Pilates, um direito fundamental?
O pilates é um método de condicionamento físico e mental que tem como objetivo promover o desenvolvimento equilibrado do corpo. Entre os seus comprovados benefícios, podem ser mencionados a correção postural, o fortalecimento muscular, o aumento da capacidade cardiorrespiratória e a prevenção de dores e lesões.
Para a prática do pilates, exigem-se instrutores capacitados e um estabelecimento equipado com aparelhos específicos. Em razão do investimento necessário, o preço das aulas não é acessível para uma parcela relevante da população. Por essa razão, seria justo exigir dos pagadores de impostos que suportem os custos das aulas para servidores públicos?
Para o Tribunal de Contas da União (TCU), a resposta é “sim”!
O TCU abriu licitação para “oferecer aos ministros serviços de fisioterapia e pilates em Brasília”, pelo valor de R$ 216 mil, para serem feitas no órgão.
Os beneficiários seriam Ministros do TCU, cujo subsídio supera os R$ 37,3 mil, enquanto a remuneração básica dos demais servidores públicos vinculados ao Tribunal era de R$ 31,4 mil para os auditores, de R$ 17,7 mil para os técnicos e de R$ 10,5 mil para os auxiliares. A despeito desse elevado padrão de remuneração, o TCU compreendeu que deveria conceder o privilégio aos seus agentes de terem, à disposição, aulas de pilates sem precisarem desembolsar um único centavo. Mais um entre os privilégios que assolam o Brasil.
Legal não é sinônimo de moral
Mesmo partindo da premissa estatista, trata-se de uma imoralidade. Afinal, embora não seja ilegal, no sentido de violar expressamente alguma legislação, a referida licitação mostra-se flagrantemente equivocada, na medida em que concede uma regalia a um grupo restrito de pessoas dentro da administração pública às expensas dos pagadores de impostos. Diz-se regalia porque cabe ao TCU tão somente disponibilizar aos ministros, auditores, técnicos e auxiliares locais e equipamentos adequados para o exercício de suas funções. Não as melhores cadeiras e mesas; não os melhores computadores; não as salas mais espaçosas e localizadas nos melhores endereços: apenas aquilo que seja suficiente para um desempenho satisfatório de suas atribuições. Qualquer coisa que vá além disso constitui uma ofensiva mordomia.
A ironia é que a situação criticada expõe uma grande contradição, pois em tese o TCU tem como propósito específico fiscalizar a utilização do dinheiro público. O próprio Tribunal informa ser um órgão com competência para “contribuir com o aperfeiçoamento da Administração Pública em benefício da sociedade” e “tem como meta ser referência na promoção de uma Administração Pública efetiva, ética, ágil e responsável” .
Você só não pagou essa conta porque “pegou mal”
Apenas em virtude da repercussão negativa, e após esclarecer que todos os servidores ativos poderiam utilizar o serviço, o TCU decidiu cancelar a licitação. Supostamente, haja vista que, após quatro meses, o pregão eletrônico para a contratação do serviço permanece na aba de “Licitações em Andamento” da página do TCU.
Em outras palavras, trata-se de um evidente “se colar, colou”. Isso porque, em dezembro de 2021, um pregão eletrônico com exatamente o mesmo objeto foi aberto sem nenhum alarde e as duas empresas participantes foram julgadas inabilitadas na ocasião.
Nesse episódio, o TCU incorreu no imperdoável erro de se comportar como um clube que concede benefícios exclusivos para os seus seletos membros. Aqueles responsáveis pela licitação contaram que a contratação passaria despercebida ou, mais grave, não compreenderam o desvio de finalidade que cometiam.
Ainda que pareça um caso isolado dentro do TCU, a tentativa frustrada de contratação de serviços de pilates é reveladora de uma mentalidade enraizada em alguns servidores públicos de que a condição de agentes do estado lhes garantiria o direito a determinadas benesses pelo simples de fato serem “autoridades”. Esse tipo de postura deve ser exposto e combatido com todo vigor para se inibir tanto quanto possível a utilização do erário como um instrumento para a promoção de interesses particulares e de grupos de interesse dentro da administração pública.
Infelizmente, o pilates é só a ponta do iceberg do estado brasileiro.
Sobre o autor: Hugo Schneider Côgo é advogado e Associado II do Instituto Líderes do Amanhã.