O liberalismo é uma utopia?
Sim, o liberalismo é uma utopia no mesmo sentido em que o norte da bússola é uma utopia ou o cristianismo é uma utopia. O caminhante que, confiante em sua bússola bem calibrada, desejar viajar em direção norte, pode estar tranquilo: esse será o seu rumo.
Isso não significa, entretanto, que esse caminhante chegará algum dia a um lugar chamado norte. Significa apenas – o que não é pouco! – rumo correto, mas não certeza de destino final que, no caso, equivaleria à volta ao Éden, que afinal tornaria tudo monótono e insípido demais.
O liberalismo não promete o Paraíso, uma sociedade perfeita, cheia de benefícios e isenta de custos. Promete, isto sim, a melhor alternativa de que é capaz a imperfeita ação humana. E ainda não houve ação humana capaz de oferecer algo melhor.
O liberalismo promete a melhor alternativa de que é capaz a imperfeita ação humana
Com a derrota do socialismo, o liberalismo não tem mais inimigos?
O Prêmio Nobel James Buchanan tem a resposta: “Socialism is dead, but Leviathã lives on”. “O socialismo morreu, mas o Leviatã continua vivo”. Isto é, a experiência real do socialismo foi um grande fracasso, mas o seu espírito continua vivo, manifestando-se com a mutabilidade dos vírus, ora na pretendida defesa do meio ambiente, ora com a inspiração mercantilista dos que buscam proteger “o nosso” contra “o deles” ou como distributivistas que, na realidade, não passam de assaltantes dispostos a tirar de algumas pessoas para dar a outras.
Buchanan está coberto de razão: o socialismo real se afogou em sua própria insensatez. Mas, lamentavelmente, continua viva a insana ideia de que as “falhas de mercado” devem ser substituídas pelos iluminados “acertos do governo”. Constitui excesso de arrogância intelectual e cegueira histórica pretender melhores decisões do que os milhões de agentes econômicos privados que estão permanentemente a realizar trocas entre si no seio do mercado.
O futuro da humanidade depende da nossa capacidade de acreditarmos que as falhas de mercado custam muitíssimo menos do que os “acertos” do governo.
Nota: Artigo retirado do livro de crônicas Og Leme, um liberal, editado pelo Instituto Liberal em 2011.
Sinto profundamente não ter tido a honra de conhecer pessoalmente o articulista, Og Leme.
A um, porque sua tese reflete exatamente a minha, defendida em 1976: “O homem: esse projeto mal-acabado” (UCM), i.e., “a imperfeita ação humana”, nas sábias palavras do articulista.
A dois, porque Og Leme planteia uma equação cujo resultado é indiscutível: “O futuro da humanidade depende da nossa capacidade de acreditarmos que as falhas de mercado custam muitíssimo menos do que os “acertos” do governo”. Há que se ter visão aguçadíssima para resumir em poucas (e sábias) palavras, a realidade insofismável da sociedade humana, em seu largo recorrido histórico.
Até que ponto a construção da figura política do Estado redundou em “reais” benefícios para a sociedade? É difícil responder com exatidão. A relação entre soberania, representação e corpo político (como no “Leviatã” de Hobbes) é estranhamente incompreensível. Transfere-se todo o poder dos homens a outro homem (ou assembléia de homens), despersonalizando a sociedade e sua vontade própria individualizada, para apenas um ente que obra em nome de todos. Me perdoem, mas é muito poder conferido sem uma adequada contrapartida em benefícios, segurança, garantia de futuro. É, a meu ver, uma “roleta russa”, posto que, uma vez transferido esse poder, todos os atos e determinações desse poder centralizado representarão, literalmente, a “vontade” de cada um dos componentes da sociedade – o que, em realidade, nunca ocorre.
Para mim, o liberalismo é a única representação fiel de uma sociedade dita “equilibrada”, em contraposição ao socialismo, que em seu âmago argumentativo, nada mais é do que uma flagrante e intragável utopia.