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“A Vida dos Outros” – Um retrato do totalitarismo

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a vida dosAlém dos livros, o cinema também é um instrumento importante para difusão de ideias. Ele é, capaz de aproximar emocionalmente o espectador dos temas que são abordados, pelo caráter de autenticidade de que se investem, a partir de grandes exibições dos atores, e pela sensibilização produzida pelas imagens. “A Vida dos Outros” (no original, “Das Leben der Anderen”), produção alemã de 2006, é grata surpresa, fornecendo um retrato precioso do que significa tentar viver a própria individualidade, submetido a um regime totalitário. Tamanho sucesso o filme tem em fazer esse retrato, que acreditamos que vale dar a dica aqui para quem não conhece.

A trama se passa na República Democrática Alemã – que, de democrática, no sentido concreto e possível, nada tinha -, isto é, na Alemanha Oriental, no contexto de Guerra Fria, em que aquela hoje desenvolvida nação se encontrava dividida entre uma metade capitalista e uma metade socialista. A realidade naquela porção oriental era inteiramente distinta da que vigorava na porção capitalista, e ainda mais da que, felizmente, vigora hoje. Um Estado poderoso, alinhado à União Soviética, restringia amplamente as liberdades e exercia sua autoridade através da polícia política Stasi (do alemão Ministerium für Staatssicherheit, Ministério para a Segurança do Estado).

O filme relata a missão de um dedicado agente da Stasi, Gerd Wiesler, interpretado pelo falecido ator Ulrich Mühe, designado para vigiar um escritor e dramaturgo, George Dreyman (Sebastian Koch), fazendo uso de escutas instaladas na residência em que ele vivia com sua namorada, a atriz de palco Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck). Ele é informado de que George é suspeito de atividades anticomunistas. A verdade é que o ministro da Cultura Bruno Hempf (Thomas Thiene) chantageava Christa, fornecendo remédios controlados de que ela sentia necessidade antes de entrar em cena, em troca de favores sexuais. Por óbvio, Hempf, que já “socializava” a namorada de Dreyman (sem o consentimento dele, é verdade), ficaria muito satisfeito em vê-lo fora de circulação…

Essa motivação obscura é outro ponto deixado muito claro no filme: o quanto o socialismo, que se sustenta sobre a frágil ideia da igualdade de acesso de todos a todas as coisas, é, na prática, instrumentalizado por uma elite política tirânica e mal-intencionada, que se utiliza do aparato construído pelo regime para atender seus interesses privados.

Mas o personagem mais interessante do filme é o próprio Gerd Wiesler. No começo, ele se mostra como a imagem da perfeita célula do totalitarismo, moldada e subserviente aos ditames e padronizações da Stasi. Os encontros com uma prostituta demonstram, já de cara, que ele não estava tão à vontade assim; esses momentos serviam como um “desafogo” que ele encontrou, dentro da estressante atmosfera de servidão e terror à sua volta. Em linhas gerais, entretanto, era ele um homem fiel do regime socialista.

No entanto, uma vez que mergulha na vida dos dois artistas, observando suas ideias, seus sentimentos, seu envolvimento, Wiesler se vê cativado. A música e a dramaturgia, atividades da ordem da criação e da inventividade, acabam sendo, para ele, algumas das influências que o fazem se libertar das amarras do seu meio. Subitamente, ele não consegue mais apenas vigiá-los; começa a querer acompanhá-los todo o tempo, e a interferir em suas vidas – positivamente. Wiesler vê neles a âncora de salvação. O que antes era o vigilante, pronto a denunciar os “subversivos”, agora, passa a ser um auxiliador, e até um torcedor.

A humanidade, despida de invólucros frios e maquinais, é de natureza subjetiva, plural e enriquecedoramente desigual; o choque de Wiesler diante dessa viva realidade, a colocar em dúvida as diretrizes que assumiu para si mesmo, curvando-se à imposição do regime, é reproduzido de forma envolvente e representativa.

Não contaremos a história até o final, é claro. É uma trama de surpresas, e qualquer coisa a mais que dissermos as estragará. “A Vida dos Outros” se comporta, em suma, como uma defesa cinematográfica da liberdade individual – para a qual o protagonista encontra no dinamismo e na criatividade dos dois artistas uma porta de entrada. E faz essa defesa da maneira mais eficaz: mostrando as consequências, nuas e cruas, da face extrema oposta: a do totalitarismo, onde o indivíduo se vê constrangido à dissolução no mar do todo social, em um sistema que se prevê de igualdade, e acaba sendo de mediocridade e escravidão.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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