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Momento “comédia”: “Marx e Mises não são incompatíveis”

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misesmarxNão, não se trata de mais uma pérola da presidente Dilma Rousseff. Trata-se de um artigo realmente inusitado com que nos deparamos, navegando pela Internet.

O deputado Edilson Silva é fundador e presidente do Partido Socialismo e Liberdade (sim, o nosso velho amigo PSOL, o partido de extrema esquerda brasileiro que une as bandeiras da New Left com todo tipo de socialismo extremado, mas se proclama defensor da liberdade) em Pernambuco, por onde disputou eleições para governador e prefeito. Em seu espaço na página da legenda, ele redigiu um texto extremamente inesperado – principalmente vindo de onde vem.

Diante da polêmica do Uber, que incomoda tanto os taxistas, Edilson, ao contrário de boa parte da esquerda, que procura proteger os interesses corporativistas, insuflando a divisão da sociedade – frise-se: ele pertence ao radical PSOL -, defende o aplicativo inovador. A fim de apresentar sua complexa justificativa de um serviço que se insere na sociedade a partir do desenvolvimento tecnológico via capitalismo e de se posicionar no debate, estando no campo da esquerda, contra a defesa de privilégios conferidos pelo Estado e pela burocracia, Edilson fez uma afirmação tão curiosa que vale o registro: segundo ele, Marx e Mises não são incompatíveis (???).

Isso mesmo que você leu. O teórico revolucionário do socialismo científico, defensor da tirania do proletariado, e o grande economista austríaco, expoente de uma das principais escolas econômicas abraçadas por aqueles que têm convicções liberais ou libertárias, são figuras de pensamentos perfeitamente encaixáveis. Para nossa surpresa, Edilson reconhece – aleluia! – que “o século XX desautorizou grande parte das experiências que se disseram inspiradas no socialismo científico inaugurado por Marx e Engels”, embora insista em que Marx está mais atual do que nunca. Como perguntaria José Guilherme Merquior: socialistas, “por que vocês não desistem?” No entanto, de Mises, Edilson Silva pensa que ele “não era um monstro liberal, mas sim um intelectual refinado e radical, no melhor sentido da palavra, a quem a história do século XX conferiu vários consentimentos”.

Já digo de antemão: é notável que um parlamentar do PSOL seja capaz de dizer tais coisas. Seu raro respeito por Mises, porém, não lhe dá razão em sua distorção nonsense. Dizendo-se moderado em meio a uma briga “irracionalmente” transformada em disputa de “torcidas organizadas”, o deputado faz o que muitos covardes “em cima do muro” costumam fazer diante de questões delicadas: confundem respeito e diálogo com concordância e sincretismo indevido. Em nome de uma suposta “paz artificial”, menosprezam a necessidade de coerência e confundem a manutenção dela com beligerância. Não é possível confundir alhos com bugalhos e, para tristeza de pessoas assim, existem ideias e campos de pensamento que jamais se mesclarão e, enquanto existirem, estarão inevitavelmente em conflito, seja isso bom ou ruim – e pode ser bom, afinal, no conflito, crescemos.

Para dizer que entre o liberalismo ardoroso de Mises e o socialismo arrogantemente auto-intitulado científico de Marx existem pontos de contato, Edilson traz à tona alguns exemplos do que seria essa “fusão harmônica” de gregos e troianos, quadrados e redondos, dias e noites, sóis e luas. Em primeiro lugar, sem embasar muito sua afirmação, ele traz à tona Adam Smith, tido como baluarte da economia e do liberalismo econômico, como sendo uma das bases do pensamento marxista, tanto quanto do liberal. “O pensamento de Adam Smith (economia política inglesa), junto com o pensamento socialista francês e o idealismo dialético alemão de Hegel, fez parte do hercúleo esforço para a síntese dialética que produziu o pensamento de Karl Marx.” Até aí, diria vovó, “morreu Neves”. Ora, um pensamento mais antigo pode ser base para a construção de pensamentos mais recentes e opostos entre si, que dialogam com ele, discordando aqui e acolá, e concordando aqui e acolá. Em que isso aproxima, especificamente, Mises, um teórico antimarxista do século XX, de Marx?

Logo em seguida, ele traz à tona a Nova Política Econômica de Lênin, “que consistia em permitir e incentivar o funcionamento de mecanismos de mercado na economia russa”. Ao contrário do que parece sugerir Edilson, Lênin não se apaixonou pelo capitalismo liberal; ele deu o “passo para trás” para depois dar “dois passos para a frente” – na sua cabeça, é claro. Na prática, o que houve foi a constatação do fracasso econômico do socialismo e a submissão a elementos inevitáveis do capitalismo diante dos imperativos da realidade, de que Lênin optou por não fugir – embora, como o próprio Edilson lembra, o sucessor, o tirano Stálin, tenha reforçado o caminho da opressão estatal e da mão de ferro. Novamente; onde o encontro de Marx e Mises? Apontar o exemplo mais claro da incompetência socialista parece um meio muito cômodo de forçar essa aproximação absurda, protegendo o marxismo e o socialismo de suas insuperáveis deficiências, e da obsolescência que já merecem há muito tempo.

Edilson termina com o exemplo mais irônico: o intervencionismo e a defesa da emissão de moeda irresponsável de John Maynard Keynes, os abusos do welfare state e do intervencionismo estatal keynesianos, representariam o casamento mais perfeito entre Mises e Marx. Ora, céus! Usar o grande adversário econômico dos austríacos e liberais, no campo do debate intelectual, como exemplo de casamento dessas duas correntes antagônicas apresenta, no mínimo, um grande quê de esquizofrenia!

Esse confuso texto de Edilson nos permite fazer duas ponderações finais. A primeira é a conclusão evidente do que dissemos até aqui: esse raciocínio não faz nenhum sentido. O homem que disse que “o sistema econômico marxista, tão elogiado por hostes de pretensos intelectuais, não passa de um emaranhado confuso de afirmações arbitrárias e conflitantes” é, OBVIAMENTE, incompatível com o pensamento de Karl Marx. Isso é de uma obviedade tão grande que até devo confessar que estou me sentindo meio idiota ao terminar estas linhas, mas acho que, ao fim das contas, a diversão valeu à pena.

A segunda é um dado feliz: o texto de Edilson demonstrar alguma reverência a Mises – mais do que isso; simplesmente o fato de mencioná-lo – já é um retrato dos novos ares intelectuais e culturais a que o Brasil aspira assimilar. Como se viu nas manifestações, Mises já está na boca do povo. As vantagens de uma ordem liberal, como sustenta o Instituto Liberal, começam a ser melhor compreendidas – a ponto de até um expoente de um dos partidos mais socialistas do país estar se rendendo às suas virtudes.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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