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O maniqueísmo a serviço da censura

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Tanto o Twitter Files — Brazil quanto a querela que temos acompanhando entre Elon Musk e Alexandre de Moraes possibilitaram uma exposição a nível potencialmente global de abusos cometidos pelo Judiciário brasileiro, capitaneado pelo STF e TSE, com destaque maior — mas não exclusivo — para a censura. Também ficou exposto de forma muito clara, porque essa tem sido a resposta preferencial, tanto de Moraes e sua turma, quanto do governo Lula, quanto da banda podre da imprensa, a aposta no maniqueísmo pelos supracitados para atacar seus críticos.

Atitudes abusivas de ministros do STF não tiveram início com o governo Bolsonaro, tampouco tiveram somente o bolsonarismo como objeto — vide a censura à Revista Crusoé e ao site Antagonista em 2019, após uma matéria que atingia Dias Toffoli —, mas é uma conclusão lógica que tiveram no bolsonarismo o nêmesis que supostamente justificaria a hipertrofia de seus poderes. Isso ficou ainda mais claro com a aproximação das eleições de 2022, quando a corte eleitoral chegou a censurar informações absolutamente verdadeiras, mas desagradáveis à campanha petista, como uma matéria da Gazeta do Povo que falava da amizade entre Lula e Daniel Ortega e uma participação do ex-ministro do STF, Marco Aurélio, em propaganda eleitoral de Bolsonaro dizendo o óbvio ululante de que Lula não havia sido inocentado pelo STF, tendo os processos somente retornado à estaca zero.

Se alguém ainda nutria dúvidas de que o ânimo dos ministros da suprema corte e da suprema corte eleitoral era antibolsonarista — e não, não estou dizendo que as urnas foram por eles fraudadas ou coisa que o valha —, a celebração da derrota de Bolsonaro por Barroso, como uma verdadeira cheerleader em evento da UNE, seguida de uma nota coletiva do STF defendendo a atitude do ministro — agora presidente da corte —, não deixou margem para dúvidas de que se confessava ali a predileção pelo candidato vitorioso. Predileções pessoais, é claro, todos temos, inclusive os ministros, mas externar isso, inclusive por meio de uma nota institucional, é sintoma de parcialidade e ponto.

Mas se, motivados pelo ânimo antibolsonarista, muitos atores, políticos ou não, bem como setores massivos da imprensa, apoiaram (e muitos ainda apoiam) as medidas reconhecidamente de exceção de Moraes e seus pares — que tomaram como hábito referendar os caprichos do ministro que tudo pode —, primeiro para derrotar o bolsonarismo como movimento político e depois para frustrar o que insistem em chamar de golpe ou tentativa de golpe de Estado em 08 de janeiro de 2023, outros tanto já começaram a abandonar o barco.

Fato é que, mesmo Bolsonaro tendo perdido as eleições, mesmo o suposto golpe tendo sido frustrado, os inquéritos sem fim seguem abertos, perfis derrubados em processos sigilosos seguem derrubados, pessoas banidas do constitucional direito de participarem do debate público (mesmo que por ventura com ideias abjetas) seguem banidas, cidadãos comuns sem prerrogativa de foro seguem sendo julgados e condenados pelo STF com sentenças desproporcionais etc. Quando alguém ousa apontar o óbvio que é o absurdo destas e muitas outras medidas, o fantasma do bolsonarismo, ou do extremismo, ou da desinformação, ou o nome que queiram dar, volta a ser invocado. “Precisamos desta medida como uma resposta aos riscos à democracia”. É o salvamento eterno da democracia, ao qual já me referi em outros artigos. Este, aliás, é um risco que apontamos desde o início, quando muitos defendiam a pertinência de medidas de exceção contra um mal temporário: “uma vez inflados seus poderes e prerrogativas, ainda que à revelia da lei, eles não aceitarão retroceder mais tarde” – e o prognóstico, infelizmente, provou-se certo. A democracia continuará precisando ser “salva”, eternamente.

Mas eles fazem muito mais do que justificar os abusos com tais ardis. O maniqueísmo que serve à sua autodefesa também serve para atacar. “Aqueles que nos criticam são extremistas”. Substitua extremistas por qualquer outra qualificação preferencial (bolsonaristas, radicais, golpistas etc.) e o resultado será o mesmo. É exatamente essa estratégia que eles têm adotado para enfrentar Musk, os jornalistas por de trás do Twitter Files — Brazil, mas principalmente todos aqueles que, personalidades públicas ou não, cidadãos ilustres ou humildes, ousam tecer críticas ao modus operandi de Moraes e sua turma.

Tudo faria parte de uma conspiração em conluio com políticos bolsonaristas para atacar a democracia brasileira. Não à toa, dentre as primeiras respostas do mundo político e atores do poder público, tivemos Moraes incluindo Musk no inquérito do fim do mundo, a AGU defendendo o PL da Censura, o relator do embuste bradando pelo mesmo, o presidente do Senado tentando constranger a Câmara a votar o monstrengo (já aprovado na câmara alta), a Defensoria Pública da União pedindo que o Twitter seja condenado a pagar R$1 bilhão por danos à democracia brasileira e por aí vai.

Para engrossar a tese fajuta da conspiração, Moraes chegou ao ridículo de bradar contra o “colonialismo” que seria representado por Musk. Já do lado da imprensa, apesar de críticas pontuais, vemos, especialmente nos veículos chapa branca (porque é evidente que Executivo e Judiciário são sócios no projeto da censura), a reverberação dessa tese de que só bolsonaristas estariam criticando Moraes e cia. Só radicais teriam apoiado a iniciativa do Twitter Files — Brazil. É a mesma imprensa que reduz a oposição ao governo Lula ao bolsonarismo, como se não houvesse, entre críticos do petismo, também críticos ferrenhos do bolsonarismo.

Fui durante os quatro anos de governo Bolsonaro um crítico ácido e constante do bolsonarismo; sigo sendo. O fato de que eventualmente possa estar no mesmo front de críticas à censura em que estão os bolsonaristas, naturais críticos de Moraes, não significa que esteja com eles em qualquer outra coisa. A liberdade de expressão é um princípio e, em uma disputa por princípios, outras diferenças podem, ao menos temporariamente, ficar em segundo plano. Que dentre esses há os hipócritas, os que defendiam AI-5 e quejandos e agora posam de defensores da liberdade de expressão, não tendo dúvidas. Ocorre que a hipocrisia de alguns não torna a crítica inválida, bem como não converte todos aqueles cidadãos que, independentemente de suas inclinações ideológicas, saem em defesa da liberdade de expressão em hipócritas.

Essa não só é uma ilação injusta como é vil. Os acólitos de Moraes, especialmente os da imprensa, sabem muito bem que não são apenas bolsonaristas que o criticam, assim como sabem que os elementos hipócritas são a minoria; mas pedir para mentes venais admitirem isso é muito, quando os princípios e o comprometimento com a democracia liberal são elementos escassos entre eles.

Não só não é preciso ser bolsonarista para criticar o nefando modus operandi dos eternos salvadores da democracia como tampouco é preciso ser de direita. Integrando a fileira de críticos fervorosos da censura judicial no Brasil está Glenn Greenwald, fundador do The Intercept e esquerdista insuspeito. Michael Shellenberger, um dos jornalistas responsáveis pelo Twitter Files — Brazil também tem uma atuação e histórico que não lhe permitem ser de forma alguma pintado como um extremista de direita.

O maniqueísmo está indubitavelmente a serviço da censura. É usado não só para deslegitimar as críticas, como também para constranger aqueles que pensem em as formular: “Se eu falar que discordo dessas decisões, vão me chamar de bolsonarista”.  Na mesma toada, pode ser visto como uma ameaça. Se há a) uma criminalização de um discurso, com o argumento de que seria desinformação ou discurso de ódio, b) uma identificação de todos aqueles que critiquem essa criminalização (ainda que não subscrevam o discurso criminalizado) com o discurso, temos que c) os críticos estão sob ameaça de eles mesmo terem suas críticas criminalizadas. Quando Moraes e seus pares tratam por extremistas aqueles que os criticam, o fazem, sobretudo, como uma ameaça.

Nesse ponto, as pessoas devem se questionar se, para além dos malefícios da censura, o maniqueísmo é saudável para a sociedade brasileira.

Muito se tem falado na última década e em especial durante as duas últimas eleições presidenciais passadas sobre o mal da polarização. Eu até concordo que, quando a polarização adentra os lares, destrói relações privadas e arruína, por vezes perpetuamente, as comunhões familiares, isso é mesmo um mal, antes social do que político. Contudo, também percebo que muitos dos que pregam contra o “mal” da polarização, muito distantes da neutralidade que fingem ter, desejam mesmo é angariar adeptos para o próprio lado que, secretamente ou não, esposam. Polarizações são normais em política, especialmente em momentos em que por natureza ficam afloradas as sensibilidades, como ocorre nas eleições. A coisa muda completamente de figura quando não estamos mais a falar de polarização, mas de maniqueísmo. Cumpre aqui fazer uma distinção que julgo cabível.

A polarização tem por sua essência ser temporária; ela surge e morre aos sabores dos ânimos políticos. Já o maniqueísmo transcende o momento político e se apresenta como um antagonismo atemporal. A polarização tem a ver com o que você defende em um determinado momento, distinguindo-se como um conflito de posicionamentos/opiniões. Já o maniqueísmo não só tem a ver com suas posições, mas com quem você é. Se a polarização comporta rivalidades baseadas em “creio que você está errado”, o maniqueísmo dirá “você é errado”. Com a opção pelo maniqueísmo, abandonamos a crença de que um grupo (que antagoniza com o nosso) defende ideias más, com o potencial de causar o mal (reconhecendo, ainda, que pessoas boas podem se equivocar e defender causas que se provarão como um mal eventualmente), e passamos a acreditar que as pessoas desse grupo são essencialmente más. Dividimos o mundo entre o bem e o mal, identificando aqueles que outrora nos antagonizaram em um cenário de polarização, como a personificação do mal. Se antes eles deveriam ser derrotados nas urnas e no debate de ideias (ainda que aguerrido), agora não são suas ideias, mas eles como indivíduos que devem ser derrotados.

Temos então que aquela polarização, vista como maléfica, funesta, denunciada por tantos que, em maior ou menor escala, já apoiavam os primeiros arroubos dos “salvadores da democracia”, converteu-se em maniqueísmo nas mãos destes mesmos salvadores por eles apoiados. A polarização, temporal e domesticada pelos ânimos políticos, é convertida em maniqueísmo, atemporal e sem freios, mesmo já derrotado politicamente o suposto mal de outrora – e então é o próprio cidadão, na verdade, camadas e camadas de cidadãos, que objetivamente passam a ocupar o espectro negativo da lógica maniqueísta, ou que podem potencialmente vir a ocupar, por algo tão singelo quanto questionar o estado de coisas atual.

Então alguém celebra “viva, derrotamos a polarização”. Derrotaram, de fato, mas para inaugurar um maniqueísmo no qual se permite pensar que uma parcela significativa da população brasileira, talvez mesmo a maior parte, é a personificação do mal. Alguém sensato realmente pensa que esse é um estado de coisas desejável? Não seria essa constatação, dada em cada fala de Moraes e dos asseclas que lhe dão sustentação, cada vez que desafiados pela mera crítica, a prova de que, para além dos princípios violados, eles estão deixando a sociedade enferma com o remédio que supostamente deveria curá-la?

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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