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Análise da obra “ Discriminação e Disparidades” de Thomas Sowell

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Em Discriminação e Disparidades, Thomas Sowell se propõe a desconstruir determinadas abordagens de dados estatísticos que levam a conclusões equivocadas sobre as causas da desigualdade social e das disparidades de emprego, salário, moradia e educação. Em particular, o autor demonstra, com base empírica, que as justificativas normalmente invocadas (discriminação decorrente da exploração dos menos afortunados ou fatores genéticos) para explicar tais disparidades ou orientar políticas públicas não se sustentam isoladamente.

Logo no início, Thomas Sowell apresenta as definições de discriminação que servem de fio condutor da obra: (i) a “discriminação I”, que é aquela realizada com base em fatos e pode ser subdividida em “discriminação Ia”, quando cada pessoa é julgada como indivíduo, “independentemente do grupo a que pertença”, e “discriminação Ib”, quando o indivíduo é tratado de acordo com “informações corretas sobre esse grupo, embora não necessariamente corretas sobre a maioria dos indivíduos do grupo”; e “discriminação II”, quando as pessoas são tratadas em função de “suposições arbitrárias ou aversão a indivíduos de uma raça ou sexo em particular”.

Conforme destaca o autor, uma das principais diferenças entre a “discriminação I” e a “discriminação II” é o custo da aplicação de um tipo ou outro e de quem arca com esse custo. Para ilustrar esse problema, menciona-se a situação da África do Sul durante o apartheid, quando leis estabeleciam a quantidade de negros que poderiam ser empregados em determinados setores econômicos e ainda vedavam a sua contratação para certos cargos. A despeito disso, empregadores brancos racistas contratavam negros em quantidades superiores às permitidas e para cargos proibidos, pois, em um ambiente de livre mercado, utilizar a cor da pele como parâmetro para contratação implicaria a perda de oportunidades e, consequentemente, de dinheiro. Para os legisladores, por sua vez, a omissão na criação de leis que protegiam os empregos da população branca cobrava um preço político.

Thomas Sowell também alerta que um diagnóstico errado acerca da base da discriminação (tipo I ou II) “pode produzir políticas com menos chances de atingir seus objetivos ou mesmo que piorem a situação”. Entre as diversas situações descritas na obra que exemplificam essa situação, pode-se destacar a questão da discriminação racial nas escolas norte-americanas. Segundo o autor, as “escolas racialmente segregadas não eram inerentemente inferiores”, em que pese diversos fatores (entre os quais uma quantidade inferior de recursos) contribuíssem para os resultados educacionais inferiores das escolas negras. No entanto, como as políticas de integração racial das escolas estiveram balizadas exclusivamente pela cor da pele (“discriminação II”), não se verificou “nenhuma melhoria educacional resultante do fato de crianças negras estarem sentadas ao lado de crianças brancas na escola”. Muito pelo contrário, registrou-se “muito tumulto social, polarização racial e amargas reações”.

Outro relevante tema abordado em Discriminação e Disparidades diz respeito a distorções propositais em dados estatísticos para corroborar posições políticas ou ideológicas. Nesse sentido, Thomas Sowell denuncia equívocos na discussão a respeito das acusações de perseguição policial à população negra, pois os dados normalmente omitem que a participação proporcional de negros no cometimento de determinados crimes é distinta da participação proporcional de negros na população em geral. Sob essa perspectiva, a cor da pele não figura (na maioria dos casos) como um fator determinante para a ação policial e o argumento de tratamento discriminatório não enfrenta efetivamente a causa do problema que leva a, proporcionalmente, mais negros cometerem determinados tipos de crimes do que brancos.

Todavia, esse exemplo demonstra com perfeição como uma posição política ou ideológica pode “afetar a maneira como a causalidade é percebida ou apresentada”. Afinal, ainda que todos os dados evidenciem que, para determinados tipos de crimes, mais negros são presos pelo simples fato de que mais negros do que brancos cometem esses ilícitos, alguém apontar como a causa primordial para essa diferença a conduta discriminatória da polícia, sem observar que outros fatores (como grau de escolaridade e estrutura familiar) podem explicar mais satisfatoriamente porque há mais negros presos por aqueles crimes. Diferentemente, com um diagnóstico preciso para a causa do problema, pode-se, então, partir para a elaboração e implementação de políticas públicas que efetivamente contribuam para reduzir a criminalidade.

Ocorre que, como explica claramente Thomas Sowell, “a validade dos números em geral frequentemente depende da confiabilidade das palavras que descrevem o que tais números estão medindo”. Assim, agentes políticos carismáticos ou veículos de comunicação em massa que adotem uma retórica orientada por argumentos de discriminação racial tendem a cativar a parcela da população mais sensível a questões morais, ainda que os números demonstrem que a realidade é diferente daquela alardeada. Com efeito, argumentos moralmente neutros não são tão atraentes quanto discursos que denunciam a existência de discriminação racial, por exemplo.

A análise empreendida em Discriminação e Disparidades é corajosa no sentido de que desafia a denominada “invencível falácia”, isto é, a crença difundida por todo o espectro ideológico e político de que diferenças indesejadas entre indivíduos e grupos decorrem da exploração dos menos favorecidos ou de fatores genéticos. Entretanto, como demonstra o autor, a discriminação (do tipo II) até pode ter algum papel nessas disparidades, mas normalmente não é a única causa nem a mais relevante, e a acuidade na identificação da origem das diferenças é determinante para o sucesso das políticas públicas antidiscriminatórias.

Não obstante as estatísticas examinadas por Thomas Sowell em sua obra digam respeito especificamente aos Estados Unidos da América, as recomendações apresentadas (nomeadamente, identificar as verdadeiras causas das disparidades e interpretar corretamente as estatísticas) podem ser tomadas de empréstimo para examinar criticamente a conjuntura brasileira.

No Brasil, assim como no país do autor, fala-se à exaustão da postura discriminatória das forças policiais, que prendem e matam em ações policiais mais negros do que brancos, e do Poder Judiciário que, em processos penais, condena mais negros do que brancos, quando observada a proporção de cada um desses grupos na totalidade da população brasileira. Contudo, a informação que nunca vem à tona é quantos negros em comparação a brancos cometem determinados tipos de crimes e quantos negros assistidos por bons advogados são condenados em comparação a brancos assistidos por advogados de mesma reputação. Em vez de se caminhar em direção à origem das disparidades, o discurso ideológico e político normalmente se limita ao nível mais superficial (da suposta discriminação praticada pelo Estado).

Além disso, a acentuação da polarização política normalmente é acompanhada de distorções de dados de pesquisa com o objetivo de corroborar uma ou outra perspectiva ideológica ou política, ainda que a interpretação dos dados não tenha aderência com a realidade ou com o próprio estudo que serviu de base. Não por outra razão, verifica-se a proliferação de checadores de fatos e, como reação dos agentes políticos, de checadores dos checadores de fatos. Em tempos mais recentes, pode-se mencionar os estudos médicos relacionados à comprovação de eficácia de medidas sanitárias, medicamentos e vacinas em relação à Covid-19, que são reiteradamente interpretados por apoiadores do atual governo federal com o objetivo de promover condutas e medicamentos rejeitados pela Organização Mundial da Saúde, bem como questionar a segurança de vacina produzida em estado governado por adversário político do Presidente da República.

Por tudo isso, observa-se a relevância atemporal de Discriminação e Disparidades, na medida em que alerta o seu leitor de que não apenas as diferenças entre os homens normalmente decorrem de fatores mais complexos do que a mera discriminação arbitrária, como, ainda, os dados estatísticos que buscam destrinchar essas diferenças podem ser traduzidos de diferentes formas, conforme a inclinação ideológica ou política de seu intérprete, que pode não ter compromisso com a neutralidade dos fatos.

*Artigo publicado originalmente no site do Instituto Líderes do Amanhã por Hugo Schneider Côgo.

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