fbpx

Possível cenário acerca do futuro da Rússia pós-Ucrânia

Print Friendly, PDF & Email

Neste texto, gostaria de discutir um possível cenário acerca do futuro da Rússia pós-Ucrânia, mas antes preciso ir até a Conferência de Munique em 1938. De uma maneira bem resumida, assim como Putin inventou uma crise em Donbass (leste da Ucrânia), Hitler também criou artificialmente uma crise na Tchecoslováquia para justificar suas pretensões expansionistas. Alguns oficiais alemães, liderados pelo general Hans Oster, viram que os nacional-socialistas estavam levando o país para um desastre e armaram um golpe de Estado.

Mas por que eles não seguiram em frente naquele ano? Porque os planos de Hitler deram certo. Devido ao fato de o Ocidente ter dado concessões à Alemanha, o NSDAP ficou cheio de legitimidade. Em outras palavras, Oster* e sua turma acharam que Hitler estava louco, mas, uma vez que sua estratégia deu certo, ele não é mais louco e sim um gênio – loucos na verdade são todos aqueles que duvidaram de sua genialidade. Se Inglaterra e França não tivessem cedido, o caminho dos golpistas seguramente ficaria mais fácil: “Temos que dar um golpe para evitar uma guerra”. Porém, sem uma ameaça real de guerra, a narrativa dos conspiradores perde força.

É muito natural que ditadores tomem decisões arriscadas, muitas vezes consideradas malucas por observadores externos. Júlio César cruzou o Rubicão. Saddam Hussein começou uma guerra contra o Irã, Kuwait e bombardeou os curdos com armas químicas. Idi Amin tentou invadir a Tanzânia. Muammar al-Gaddafi patrocinou grupos terroristas ao redor do globo. A família Kim com frequência lança mísseis no Mar do Japão. Por quê? Ora, para se tornar um ditador (e principalmente se manter no poder), é preciso fazer jogadas arriscadas, mesmo que isso coloque o país todo em risco.

No dia 24/02 deste ano, Putin colocou não só o seu regime em cheque, mas toda a Rússia em risco. Aqui nós temos um problema grave para o regime do Kremlin: ele não pode simplesmente fazer as pazes com a Ucrânia. Por quê? Basta voltar ao discurso dele algumas horas antes de ordenar a invasão, quando ele dá suas justificativas. Recapitulando:

1 – A Ucrânia sempre pertenceu à Rússia, logo o regime de Kiev não tem legitimidade;
2 – Os ucranianos foram sequestrados pelo Ocidente;
3 – O país é controlado por neonazistas que querem exterminar aqueles que têm o russo como primeira língua;
4 – Como consequência dos pontos anteriores, Putin se diz obrigado a invadir a Ucrânia para: (1) libertar os ucranianos e (2) proteger a Rússia da Otan.

Se a paz for feita, significa que (1) o regime de Kiev é legítimo, (2) os ucranianos continuam sob dominação ocidental e (3) você acabou de fazer um acordo com os nazistas que prometeu destruir (este último talvez o pior de todos). O povo russo pode ser muita coisa, mas ele não é um completo idiota. Não há como apresentar algo diferente de uma completa deposição de Zelensky como uma vitória.

Neste exato instante, não creio que isso seja possível. Como disse aqui outras vezes, acredito que a Rússia já perdeu a guerra e, na melhor das hipóteses, irá levar algum prêmio de consolação para casa. Mas vamos supor que isso ocorra. E se as tropas russas conseguirem entrar em Kiev e instalar um regime fantoche?

“Veni vidi vici”, dirá Putin. Sua aposta deu certo e todos aqueles que duvidaram estavam errados. Não tenham dúvidas de que hoje há pessoas na Rússia que acham que a invasão à Ucrânia foi uma péssima decisão – inclusive aqueles que ocupam o círculo mais próximo do poder. Porém, com uma vitória absoluta, estes terão vergonha de terem duvidado. Já aqueles que têm fé em Putin terão sua fé redobrada. Em outras palavras, teremos um cenário da Coréia do Norte: um país empobrecido (mesmo com a vitória, as sanções não irão embora), extremamente militarizado e com um líder incontestável.

Ressalto aqui que ter um povo pobre é bom para um ditador, especialmente Putin. É sabido que a taxa de natalidade russa é muito baixa. Pense no seu amigo que emigrou do Brasil. Dificilmente alguém vai se lembrar de alguém paupérrimo, mas sim uma pessoa de classe média para cima. Pobres têm muita dificuldade de emigrar e, na Rússia, é uma tremenda vantagem competitiva para o ditador impedir que seu povo emigre. Pobres também protestam menos. De novo, vamos voltar ao exemplo do Brasil: quem esteve nas ruas durante as Diretas-já, o Fora Collor e pelo impeachment da Dilma? Na sua grande maioria, classe média para cima. Assim, podemos concluir que, mesmo com o empobrecimento da Rússia, a situação será muito boa para Putin.

E se a Rússia perder a guerra? Qual será o cenário? Seguramente, não o de uma Coréia do Norte, mas sim algo parecido com uma ruptura institucional enorme, como os EUA em 1776, o Brasil em 1822 ou a própria Rússia em 1917. Pretendo trabalhar tal cenário em um próximo texto.

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

*Oster tentou matar Hitler algumas vezes durante a guerra, obviamente sem sucesso. Foi enforcado em um campo de concentração duas semanas antes dos americanos libertarem o local.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal é uma instituição sem fins lucrativos voltada para a pesquisa, produção e divulgação de idéias, teorias e conceitos que revelam as vantagens de uma sociedade organizada com base em uma ordem liberal.

Pular para o conteúdo