Um sussurro pela liberdade de expressão

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Fala proferida no Manifesto Censura Nunca Mais, no MASP, SP, dia 25/10/2022.

Não estou defendendo candidato algum, apenas a liberdade de expressão. Sem ela, não há sequer possibilidade de democracia. Liberdade de expressão não é salvo conduto, com exclusão de responsabilidade. Liberdade de expressão é poder falar sem que o Estado — por qualquer de seus tentáculos — lhe casse a palavra. Depois da palavra falada, o autor mantém a responsabilidade. Se for o caso, inclusive, quem faz uso dela poderá ser punido.

Aliás, ao invés da saída criminal, talvez a melhor solução esteja na indenização cível — tal qual ocorre nos EUA com os defamation suits (litígios de difamação). O julgamento do caso Johnny Depp contra Amber Herd foi amplamente noticiado no Brasil. Pode ter sido um show de horrores, mas a vultosa indenização é mais eficiente para coibir novos casos do que as nossas cestas básicas.

Mas, sobre os recentes episódios brasileiros, o que não consigo aceitar é a censura prévia sendo normalizada. A Brasil Paralelo teve um documentário censurado, apesar de o TSE ter reconhecido a veracidade dos fatos. O argumento, para tanto, seria que o cidadão comum não teria a capacidade de julgar os fatos. Por isso, o “Ministério da Verdade” derrubou o documentário do ar. Isso, para mim, é muito grave – gravíssimo.

Depois, foi a Jovem Pan. Ora bolas, quem não sabe que a Jovem Pan tem viés de direita? Nos EUA, por exemplo, a Fox News é conhecida como o “diário” dos Republicanos e a MSNBC o “diário” dos Democratas. A CNN é um meio termo, tendente aos Democratas. Há algo de errado nisso? Há algo de errado em apresentar opiniões e vieses diferentes?

A grande justificativa para o que tem ocorrido em nosso país seria uma cruzada contra as Fake News e mentiras. Cruzadas, por si sós, já carregam o peso do radicalismo e a soberba da arrogância, típicos de aparente sensação de superioridade. Mas vamos pensar sobre o tema. Mentira para quem? Quem seria o dono da verdade em um oceano de opiniões? O grande jornalista H.L. Mencken, da década de 1920, tinha uma citação lapidar sobre os pretensiosos donos da verdade:

“O homem que se gaba de só dizer a verdade é simplesmente um homem sem nenhum respeito por ela. A verdade não é uma coisa que rola por aí, como dinheiro trocado; é algo para ser acalentado, acumulado e desembolsado apenas quando absolutamente necessário. O menor átomo da verdade representa a amarga labuta e agonia de algum homem; para cada pilha dela, há o túmulo de um bravo dono da verdade sobre algumas cinzas solitárias e uma alma fritando no Inferno.”

José Saramago também tem uma ponderação excelente sobre verdades e mentiras:

“Ao contrário do que afirmam os ingênuos (todos o somos vez por outra), não basta dizer a verdade. De pouco ela servirá ao trato das pessoas se não for crível, e talvez até devesse ser essa a sua primeira qualidade. A verdade é apenas meio caminho, a outra metade chama-se credibilidade. Por isso, há mentiras que passam por verdades, e verdades que são tidas por mentiras.”

Liberdade de expressão não tem nada a ver com mentiras e verdades, as quais serão avaliadas e julgadas pela sociedade. Aliás, atualmente, o Google é uma ferramenta excelente para verificar fatos, o que ajuda nessa avaliação. No passado, não se tinha isso. Hoje em dia, basta abrir um celular e fazer uma pesquisa, que, antes, só se fazia em uma biblioteca.

Há um lugar comum na literatura brasileira que diz: mais importante que o fato é a sua versão. No frigir dos ovos, há um eterno duelo de versões e opiniões. A opinião ou versão vencedora prevalecera após o embate no “mercado de ideias” – conceito cunhado pelo Justice Oliver Wendell Holmes, da Suprema Corte Americana.

Liberdade de expressão tem a ver com isso. É o direito mais básico do ser humano: o direito de se expressar, de emitir a sua opinião, mesmo que ela desagrade aos outros. Essa liberdade fundamental é o regulador maior do poder do Estado e principal motor da evolução social.

Por essas razões, a nossa constituição é clara em defender que: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (artigo 5⁰, inciso IX). Vejam que o texto não trata, em momento algum, de verdades ou mentiras. A letra da lei fala em expressão.

Mais à frente, no artigo 220, há um reforço:

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

  • 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
  • 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

Apesar do texto legal expresso, o nosso TSE veio com a ideia curiosa de “DESORDEM INFORMACIONAL”. Definitivamente, isso não está na Lei, e não devia fundamentar censura alguma. Nesses casos, fico com as palavras do saudoso Ministro Aliomar Baleeiro:

“Por vezes, sustentei que não aplicar o dispositivo indicado, ou aplicar o não indicado, assim como dar o que a lei nega, ou negar o que ela dá, equivale a negar vigência de tal lei. E ainda continuo convencido disso, pois nenhum juiz recusa vigência à lei, salvo casos excepcionalíssimos de direito intertemporal ou de loucura furiosa.”

Nos últimos tempos, vivemos uma triste e pitoresca comédia de erros no Brasil. Fruto, acredito, do Inquérito do Fim do Mundo – como diz o Ministro Marco Aurélio Mello; que, aliás, também teve uma fala picotada pela censura.

Tudo isso poderia ter sido evitado se houvesse um pouco mais de comedimento judicial. Na linha, por exemplo, do que disse o Chief Justice John Roberts da SCOTUS em um voto magistral:

“Os membros desta Corte possuem a autoridade de interpretar a lei; não detemos a expertise nem a prerrogativa de proferir julgamentos sobre políticas. Essas decisões são atribuídas aos líderes eleitos de nossa nação, que podem ser expulsos de seus cargos se o povo discordar deles. Não é nossa função proteger o povo de suas escolhas políticas.”

Por fim, podíamos lembrar das sábias palavras de Mauro Cappelletti – um dos maiores processualistas que o mundo já teve. Como disse o grande jurista italiano: “O juiz que decidisse a controvérsia sem pedido das partes, não oferecesse à parte contrária razoável oportunidade de defesa, ou se pronunciasse sobre o seu próprio litígio, embora vestindo a toga de magistrado e a si mesmo se chamando de juiz, teria na realidade cessado de sê-lo.”

Por mais difícil que seja – em um momento de grande polarização política –, é preciso mais comedimento judicial para evitar cair na armadilha da censura. Informar é o melhor remédio. Calamandrei pregava que os advogados tivessem fé nos magistrados; peço, humildemente, que nossos magistrados tenham um pouco mais fé no cidadão e na própria democracia.

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Leonardo Correa

Leonardo Correa

Advogado e LLM pela University of Pennsylvania, articulista no Instituto Liberal.

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