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Ordem, definições e voto impresso, pelo bem do Brasil

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A dificuldade de suscitar um debate saudável sobre o que se passa na pátria quando tudo parece disperso, desordenado, predisposto a ensaiar um cenário de anomia, e todos estão trocando farpas uns com os outros, tem sido notória. No esforço de encontrar alguma ordem nesse caldo é que tentamos organizar nossas próprias ideias e percepções, sem nenhuma pretensão de trazer as respostas perfeitas e prontas às incertezas instauradas. Vamos tentar:

Os caminhoneiros

Já dissemos que condenamos veementemente qualquer bloqueio de rodovias, que coloca as vidas de pacientes de hospitais desabastecidos em risco. Não somos o historiador marxista Eric Hobsbawn, para quem a perda de vidas inocentes se justificaria se o objetivo (no caso dele, o comunismo) fosse atingido na União Soviética.

Já dissemos também que as pautas das associações que se intitulam representantes dos caminhoneiros são corporativistas e apelam a uma redução mágica por controle de preços e/ou um corte setorizado de impostos, levando o Planalto a subvencionar a Petrobrás e causar enorme prejuízo geral à sociedade brasileira. O prejuízo já se estima em quase R$ 10 bilhões, em decorrência das novas medidas provisórias que Temer, mais uma vez capitulando à pressão, concordou em conceder neste domingo (27).

Tais reivindicações podem e devem provir de um sentimento de insatisfação profunda e justificável, mas perfazem um atalho inócuo e criam problemas para milhões de terceiros. Se tais demandas não vêm acompanhadas da exigência por cortes robustos de gastos e não se ajustam à compreensão da dinâmica do mercado, elas são apenas uma reação às consequências inevitáveis da política de preços de Pedro Parente, mais realista e prudente que a da época de Dilma Rousseff, e redundarão em uma piora da nossa situação.

Entretanto, o que se viu pelo país foi uma erupção de demandas transcendendo esse ponto em específico e os próprios profissionais do ramo – essencialmente, repetimos, uma materialização inadequada de um anseio legítimo. Pulularam faixas e discursos pedindo a queda de Temer ou a intervenção militar para depor todos os poderes da República, bem como militantes usando microfones para simplesmente atacar todos os políticos e pedir que todos se demitissem. Esse quadro ainda se verifica, embora a força pareça ter reduzido e certos abastecimentos já estejam sendo repostos, nos pontos em que os caminhoneiros seguem parados, mesmo após o pronunciamento do presidente da República e a publicação de suas MPs no Diário Oficial.

O caos oportunista que beneficia a extrema esquerda

Ao mesmo tempo, sem que isso tenha relação direta com os caminhoneiros, outros grupos, como o MST e os petroleiros, já se mobilizam para paralisações e manifestos, esses com o DNA bem definido: contra Temer, contra qualquer tendência privatista, contra o respeito ao mercado internacional e, portanto, a favor da esquerda e contra o liberalismo econômico – esse terrível monstro devorador de criancinhas que mal deu sinal de vida por aqui.

Diante do que os caminhoneiros acabam de conseguir, outras categorias, inclusive insufladas por partidos de extrema esquerda sequiosos por desestabilizar o cenário para tentar recuperar algum protagonismo, podem aproveitar que o governo impopular está na lona para urrar contra ele, sem nenhum outro propósito a não ser incrementar a instabilidade.

E aí?

Somos avessos ao endeusamento de atmosferas revolucionárias e já pontuamos que soluções de força deveriam ser pensadas apenas em último caso, quando não subsistisse qualquer outro recurso que não devastasse todo o contexto institucional e social estabelecido. Por outro lado, também não há prudência se pensarmos sobre um problema negando a realidade. O fato social está aí.

A paralisação já impactou, as forças da esquerda querem jogar com ela e se beneficiar do desgaste do governo enfraquecido, e uma parcela do povo, que não tem nada a ver com isso, mas está impaciente e irritada, não apenas apoiou o que os caminhoneiros fizeram como realizou algumas passeatas espontâneas nesse sentido, apesar do impacto na vida econômica do país. Muitos querem gritar contra tudo e todos, mas não sabem verbalizar ordenadamente o que estão reivindicando.

É preciso aprender uma grande lição com esse doloroso episódio, pelo menos quando os ânimos estiverem menos exaltados. Manifestações que não conseguem estabelecer uma unificação, uma pauta coesa, brincando com a ideia de promover uma “grande revolução”, atropelando as vidas dos cidadãos comuns, sobretudo feitas a essa altura, contra um governo moribundo, a meses de eleições decisivas, só poderiam, continuando a crescer, na melhor das hipóteses, converter-se em um grande revival das malfadadas “jornadas de junho” de 2013. Na pior, ofereceriam – como ainda há risco de oferecerem – palco aos pelegos. Isso não é uma estratégia inteligente.

Aqueles caminhoneiros que já voltam ao trabalho ou regressam às suas casas deixam claro que seu objetivo se limitava aos benefícios específicos da categoria; sua vitória não é uma vitória do povo brasileiro, porque não melhora em absolutamente nada as nossas vidas. Ao contrário; transfere-nos uma conta que nós, o “Tesouro”, os “contribuintes”, teremos que pagar.

Em 2015 sabíamos o que queríamos: depor Dilma Rousseff. Sabíamos que ela afundava o país, representava um projeto autoritário de poder e precisava ser retirada de cena. Unidos, conseguimos. Já aqueles que se juntaram à “greve” dos caminhoneiros tentando revestir a pauta particular do protesto com bandeiras as mais variadas e radicalmente subversivas estão a ver navios. Pior: até outubro, cria-se a oportunidade para as esquerdas ousarem “tocar o terror” com novas mobilizações perturbadoras. Nada se ganhou.

O que se deveria fazer?

Isso não quer dizer, por outro lado, que não compreendemos a fúria dos nossos compatriotas, propícia a produzir brados e multidões nas ruas se algum gatilho detonado a provocar. Não queremos fazer coro com quem diz que deveríamos apenas seguir a vida e esperar a hora de votar, porque supostamente estaríamos vivendo em uma democracia norte-americana. Não; alguns elementos nos deixam particularmente sobressaltados e preocupados no Brasil atual: o ativismo judicial, em especial aquele empreendido por órgãos como STF e TSE, e, em consequência disso, o ponto mais concreto que permite o ceticismo quanto ao sistema político, que é o descumprimento de uma lei que determina o voto impresso, a poucos meses de eleições presidenciais decisivas.

Temos pregado há muito que todos os liberais, conservadores, cidadãos em geral que não estão interessados no quadro atual de coisas deveriam estar lutando com muito mais ardor e senso de prioridade pelo cumprimento dessa lei. Tal mobilização, ao mesmo tempo, seria uma “bronca”, uma resposta legitimamente intimidadora a setores supremos do Judiciário que articulam fazer apenas o que lhes der na telha, e uma tentativa de reforço da confiança em uma lisura do ritual eleitoral, dos mais importantes no sistema “democrático-republicano”. Se queremos mudanças pelo voto, é preciso confiar nas urnas – e a sociedade já disse que não confia.

Essa pauta chegou a aparecer ao começo da paralisação dos caminhoneiros, antes de ouvirmos falar em pedidos vãos de socorro às Forças Armadas. Se o desejo era que esse movimento não fosse apenas uma paralisação por demandas da categoria dos caminhoneiros e sim algo mais amplo, então esse desejo só poderia ser respeitado se essa amplitude fosse configurada e canalizada. Por que não uma grande mobilização nacional pelo voto impresso?

Para isso, se fizéssemos um esforço sério e coordenado, não há necessidade de sacrificar inocentes, muito menos de transformar uma paralisação classista numa “Revolução Francesa” contra o governo nulo e fraco de um presidente que já está se despedindo, porque ninguém deseja ver Robespierres emergindo dessa revolução. Se não se impusessem a coerência e a ordem, alguém as imporia – e não necessariamente como o povo ou os próprios caminhoneiros em geral de fato desejam.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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