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Série “Espiritualidade e Pensamento Liberal” – Eduardo Nascimento (Umbanda)

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BANDEIRA DA UMBANDA 3

(Esta entrevista faz parte da série “Espiritualidade e Pensamento Liberal”. Para entender a proposta da série, leia o texto de apresentação no seguinte link: “Série Espiritualidade e Pensamento Liberal” – Apresentação)

Eduardo Nascimento é mineiro, tem 26 anos, é formado em Comunicação Social/Jornalismo, umbandista e torcedor do Chelsea.

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Primeiramente, como você apresentaria a Umbanda aos nossos leitores?

A Umbanda nasceu na cidade do Rio de Janeiro por volta dos anos 20 (embora existam relatos de manifestações anteriores), através do médium Zélio de Moraes. Zélio, branco, de classe média, era espírita e, numa das sessões, “incorporou” o espírito do Caboclo Sete Encruzilhadas (relatos dão conta de que, em outra vida, o caboclo tinha vivido como o jesuíta Gabriel Malagrita), que revelou que ele seria o fundador de uma nova religião genuinamente brasileira e que teria como principais alicerces duas entidades: os caboclos e os pretos-velhos. Zélio abriu então seu primeiro centro de Umbanda (comumente chamado de terreiro ou tenda). Inicialmente, para se firmar e ser reconhecida, a Umbanda exigia de seus médiuns alguns “sacrifícios”, como andar sobre cacos de vidro, ser queimados por charutos e cigarros, andar sobre uma tábua de prego. Tudo isso foi sendo deixado de lado à medida que a população foi entendendo que a Umbanda era algo sério e que seus trabalhadores (médiuns, também chamados de “cavalos”), não estavam ali para brincar. Uma das determinações do senhor Sete Encruzilhadas é que tanto Zélio quanto qualquer outro médium JAMAIS poderia receber qualquer tipo de pagamento pelos seus trabalhos. Essa é uma das distinções de centros sérios: qualquer outro que cobre é falso ou não professa a Umbanda. Nas palavras do próprio Caboclo: “Umbanda é a manifestação do Espírito para a caridade”. E esse é o único verdadeiro mote da religião: fazer o bem sem olhar a quem. Jamais cobrar, jamais discriminar, jamais negar ajuda àqueles que procuram, não importando o sexo, cor, religião, condição social, etc.

Com o tempo, outras entidades passaram a fazer parte do corpo de ajuda dos centros, os tão (mal) falados exus e bombogiras (erroneamente chamadas de Pombajira).  Em resumo, os caboclos representam Espíritos que foram ou tiveram ligações com indígenas (e, para seus trabalhos, manipulam elementos da natureza, como água, folhas, cabaças, flechas, etc.); os pretos-velhos foram ou tiveram ligações com os escravos e também tem profundos conhecimentos de cura. Sua principal característica é a humildade. Os exus e bombogiras (a versão feminina dos exus) são erroneamente confundidos com os malandros e as prostitutas. Pode até ser que, em outras vidas, eles tenham, de fato, realizado esses papeis, mas, dentro de um terreiro, as duas entidades são as que mais se aproximam dos humanos encarnados na questão evolutiva. Por isso, são excelentes auxiliares nas questões do amor, trabalho e, principalmente, na proteção.

Inicialmente, a Umbanda era uma religião de tradição oral. Atualmente, somente os mais antigos é que rejeitam estudos teóricos. As federações de Umbanda por todo o Brasil já adotam grupos de estudos em que são discutidos não apenas autores umbandistas, como também autores espíritas (como Allan Kardec). Atualmente, a Umbanda conta com uma vasta literatura, não somente mediúnica, mas de resgate histórico, descrevendo as funções de cada entidade e trabalhador dentro de um terreiro, os deveres de um umbandista, etc. Particularmente, acredito que não há fé sem conhecimento. A Umbanda não nega nenhum avanço da Ciência. Como no Espiritismo, tudo pode e deve ser questionado, justamente no intuito de se buscar esclarecimento. Portanto, para ser umbandista no século XXI é fulcral associar os conhecimentos aprendidos “na prática” com a teoria. Contudo, não há um autor ou um livro guia. Há, assim como as entidades e os humanos, uma enorme gama de pessoas com quem podemos aprender, não importando a fé de quem escreve.

Em todo esse desenvolvimento histórico da religião, na sua trajetória como movimento social, nos textos dos autores que interessam aos mencionados grupos de estudo umbandistas, ou ainda, na própria tradição ou na prática do credo, há algum elemento que seja explicitamente político?

Não. A Umbanda é uma religião totalmente apolítica. Entretanto, devido à sua influência da tradição cristã, há pontos de convergência com as implicações políticas do Cristianismo, como na questão do aborto (somos contra). Também somos contra a pena de morte.  Como conheci a religião depois de fazer estudos em Política, consigo ver muitos traços do conservadorismo (como no problema do aborto, que acabei de citar) e do liberalismo. Em alguns centros, a união homossexual é celebrada. Para o umbandista, nossa tarefa não é julgar. É trabalhar e ajudar ao máximo na resolução dos problemas daqueles que vêm buscando nosso auxílio.

Porém, uma coisa que não vi até hoje foi qualquer traço de esquerdismo. Podem afirmar que a preocupação com os pobres é um tema de esquerda. Eu discordo. A preocupação com os desamparados vem de Cristo e jamais é usada como moeda de troca ou na tentativa de criar um ser humano “melhor”. Os terreiros prezam pela simplicidade. Na maioria deles, os trabalhadores devem retirar as joias e outros apetrechos para não atrapalharem o fluxo energético e simbolizar que somos ontologicamente iguais. Andamos descalços e estamos de branco com esse mesmo objetivo simbólico – é, de fato, frise-se, puramente um traço simbólico.

O próprio Zélio de Moraes, por exemplo, não tinha nenhuma posição política claramente expressa?

Não que eu saiba.

Você deixou claro que a Umbanda é essencialmente apolítica e que entrou na comunidade religiosa depois de estudar princípios políticos liberais e conservadores. No cenário que encontrou ao adentrar a crença, talvez no seu contato com as entidades manifestadas ou na organização administrativa dos terreiros, algo que viu pode trazer algum acréscimo interessante para se pensar questões como liberdade econômica, livre iniciativa, responsabilidade individual, igualdade perante a lei, propriedade privada ou democracia representativa?

Em primeiro lugar, eu destaco o princípio do império das leis. Nenhum terreiro pode funcionar fora das leis “terrenas”. Todos funcionam com alvará e pagam por eles. Em segundo lugar, entram as leis de Deus (aquele papo do “a César o que é de César” é objeto de reflexão e prática na Umbanda). Depois, tem o respeito à hierarquia. Sempre devemos saudar os dirigentes maiores (chamados mães ou pais de santo e seus “subalternos”, mães-pequenas e pais-pequenos); no entanto, não os vemos como deuses que devem ser adorados, mas sim como figuras a serem respeitadas por terem chegado onde estão através dos esforços próprios e de muito trabalho (isto é, por meritocracia).

A livre iniciativa e a responsabilidade individual, em minha opinião, é o que mais há de teor político. Em um terreiro, não há a coletivização. Cada um possui a sua entidade que atende de acordo com a sua forma, fazendo uso dos apetrechos que mais tem a ver com sua tradição específica. Embora haja uma direção, a regra máxima é a de que somos herdeiros dos nossos próprios atos. Se vamos a um terreiro procurando o mal, é de nossa inteira responsabilidade arcar com as consequências e em hipótese alguma podemos culpar terceiros ou fazer uso de qualquer outro subterfúgio. A igualdade perante a lei, como já foi dito anteriormente, se aplica nas relações internas do terreiro; ali todos são submetidos às regras da casa igualmente. Se não concordam, podem se retirar.

A democracia representativa tem uma leve semelhança com a direção dos pais e mães de santo. Embora não haja “eleições” para essa consagração, aquele que toma a frente dos trabalhos é respeitado e criticado caso não esteja agindo corretamente. A propriedade privada é vista com bons olhos e nunca como ganância. A pessoa que quer melhorar de vida, adquirir um novo bem, é ajudada nisso. Não com dinheiro ou com “milagres”, mas com palavras que possam melhorar sua autoestima e “magias” de cura para que o corpo enfermo possa se levantar e trabalhar no sentido de adquirir aquilo com que sonha.

Não obstante tudo isso, sabemos que, no Brasil, existe uma associação de certos movimentos e lideranças dos cultos afro (não apenas a Umbanda) ao chamado “movimento negro”, que acreditamos adotar uma série de posições bastante coletivistas e antiliberais. Como você enxerga essa presença no movimento umbandista, o que você pensa a respeito do assunto e qual é, em média, dentro da sua percepção pessoal, a cultura política e o posicionamento político-ideológico dos umbandistas?

Do ponto de vista propriamente religioso, não posso contestar aqueles que se associam e buscam seus interesses. O que me incomoda é que esses grupos tomem TODA a Umbanda para si. A Umbanda é totalmente descentralizada. Não há um dirigente máximo, não há um papa ou bispo. A Umbanda é um corpo e cada tenda é uma célula dele. A união dessas células forma as federações e assim o corpo ganha vida. Contudo, lamento muito que essas associações adotem essa posição. Infelizmente, elas não querem nada exceto o seu quinhão. Quem é do interior, como eu, vê que os terreiros mais humildes são totalmente esquecidos por essas agremiações, assim como aqueles que sofrem de fato.

Na Umbanda, a cultura política é quase nula, pois em sua maioria os consulentes (e alguns trabalhadores) são pessoas bastante humildes, que não possuem muito interesse na temática política. Alguns são até mesmo analfabetos – daí uma função dos chamados “cambonos”, que escrevem o que as entidades expressam na impossibilidade de o consulente redigir de próprio punho. As pessoas querem é resolver suas vidas, que geralmente estão de ponta cabeça.

Resumindo: na minha opinião, esses movimentos e lideranças afro não representam a Umbanda, pois ela não tem cor. A Umbanda é representada pelos negros (pretos-velhos), pelos índios (caboclos), pelos homens (exus), mulheres (bombogiras), crianças (erês) e diversas outras entidades. Não queremos nenhum benefício. Só não queremos ser incomodados para continuar fazendo aquilo que nos foi destinado, e que escolhemos: a caridade.

Finalmente, a respeito da tão comentada perseguição aos terreiros. Você acredita que ela é real? Em que medida? Temos diversas notícias de centros de cultos afro sendo atacados, depredados. Como você vê isso? Você acredita que, ao contrário do que dizem os esquerdistas e coletivistas, uma verdadeira conscientização nacional acerca dos benefícios de uma ordem liberal (com base nos princípios que já levantamos e que são estatutários no Instituto Liberal) tem mais a colaborar para diminuir ou eliminar esses incidentes infelizes do que o contrário?

Infelizmente, há a perseguição e o preconceito, sim. O que nos difere é que, em vez de apenas colocarmos a culpa nos agressores, sabemos que muito do que nos acontece é devido às nossas próprias atitudes. Muitos umbandistas insistem em não praticar a religião da forma correta (ainda recorrem a “despachos”, ainda tratam exus e bombogiras como entidades malignas cuja única finalidade seria matar ou “amarrar” um amor perdido – isso não existe! – e praticam coisas que nada tem a ver com a religião, como o sacrifício animal). Acredito que deva haver, sim, uma conscientização nacional acerca do tema, mas, para isso, precisamos nós, umbandistas, “dar o exemplo”, deixar de lado certas práticas antigas que não têm utilidade no atual contexto e adotar o estudo teórico e a retidão dos atos como pontos essenciais. Não vejo nenhuma possibilidade de que isso aconteça através da imposição, como sonham os esquerdistas e coletivistas. A Umbanda só será respeitada quando nós, umbandistas, professarmos a fé de maneira correta. E para que isso ocorra, obviamente, é necessária uma ordem liberal, em que as liberdades individuais sejam, de fato, respeitadas, para que a população não umbandista não seja a obrigada a aceitar, mas a tolerar. É uma via de mão dupla. E levará tempo.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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