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Por que não devemos confiar em previsões econômicas

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Desde que, incentivado por meu saudoso professor Og Francisco Leme, conheci e passei a me interessar e a estudar as obras dos economistas da Escola Austríaca, aprendi que não devemos confiar cegamente em previsões calcadas em modelos econométricos. Antes, por influência da forte tradição neoclássica da minha formação, nem me passava pela cabeça que tais prognósticos, que eu fazia com grande prazer profissional – pois achava que estava sendo “científico” – simplesmente não se coadunam com a economia do mundo real, em que os indivíduos não se comportam como objetos, tal como esferas que fazemos deslizar em planos inclinados, ou frutas que lançamos repetidamente do alto de torres, para então quantificar as reações.

As atividades econômicas não são fenômenos físicos, mas um conjunto bastante complexo de decisões individuais, de ações humanas tomadas ao longo do tempo, entendido dinamicamente como um fluxo contínuo de novas experiências, que acontecem sempre em um ambiente onde prevalece a ausência de conhecimento pleno, isto é, em que sempre existe alguma incerteza genuína, que não pode ser medida, por ser subjetiva. Assim sendo, graças a Menger, Mises, Hayek e outros gigantes, adquiri a compreensão de que o foco deve ser em previsões qualitativas, embora, por dever de ofício, os economistas devam acompanhar as quantitativas (até porque são estas que o mercado costuma demandar).

Portanto, quando alguém lhe pergunta, por exemplo, se a inflação vai cair, tudo o que um economista cuidadoso pode afirmar com segurança é que, dado o comportamento atual das variáveis relevantes, a resposta, sem dúvida, é positiva; mas, quando querem saber qual será exatamente a taxa de crescimento do IPCA (ou de qualquer outro índice de preços) até dezembro, ele não deve ter receio de responder que, cientificamente, não sabe e ainda acrescentar que ninguém pode saber.

Cientificamente? Sim, porque a economia é uma ciência social: é ciência por se sujeitar a leis gerais, como a da ação humana, e é social porque não se pode exigir que os agentes econômicos comportem-se de modo mecânico e sistematicamente previsível e que, além de tudo isso, que não respondam subjetivamente a eventos amplos, com destaque para os políticos e jurídicos.

Que tal um exemplo simples? Se o Comitê de Política Monetária do Banco Central anuncia que a taxa de juros básica permanecerá durante todo o ano em um determinado percentual, é natural que os agentes econômicos privados façam planos e tomem decisões baseados nesse anúncio, porque simplesmente confiam nas autoridades monetárias. Mas nada impede que, antes do fim do ano, algum acontecimento imprevisível, seja político, jurídico ou mesmo econômico, como um choque de oferta vindo do exterior, as impeça de cumprir o prometido. Nesse caso, á fácil perceber que os planos traçados e as decisões tomadas anteriormente podem deixar de fazer sentido.

A literatura austríaca está repleta de críticas à efetividade das previsões, mas não é apenas a Escola Austríaca que as rejeita. Dentro da mainstream economics também existe descrença no poder da bola de cristal dos economistas.

A mais conhecida, sem dúvida, é a Crítica de Lucas, formulada em 1976 por Robert Emerson Lucas, laureado com o Nobel em 1995, que criticou as previsões dos modelos macroeconômicos, por serem incompatíveis com a realidade, uma vez que as expectativas dos agentes se alteram quando acontecem alterações na política econômica. Argumentou, também, que é ingenuidade tentar prever os efeitos de uma mudança na política econômica com base em relações historicamente observadas.

Na verdade, essa crítica, em alguns aspectos, é compatível com a abordagem da Escola Austríaca. Na linguagem de Lucas, os parâmetros dos modelos de previsão não são estruturais, ou seja, não são invariantes relativamente à política, porque necessariamente mudam sempre que as regras do jogo são alteradas. As recomendações de política econômica, feitas a partir desses modelos, para Lucas e os adeptos da Escola de Expectativas Racionais, são, então, enganosas, porque se escoram em uma teoria estática, quando, na realidade, o mundo econômico é dinâmico.  O próprio Lucas resumiu a sua crítica:

“Dado que a estrutura de um modelo econométrico consiste em regras de decisão ótimas dos agentes econômicos, e que as regras de decisão ótimas variam sistematicamente com as mudanças na estrutura das séries relevantes para o formulador (da política econômica), conclui-se que qualquer mudança na política sistematicamente irá alterar a estrutura dos modelos econométricos”.

Portanto, o recado de Lucas para os economistas é um conselho de como não fazer análise econômica, uma vez que, para prever o efeito da adoção de qualquer política econômica, seria preciso “modelar” preferências, mudanças na tecnologia, choques, incentivos e  restrições que norteiam as decisões dos indivíduos, ou seja, o que os economistas denominam de fundamentos microeconômicos. E aqui termina a similaridade com a Escola Austríaca, por Lucas sugere que, se estes modelos de microfundamentos forem capazes de representar regularidades empíricas acontecidas, torna-se possível prever como os agentes econômicos individuais vão reagir.

A Escola Austríaca rejeita veementemente essa possibilidade e a essa altura é impossível negar que, desde as suas origens com os protoaustríacos, seus autores sempre tiveram a preocupação de abordar analiticamente a economia tendo em vista o mundo real.

A verdade é que o desenvolvimento da ciência econômica, por mais que se adie essa constatação, terá que mudar para a grande tradição realista que os economistas austríacos ajudaram a desenvolver e a aperfeiçoar ao longo de séculos. Concordo em parte com Jörg Guido Hülsmann, quando afirma que “os economistas do futuro terão que se tornar misesianos assim como os astrofísicos dos dias de hoje tiveram que se tornar einsteinianos”. Porém, sem qualquer desmerecimento a Mises, devemos considerar que a Escola Austríaca é muito mais ampla do que qualquer nome individual, seja Menger, Böhm-Bawerk, Mises, Hayek, Kirzner, Rothbard ou qualquer outro. Por isso, prefiro afirmar que os economistas do futuro, além de conhecerem a tradição da mainstream, terão que se tornar austríacos, no sentido de levar em consideração a metodologia, a praxiologia da ação humana, o individualismo, o problema do conhecimento, o processo de mercado, o tempo dinâmico, o subjetivismo e a integração da economia com as demais ciências sociais.

Pode-se alegar que a teoria econômica convencional mais moderna, corretamente, deixou de lado a caixinha do coeteris paribus, expressão bastante conhecida entre os economistas, que significa “todo o resto constante”, recurso utilizado em modelos de equilíbrio parcial para ancorar modelos e teorias que consideram como inalterados outros fatores que possam influenciar decisões. E que os modelos de equilíbrio geral que passaram a ser usados nas últimas décadas, supririam essa deficiência.

No entanto, a crítica austríaca às previsões é bem mais profunda, começando pela substituição dos modelos de equilíbrio pelos de processo e passando pela subjetividade, a insuficiência e a dispersão do conhecimento, a influência inevitável do tempo, entendido como fluxos permanentes de novas experiências e descobertas, a incerteza genuína e o grande número de acontecimentos aparentemente foram do âmbito da economia, mas que a influenciam, como os políticos, os jurídicos, os geopolíticos, os culturais e muitos outros.

Se não podemos prever o que vamos comer amanhã, como podemos saber se o IPCA de 12 meses em dezembro vai dar 4,5%, 5%, 4,735%, 11,32%, 0,754% ou qualquer outro percentual. O máximo que podemos dizer é que a tendência, enxergada no início de janeiro, é que em dezembro ele vai experimentar uma boa queda. E só.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.

 

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