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Lula preso hoje, um caos em suspenso e a polêmica da ação militar

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Meus amigos, entre o dia 3 e o dia 5 de abril tivemos tantas emoções e tantos acontecimentos – e algumas polêmicas – que se tornou necessário dividir este registro em tópicos para tentar dar conta de tudo. Vamos a eles:

Lula preso

Em primeiro lugar, o momento que todos esperávamos desde pelo menos 2005 finalmente chegou. Não tem choro, nem vela. Nossos amigos da extrema esquerda – que, independentemente de partidos, se reuniram para defender o “perseguido político” da “ditadura Temer-Moroísta” no Rio de Janeiro na segunda-feira (2) – podem promover a guerra civil, o chororô, perguntar “mas e o Cunha e o Aécio?”, gritar “não vai ter golpe!”, que de nada adianta. O juiz Sérgio Moro, liberado pela não-concessão de habeas corpus ao ex-presidente Lula na sessão do STF da quarta-feira (4), deu ordem para a prisão do mais degradante vilão da história do Brasil.

A população que esteve nas ruas clamando por justiça encontra sua recompensa e o que outrora parecia impossível se torna História diante de nossos olhos. A derrocada, perante a pátria e o mundo, deste infame criminoso, corruptor de almas, “glamourizador” da ignorância, é uma página gloriosa, sem igual – “nunca antes na história deste país”! Comemoremos sim. Que chegue o dia em que ele não será mais do que uma triste lembrança, sem peso sobre as nossas vidas.

Um caos em suspenso

Contudo, é preciso que alguém seja um pouco ranzinza e banque o chato. Muito raramente nos dignamos de cumprir este ofício; normalmente, a cada vitória importante, mesmo diante da constatação de que há ainda muito a ser feito, fazemos questão de celebrar com entusiasmo, reverberando a esperança que devemos ter em nós mesmos como sociedade e em nosso poder de transformação. Desta vez, ao contrário, percebendo o alastramento de um triunfalismo algo eufórico, sentimo-nos compelidos a inverter os papeis.

A sessão do STF em que os nossos distintíssimos ministros tiveram algum juízo e não concederam o habeas corpus preventivo a Lula foi, em primeiro lugar, uma amostra inequívoca da degradação da instância suprema do Judiciário. Justificativas tão longas quanto inócuas, floreios sem qualquer relação plausível com a questão avaliada e a postura desrespeitosa e repugnante de alguns dos ministros que demonstravam ansiedade por salvar o condenado – e quem mais poderia se beneficiar com o precedente que seria aberto por uma decisão oposta, é evidente -, em especial Marco Aurélio Mello, dando guarida a uma nova tentativa de chicana do advogado de Lula, tentando estender o “salvo-conduto” imoral que lhe havia sido dado de presente na sessão anterior… Mello, Mendes e seus colegas indignaram-se com o digno e teriam se glorificado pela indignidade. Trocariam com prazer seu país por Lula – e todos os outros que ririam de orelha a orelha com sua salvação imediata.

Só que o maior problema não foi esse. A ministra Rosa Weber deixou claro que votaria de acordo com a jurisprudência vigente, mas que discorda dele, isto é, é contra a prisão em segunda instância. Caso os ministros e forças interessadas (advogados de investigados e criminosos, principalmente) consigam pautar as Ações Declaratórias de Constitucionalidade a respeito do tema, a qualquer momento – seja agora, seja em setembro, quando Dias Toffoli assume a presidência do STF no lugar de Carmen Lúcia -, o voto de Weber poderá ir na direção contrária à atual e tudo será revertido.

A perspectiva de que o tribunal acolhesse essas ADCs e/ou cedesse o habeas corpus (qualquer uma das duas coisas abriria um precedente, a primeira uma regra geral em si mesma) provocou receio profundo na sociedade, configurando risco real de entrave definitivo à Operação Lava Jato e a soltura de todos os tipos de escroques da pior espécie. Independentemente do positivismo jurídico, é um caminho antissocial, isto é, que, em nome de alegações calcadas no formalismo do Direito – e outras nem tanto assim -, poderia desintegrar a coesão social e a credibilidade (posto que mínima) das instituições. Essa perspectiva ainda existe, razão por que é imperativo permanecermos mobilizados.

Afora isso, insistimos, permanece a penumbra sobre a eleição do final do ano, que segue sendo prevista para ser realizada com impressão em apenas 5% das urnas, em flagrante desrespeito do Tribunal Superior Eleitoral ao Parlamento. Ainda não há barulho suficiente de liberais e conservadores contra um problema tão grave.

A polêmica da ação militar

O quadro assumiu proporções tão intensas que os militares se manifestaram, chamando a atenção da grande imprensa, na noite das manifestações nacionais pela prisão de Lula. O general Villas Bôas, Comandante do Exército Brasileiro, tradicionalmente discreto, como orientam seu cargo e sua farda, soltou um comentário sutil em seu Twitter, dizendo que a instituição se solidarizava com a rejeição nacional à impunidade e que se manteria “atenta às suas missões institucionais”. Disse ainda que a sociedade deveria identificar quem agia pensando no bem do país e quem agia movido por interesses pessoais. Muitos generais repercutiram em seus próprios perfis de rede social a manifestação de Villas Bôas, endossando seu tom. O general da reserva Paulo Chagas chegou a dizer: “Aguardo suas ordens”.

A esquerda, obviamente, reclamou. Petistas já queriam a punição de todos, especialmente do próprio Villas Bôas. Ocorre, porém, que tal reação também se deu entre liberais, indignados com a “intromissão dos homens do coturno”, a “ameaça da ditadura militar”, com direito a queixas bastante “bravinhas” de quem queria dar uma reprimenda ao Comandante.

Respeitamos, naturalmente, os confrades que têm suas convicções diferenciadas nessa matéria; os melhores homens da História divergiram, às vezes em aspectos significativos, e não foi por isso que foram menores ou brilharam menos. Pessoalmente, porém, acreditamos que a pressão dos militares no caso específico não deve ser malvista, porque há grandes chances de ter sido importante para evitar que os ministros do STF promovessem uma precipitação em definitivo de uma ruptura institucional mais acentuada, que ninguém deseja. Pontuamos isto sem qualquer receio de sermos chamados de baboseiras infantiloides como “reacionário”, “defensor dos milicos”, “falso liberal” ou quejandos; não estamos nem um pouco interessados nessas provocações de jardim de infância, nem buscando algum “diploma de liberalismo” das mãos de libertários.

Dizemos mais acentuada porque, em verdade, em virtude do ativismo judicial e da ideologização do Direito, já vivemos um cenário de constante invasão de prerrogativas de poderes e a Constituição já tem sido mais de uma vez rasgada pelo STF ao seu bel-prazer. Ocorre que, até o momento, essas investidas nocivas ao sistema republicano se restringiram a um determinado grau; a aprovação de um entendimento que seria, na prática, extremamente deletério e poderia estabelecer o caos nas ruas preocupou a todos e os militares não foram exceção, responsáveis que são por manter a lei e a ordem pela força, decidindo agir, com a sutileza que lhes foi possível, quando o sinal amarelo acendeu mais vivo que o normal. Foi apenas isso.

Oportuno dizer que compreendemos, como nossos amigos liberais que repudiaram a atitude dos generais, que qualquer ação militar ou de força para derrubar um esquema de poder (ação essa que em nenhum momento foi realizada) gera um vácuo imprevisível e incontrolável, que pode se acentuar em seu viés revolucionário e provocar desastres autoritários indesejáveis. Compreendemos que, idealmente, as Forças Armadas devem ficar em seu lugar, atuando sob comando do presidente da República, respeitando-se a posição de cada um dos poderes republicanos e todo o processo democrático, persistindo a normalidade das instituições. As prevenções contrarrevolucionárias de um pensamento conservador, ao estilo de Edmund Burke, e os princípios liberais clássicos nos levam nesse mesmo sentido e a alimentar os mesmos receios.

Porém, lamentamos reconhecer que, como diria Bernardo Pereira de Vasconcelos, não há que se viver apenas de “principismo”. Certos ou errados, alguns dos homens que mais admiramos tiveram que tomar decisões reais, concretas, em virtude das imposições dramáticas e delicadas das circunstâncias, que nem sempre estariam de acordo com reluzentes programas universais feitos pelo seu autor liberal de preferência. Carlos Lacerda, diante de uma estrutura política herdada quase sem retoques da ditadura varguista, chegou a sugerir um breve regime de emergência (autorizado pelo Congresso) para saneá-la, inspirado no processo de desnazificação da Alemanha. Os saquaremas (muitos deles influenciados por Burke), no Império, contiveram certo nível de descentralização, ansiado pelos liberais que se lhes opunham, para se contrapor aos mandonismos locais e evitar uma onda crescente de guerras civis.

Esta preocupação com o realismo e o excepcionalismo circunstancial, equilibrada nas doses mais saudáveis possíveis com os princípios gerais e morais, acompanha-nos em nossas avaliações. Podemos errar e até grandemente ao fazê-lo, mas não apenas não estaremos sozinhos nisso, como não existe nenhuma receita de bolo para todas as situações.

É óbvio que é ideal que os poderes estejam bem divididos, impere a liberdade e façamos eleições; mas quando a Alemanha, derrotada na guerra, era um país tomado pelo nazismo, deveriam as potências estrangeiras apenas permitir que eleições acontecessem sem interferir nas instituições viciadas pela ditadura, prender e julgar os criminosos? Obviamente, o nazismo teria tudo para se reerguer. É ideal que os militares “fiquem no quartel”? Claro; mas se o Judiciário provocar o caos total, em um país tão imaturo institucionalmente como o nosso, não há remédio senão que estejam vigilantes para, apresentando-se a necessidade, combatê-lo. Recurso de “último/extremo caso” não equivale a “nenhum caso”. É mundo real, meus caros, não é mundo de sonhos.

Se o STF estabelecesse uma genuína ditadura do Judiciário, não haveria nenhum poder republicano capaz de impedi-lo por completo; pedidos de impeachment isolados para cada ministro a um Senado com investigados ou aliados de investigados não agiriam em tempo hábil para sanar impactos destrutivos imediatos. Uma emenda constitucional não pode ser aprovada sob a intervenção federal de Temer no Rio – e, no caso de um ativismo judiciário extremo, poderia ser “reinterpretada” de “ene” maneiras espertas pelos tiranos. O liberal, então, que não admitir, em nenhum cenário imaginável, a possibilidade de uma ação de força contra eles, pelo medo (racional, plausível, justo, porque tratar-se-ia de assumir riscos, como nada fazer também seria arriscado) de que esta ação se convertesse em uma ditadura militar, teria a obrigação de oferecer uma outra saída à tirania real e estabelecida, que francamente não conseguiríamos conceber. Caso contrário, estaria oferecendo apenas a absoluta desesperança.

Ao dizermos isso, atenção, falamos sempre em tese, considerando um cenário extremo, que apenas tememos nos últimos dias que poderia se verificar e não se verificou. Quem nos acompanha sabe que jamais defendemos qualquer intervenção militar – ao contrário, fizemos questão de sustentar no passado recente que ela não é constitucional, como se alegava. Não o desejamos. Não queremos chegar a este ponto. Por ora, não chegamos. Respiramos. Lula foi condenado e sua prisão foi sacramentada.

O que todos realmente desejamos é que possamos desenvolver e aprimorar a nossa democracia, o senso de propósito e participação da sociedade, a fim de que nosso sistema político apenas caminhe mais na direção da maturidade que almejamos e da qual permanecemos tão distantes, e de que assumamos, nós, o povo, os indivíduos, o protagonismo de nosso futuro, dispensando salvadores externos.

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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