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Javier Milei: libertário, conservador ou polemista?

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No dia 22 de outubro de 2023, os cidadãos argentinos sairão de suas casas para decidir o futuro do país, escolhendo um candidato para ser o próximo presidente. A eleição está basicamente polarizada em três candidatos: no candidato da situação, Sergio Massa (esquerda), escolhido pelo atual presidente Alberto Fernández para ser o seu sucessor; na candidata macrista Patricia Bullrich (centro-direita) e no fenômeno meteórico Javier Milei (libertário).

Com uma inflação anual de 124%, uma taxa de desemprego de 7,1% e com mais de 40% da população na pobreza, há uma insatisfação generalizada da população argentina contra o atual governo. O esquerdista Alberto Fernández, responsável por políticas de congelamento de preço, estatização de empresas, taxação de grandes fortunas e tentativa de censura de redes sociais, é visto pela população como a personificação dos problemas socioeconômicos argentinos, sendo rejeitado por 70% da população e tendo que desistir da reeleição por conta da sua alta desaprovação.

Diante disso, a população argentina, cansada do Kirchnerismo e do atual establishment político, decidiu correr atrás de uma nova alternativa, de um outsider, alguém que veio de fora da política e que tenha um discurso radical e incisivo contra o atual governo e contra a classe política argentina. Encontraram isso em um nome: Javier Milei.

Economista e professor durante mais de 20 anos, o candidato de 52 anos se destaca pela sua postura excêntrica e pelos seus posicionamentos políticos. Autodeclarado anarcocapitalista, Milei se notabilizou no começo dos anos 2010 ao passar a escrever para grandes veículos argentinos como La Nación, Infobae e El Cronista. A partir disso, começou a ser conhecido nacionalmente, ajudando a difundir ideias liberais/libertárias por toda a Argentina. Já no ano de 2017, iniciou seu programa de rádio chamado “Demoliendo mitos”, alcançando milhões de pessoas. Seu destaque meteórico foi tão grande que, no ano de 2019, o colocou na posição 27 do ranking das 100 pessoas mais influentes da Argentina.

Em 2021, disputou a sua primeira eleição, sendo eleito deputado com 242 mil votos. Agora em 2023, candidato pelo Partido Libertário, Javier Milei surpreendeu a todos ao desbancar todas as pesquisas sendo o grande vencedor das primárias argentinas no dia 13 de agosto, com mais de 30% dos votos.

A reação da opinião pública ao resultado foi a esperada: inúmeras matérias rotulando Milei como “extremista”, “candidato de extrema-direita”, “Bolsonaro argentino”, “radical de direita” e outros termos adotados frequentemente pela mídia quando há o objetivo de descredibilizar algum candidato.

Obviamente, Milei está muito longe de ser uma figura de “extrema-direita”; trata-se de mais uma rotulação inadequada por parte da mídia; entretanto, pode-se dizer que muitas vezes seus posicionamentos são no mínimo confusos.

Comecei a acompanhar Javier Milei há uns 5 anos, quando ele começava a ganhar algum destaque na imprensa argentina e era voz solitária na defesa de ideias libertárias no país. Ele mostrava uma postura incisiva nos debates contra esquerdistas, denunciava com coragem o Peronismo-kirchnerismo e divulgava pensadores da Escola Austríaca como Hayek, Mises e Rothbard em um país cuja política econômica estava tão distante desses ideais.

Ele era nitidamente libertário, defendia com clareza liberdades econômicas, assim como era abertamente defensor das liberdades individuais, como casamento gay, porte de armas e legalização das drogas.

Entretanto, desde que decidiu entrar na política, tornou-se nítida sua associação com políticos e representantes da direita populista que vem crescendo ao redor do mundo, além da clara mudança de posicionamento em relação a determinados temas. Primeiramente, com o seu claro apoio e aproximação ao ex-presidente americano Donald Trump, comprando até mesmo a narrativa de fraude nas eleições e apoiando de forma confusa os posicionamentos mais antiliberais do mesmo, como sua política econômica protecionista. A propósito, esta não foi a única vez em que Milei defendeu (ou “passou pano”) para políticas protecionistas nos últimos anos, tendo repetido constantes vezes que a Argentina não deveria ter relações comerciais com a China, algo similar à política de guerra comercial adotada por Donald Trump contra a nação asiática, e que evidentemente fracassou e prejudicou diretamente empresários e consumidores americanos.

Os apoios do Milei não se limitam apenas à figura do Trump. Ele também apoia o Partido Vox na Espanha, partido que abriga extremistas, neofascistas e simpatizantes do ex-ditador espanhol Francisco Franco, Bolsonaro aqui no Brasil e figuras da sua coalizão política apoiam o ditador Viktor Orban da Hungria.

Além disso, dentre diversos posicionamentos confusos, Milei começou a dar declarações contrárias à legalização das drogas, alegando que não se deve liberar as drogas na Argentina por conta do Estado de bem-estar social, visto que outras pessoas acabariam pagando a conta pelos viciados, algo que foi prontamente rebatido pelo advogado e também argentino José Benegas, que argumentou que, se formos seguir o argumento de Milei à risca, o Estado deveria proibir absolutamente tudo que fizesse mal à saúde (como o álcool), visto que em todos esses casos a população teria que pagar a conta pelo dano que o indivíduo infligiu a si mesmo. Trata-se de uma posição claramente contraditória para alguém que se intitula libertário, uma clara jogada eleitoreira visando a garantir votos do público conservador/religioso.

Outra polêmica envolvendo a sua candidatura é a sua vice. Filha e neta de militares, Victoria Villarruel faz apologia ao período da ditadura militar argentina, que ocorreu entre 1976 e 1983. A candidata chega até mesmo a considerar um mito o número de 30 mil pessoas desaparecidas durante a ditadura. Victoria deseja conceder indulto aos militares condenados pelos crimes cometidos naquele período e declara: “É hora de reivindicar aqueles que lutaram contra os grupos terroristas que tentaram instalar o comunismo na Argentina e que hoje estão presos injustamente por uma Justiça enviesada e manipulada pela esquerda”.

Milei, que até há pouco tempo condenava publicamente a ditadura argentina, acabou cedendo ao discurso revisionista, afirmando no último debate que “não foram 30 mil desaparecidos, mas sim 8753”, no que parece ser uma tentativa de minimizar a gravidade do que foi aquele período (como se um regime que mata mais de 8 mil pessoas fosse de alguma forma tolerável). Apesar disso, Milei ressaltou que não defende a ditadura e que a mesma cometeu excessos, embora tenha evitado fazer uma crítica enfática e contundente (afinal, assassinatos não são apenas excessos).

É verdade que Milei não pode ser responsabilizado pelas opiniões de terceiros, mas, ao escolher uma revisionista da ditadura como sua vice, fica claro que, no mínimo, deseja acenar para esse público, visando a angariar votos.

Embora seja extremamente popular, Milei não chega a ser uma unanimidade no movimento liberal argentino. A diretora da Atlas Network Antonella Marty tem feito duras críticas a Milei, alegando que ele não seria um verdadeiro liberal, mas sim um representante da “direita populista, nacionalista e religiosa”.

José Luis Espert, ex-candidato à presidência da república em 2019, liberal e ex-aliado de Milei, rompeu com o mesmo este ano, alegando que Javier não representa o liberalismo e se aliou à campanha da candidata Patricia Bullrich.

Apesar desses posicionamentos no mínimo confusos, de fato há algumas propostas positivas e bandeiras realmente liberais presentes no plano de governo de Javier Milei. Em seu programa, Milei defende abertamente a privatização de empresas estatais (dentre elas a petrolífera YPF), porte de armas, vouchers educacionais, fim da educação obrigatória e até pautas mais radicais como fim do banco central.

Vale ressaltar que a maior parte dessas pautas são inviáveis e há pouca chance de ele conseguir avançá-las caso se torne presidente, entretanto, é extremamente positivo que um candidato levante essas bandeiras numa disputa presidencial e faça a mensagem libertária chegar num alcance que ela jamais teve na Argentina. Hoje, essas pautas estão cada vez mais em voga no país e isso se deve muito ao trabalho de popularização promovido por Javier Milei, sendo esse sem dúvida alguma o maior mérito da sua candidatura: fazer as ideias liberais/libertárias atingirem a massa popular.

É nítido que boa parte dos seus posicionamentos mais populistas/reacionários/antiliberais se devem a razões eleitorais; trata-se de uma tentativa de angariar um voto mais reacionário, não refletindo necessariamente aquilo em que o Milei de fato acredita.

Eu faço uma comparação entre a sua candidatura e a candidatura do Ron Paul nos Estados Unidos. Ron Paul era o candidato libertário “ideal”, não tinha medo de defender abertamente os seus ideais e não abria concessões para inimigos da liberdade apenas por razões eleitorais. Defendia abertamente em pleno debate eleitoral o fim da guerra às drogas, a retirada das tropas americanas do Oriente Médio, o fim do Federal Reserve etc. Entretanto, sua postura intransigente foi incapaz de possibilitar que ele vencesse as três eleições presidenciais que disputou. Enquanto isso, Milei é um dos favoritos adotando uma postura fusionista, abrindo concessões e acenando para um eleitorado que é muito maior que o eleitorado libertário e que pode lhe render muito mais votos.

Entretanto, caso eleito, estaria ele disposto a desagradar esses setores para avançar uma agenda de fato liberal? Ou estará ele preso àqueles que o elegeram?

Por mais que sua candidatura seja extremamente útil para fins de divulgação das ideias de liberdade, restam inúmeras dúvidas acerca de como seria a sua atuação como presidente, o que ele de fato defende e se conseguiria aplicar algumas de suas ideias. Nisso ficam algumas perguntas:

  • Caso eleito, qual será o Milei que assumirá a presidência da república? O Milei libertário ou o populista de direita que levanta bandeiras antiliberais?
  • Caso seja a primeira opção, qual a probabilidade de ele conseguir de fato avançar uma agenda liberal estando na presidência? Ele terá base suficiente e capacidade de articulação com o congresso para avançar essas pautas?
  • O que impede que um presidente eleito com base num discurso populista decida dobrar sua aposta no populismo visando uma reeleição (Bolsonaro), agradando aos seus eleitores, ao invés de adotar um governo liberal? Estaria o Milei disposto a desagradar a parte da sua base eleitoral sabendo que isso resultaria em perda de votos?

Não temos a resposta para nenhuma delas, então nos resta somente aguardar os próximos capítulos. No momento, temos apenas a incerteza. São inegáveis os seus méritos na divulgação das ideias libertárias com a sua candidatura, mas, diante dos seus posicionamentos confusos, temos muitas dúvidas acerca do que seria o seu governo. Diante dessas dúvidas, valeria a pena o movimento liberal/libertário entrar “de cabeça” e abraçar de forma incondicional a sua candidatura? Ou talvez devamos adotar uma postura mais prudente e responsável, aguardando o desenrolar das eleições e (caso eleito) analisando o seu governo?

Numa disputa entre Milei e o peronista Sérgio Massa, não tenho dúvidas da minha preferência pelo Milei, afinal, a urgência nessa eleição é conter o avanço do Kirchnerismo-peronismo. Mas e em uma disputa com a Patricia Bullrich, também liberal (embora mais moderada), defensora da independência do Banco Central, redução de gastos públicos e cuja coalizão Juntos por el Cambio possui a 2ª maior bancada da câmara dos deputados, a maior bancada do senado e quatro governadores, tendo uma possibilidade maior de aprovar aquilo que está em seu plano de governo, seria o Milei a melhor opção?

No final, restam mais dúvidas do que certezas. Milei está longe de ser o extremista que a mídia pinta, tem um papel fundamental na divulgação das ideias de liberdade num dos países que mais precisam dela, mas, ao mesmo tempo, coleciona posicionamentos confusos e contraditórios, o que gera inúmeras incertezas acerca de como seria um eventual governo. Diante de todos esses questionamentos, opto pela postura prudente e pragmática, aguardando pelo resultado para que todas essas dúvidas sejam sanadas.

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Lucas Sampaio

Lucas Sampaio

Advogado, assistente jurídico do ILISP, conselheiro do Instituto Liberal e fundador da Juventude Libertária de Sergipe.

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