacionários, de elite branca – o que realmente o são, neste caso. Ela toma até mesmo o cuidado de, em se defendendo, não ofender em demasiado a esquerda, preferindo comparar assim a impressão que obtivera após um episódio de violência que relatava : Nunca vi nada mais parecido com uma cena de filme sobre a ascensão do nazismo, com a diferença de que aquilo era real e estava acontecendo logo ali. Reparem o cuidado em não empregar a palavra comunismo. É sempre assim, o sonho dourado não acabou! E são muitos outros os jornalistas de destaque que assim procedem. Um deles é Ricardo Boechat, que prefere sempre empregar o adjetivo fascista para se referir a qualquer aspecto negativo ou violento – claro, desde que ultrapasse as medidas, pois aos olhos deste âncora a violência revolucionária está plenamente justificada, desde que dentro das balizas que seu senso de justiça lhes permite colocar – das manifestações.

Essa posição tem os seus principais traços comportamentais descritos de maneira bastante fidedigna pelo segundo colunista aqui mencionado. Escreve ele, logo num primeiro parágrafo devastador: O Brasil bonzinho assassinou o cinegrafista Santiago Andrade. Não foi outro o criminoso. Quem matou Santiago foi esse Brasil envernizado de bondade e infernizado de hipocrisia. Nenhum débil mental mascarado poderia ter matado Santiago sem a cumplicidade desse monstro.

Mais abaixo, exprime em uma comparação o fenômeno que subjaz ao discurso da jornalista. É que, na sociedade atual, os bem-pensantes e os demagogos, escreve ele, são praticamente indiscerníveis; e quantos deles, com efeito, ouso acrescentar, não seriam encontrados de permeio à classe jornalística – essa cuja maior parte dos componentes insiste em falar sobre qualquer coisa com ares de especialista, no mais das vezes em meio a rotundas ignorâncias indisfarçáveis aos olhos mais sadios.

Essa colunista, certamente há de pertencer à parte mais bondosa e solidária desse Brasil, aquela mesma que  criou um movimento pela libertação dos detidos nas arruaças, black blocs e idiotas associados.

Deputados bonzinhos, intelectuais do bem e artistas antenados gritaram — alto — pela liberdade dos presos em manifestações. Não há artefato mais letal do que a bondade prenhe de ignorância e flacidez moral, escreve ele. essa a lógica que Rousseau tentou empregar como fundamento da sociedade em seu magnum opus, O contrato social, quando pretendeu erigir o edifício da sociedade sobre os sentimentos e apenas dois deles: a piedade e o amor de si. O egoismo de querer se sentir bem e o egoismo de se sentir bem não vendo outro se sentir mal.

Esse Brasil progressista que matou Santiago se permitiu hesitar diante da afronta ao estado de direito. Confundiu atentado com protesto, e resolveu (embora jamais vá confessar isso) relativizar a violência. Assassino. 

Cora Rónai, segundo consta de sua coluna, jamais havia compactuado com tal violência. Pelo contrário, ela havia sempre se disposto a argumentar com aqueles que a apoiavam, mas o fazia tão-somente, confessa, porque era gente que até então […] tinha em alta conta, afinal, conforme ela mesmo havia confidenciado nos primeiros parágrafos de seu artigo, jamais contou entre seus amigos qualquer alma que apoiasse o Bolsonaro, o Marcos Feliciano ou a Rachel Sheherazade, já que seus amigos e conhecidos tendem a ser pessoas cordiais e afáveis, que fazem o bem, respeitam a lei e o próximo.

Poder-se-ia argumentar que isso é sinal de que ela não pertence ao grupo dos bem-pensantes. Mas isso não é senão um sintoma do contrário, de que individualmente se trata da exceção que confirma a regra, dentro do próprio grupo. O fato de que ela se surpreenda pelo comportamento daqueles a quem admirava por não ‘curtirem’ o Bolsonaro e a Rachel Sheherazade já é mesmo parte do problema. É essa ilusão da esquerda, a mesma que tem lugar quando se faz como Rousseau, tomando o sensualismo por guia de vida, e apelando contra todo o sofrimento alheio – não por querer o bem do outro, mas por não querer tomar parte na sua miséria – e que, ao fim e ao cabo, acaba por se revelar aliado da violência sem qualquer razão, por uma irremediável aversão aos excessos da violência legitimamente empregada por quem de direito. É a gente que não querendo que a força tenha direito algum, retiram toda a força do direito, para que mais tarde ela ecloda em forma de violência em algum tipo de manifestação cega catalisada por não se sabe qual acontecimento, e sob a batuta de sabe-se lá quem.

Por isso, vêem com maus olhos o menor apoio a algum tipo de vingança privada, ou simples revolta do cidadão que preservou seu senso comum, em vez de sucumbir à enxurrada de argumentações falaciosas apresentadas vez e outra por esses novos sofistas. O mau, então, não é tomado como categoria moral, mas apenas estética. De que importa querer ver um assaltante punido, se não se possui todo um arcabouço teórico-argumentativo (que de preferência desabroche em uma explicação repleta de figuras geométricas e gráficos de última geração) para sustentar tal opinião? De que adianta se, junto com isso, não se resolverá todo o problema da criminalidade e da impunidade dos criminosos de colarinho branco (desde que não sejam do PT e não tenham lutado pela ‘democracia’ ou, antes, por ‘mais democracia’)? Mais louvável é apoiar toda uma argumentação falsa e sofisticada, que só sirva para esconder a própria pusilanimidade e apego ao comodismo.

É muito óbvio que a jornalista Rachel Sheherazade tenha errado ao comentar o episódio do homem preso ao poste, por postular um ato de crueldade como ‘legítima defesa coletiva’ (algo cuja existência, diga-se de passagem, é bem difícil vislumbrar) e que Bolsonaro sempre exprima suas opiniões – nem sempre muito equilibradas – de maneira pouco polida e às vezes francamente rude.

Mas o que assusta essa gente é que são opiniões que exprimem, em sua maioria o senso comum do povo, aquilo que as pessoas têm de mais propriamente humano, incluídos aí os excessos.

Para gente como essa, ser racional e ser racionalista são a mesma coisa. Qualquer violência é abominável, mas, se estiver prenhe apenas de senso comum, e não apoiada em todo um aparato de sofisticados argumentos ideológicos, é imperdoável. Que o diga o juiz Luiz Flavio Gomes,  que sugere que a loirinha do SBT leia mais as obras dos iluministas – sim, aqueles mesmos responsáveis pela carnificina da última década do século XVIII, na França.

 A entrevista da jornalista Raquel Sheherazade ao Pânico traduz muito bem a postura oposta – e extremamente humana – àquela dos progressistas. O diálogo transcorre da seguinte maneira:

“Repórter: – Eu percebo, às vezes, que você fala, um pouco, do seu coração, ali?

Sheherazade: – Eu sempre falo do meu coração.

R.: Mas cê acha que, na função de jornalista cê tem que, usar da sua emoção ou tem que ser só racional?

Sh.: Não tem como separar o homem-emoção do homem-razão. A gente não tem um botão de liga e desliga…”

É essa ruptura com o passado da ação, contra toda reação, contra toda espontaneidade propriamente humana – e, não há dúvida disso, falha pelos seus excessos, mas não pelo seu fundamento – que está por detrás de todo esse discurso. Não nos enganemos: o progressismo é filho do utilitarismo e de toda a forma de conseqüencialismos, para os quais na ação moral e histórica a o passado e o presente não devem ser tomados em conta, e para quem tudo de mais nefasto e daninho está justificado perante o ‘tribunal da história’ pelos objetivos futuros almejados. Afinal é difícil distinguir o que é mais irracional: a reação às sensações imediatas ou a obediência cega a chavões e a idéias? Afinal, o que será que esse coitadismo institucionalizado, essa síndrome de Estocolmo coletiva poderia ter de mais racional que uma vingança privada?

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Marcos Paulo Fernandes de araújo

Marcos Paulo Fernandes de araújo

Advogado. Mestrando em Teoria e Filosofia do Direito na UERJ.

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