fbpx

A Janela de Overton e o Supremo Tribunal Federal

Print Friendly, PDF & Email

No último dia Sete de Setembro, o Brasil completou seu ducentésimo ano de história independente. Além disso, comemoramos ainda em 2022 o aniversário de cento e trinta e um anos do Supremo Tribunal Federal. Nosso mais importante órgão do Judiciário já perpassou por seis diferentes textos constitucionais e é testemunha e agente influenciador da história brasileira.  

Apesar de todo o brilhantismo de sua história, apenas nos últimos vinte anos, o Supremo Tribunal Federal se tornou mais próximo da sociedade brasileira. Se no início dos anos 2000 apenas uma pequena parcela do mundo jurídico conhecia o perfil dos Ministros que compõem o Tribunal, hoje nas conversas cotidianas é comum ouvirmos comentários acerca de decisões da Suprema Corte.

Sem desconhecer o impacto que a internet e a revolução recente nas telecomunicações tiveram nessa mudança de status do STF, chamamos atenção para um fato: o nascimento, em maio de 2002, da TV Justiça. De repente, os julgamentos estavam sendo transmitidos ao vivo para todo o país e as discussões mais acaloradas passavam a ser noticiadas nos telejornais e mais recentemente, viralizavam em grupos de Whatsapp.

Ainda nesses últimos vinte anos, observamos uma frente ampla do Supremo em resolver hard cases que possuem impacto direto na vida da sociedade, em alguns casos, perpassando o Poder Legislativo. Podemos citar como exemplos desse avanço do conhecido ativismo judicial os julgamentos relacionados à equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas (ADPF 132), legitimidade das cotas raciais (ADPF 186), afastamento de deputados (AC 4.070), impedimentos de nomeação de ministros de Estado e a possibilidade de execução da condenação penal após o julgamento em segunda instância (ADCs 43 e 44).

Agora, será que devemos considerar o avanço do ativismo judicial nos últimos vinte anos e a criação da TV Justiça situações isoladas, ou há uma correlação entre os fatos apresentados? Em nossa visão, a criação da TV Justiça e a transmissão ao vivo dos julgamentos posicionam o Supremo Tribunal Federal como formador de opinião política junto a sociedade. Há de se ressaltar que essa é uma situação perigosa para um Tribunal Constitucional, afinal, é dele a última palavra em uma república democrática, logo, deveria estar defeso nos debates políticos sociais e focado nos aspectos de juridicidade das questões postas a julgamento.

Não obstante, essa posição causada pela exposição demasiada dos julgamentos passou a ser fomentada por alguns membros da corte, tornando o Tribunal um operador de uma Janela de Overton que tem o objetivo de tornar cada dia mais palatáveis decisões que ampliam o seu escopo de competências.

A Janela de Overton é um mecanismo de convencimento da opinião pública. Ela foi criada por Joseph P. Overton e é um conceito que demonstra a gama de ideias toleradas no discurso público, ou seja, ideias mais palatáveis à opinião pública estão no centro desta janela e se deslocam para os extremos, na medida em que deixam de ser aceitáveis. Dessa forma, aquele que deseja ter aceitação do seu discurso deve apresentar narrativas que se enquadrem dentro do centro da janela, com a exclusão das ideias radicais.

Acontece que a Janela de Overton não é um elemento estático. Ela se move ao longo do tempo através de pílulas lançadas por seus operadores com o objetivo de ampliar, cada vez mais, o leque de discursos aceitos socialmente, de acordo com seu interesse. Nos últimos anos, a Suprema Corte vem ampliando o centro da Janela de Overton relacionada ao seu escopo de atribuições.

Diante disso, observamos uma forte tendência de ações para tornar cada dia mais aceitáveis decisões ativistas que ampliam os poderes atribuídos ao Supremo Tribunal pela constituição. Em síntese, o STF consegue realizar essa ampliação através de julgamentos espaçados ao longo do tempo que atribuem cada vez mais decisões que influenciam na sociedade ao Tribunal. Com isso, quando observamos decisões sobre um mesmo tema ao longo de um período de dez ou quinze anos, é possível observar uma ampliação do escopo de competências da corte.

Sem adentrar ao mérito da questão, podemos usar o exemplo dos julgamentos do STF em nomeações e mandados de autoridades de outros poderes. Vejam que o Tribunal construiu um histórico de precedentes que tornou aceitável a determinação de prisão de um deputado em exercício do mandato.

Inicialmente, o STF impediu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tomar posse como Ministro de Estado, em março de 2016. A decisão já foi amplamente discutida como uma ampliação de competência do Tribunal; contudo, como os ministros de Estado não são eleitos pelo voto popular, e havia um interesse social da maioria da população na suspensão da nomeação, a decisão foi aceita. Posteriormente, em outubro de 2017, o Tribunal se entendeu competente para aplicar medidas cautelares diversas à prisão a deputados e senadores, cabendo inclusive a suspensão do exercício do mandato. Da mesma maneira, aproveitando o momento de comoção social causado pela operação lava-jato, houve uma aceitação social da decisão. Por fim, a determinação de prisão do deputado Daniel Silveira, em fevereiro de 2021, foi fundamentada no poder que o Tribunal construiu de exercer o controle dos mandatos de parlamentares que supostamente os usam para prática de crimes.

Dessa maneira, quando observarmos essa linha do tempo, podemos identificar que o STF ampliou a Janela de Overton aceitável para o seu discurso saindo de um entendimento em 2010 de que não cabia ao Tribunal a decisão sobre perda de mandatos parlamentares, para a determinação de prisão de parlamentares em 2021. Ora, se, quando pensamos em Estado de Direito, afirmarmos que o soberano está limitado pelas normas e regras de Estado, devemos ter cuidado com os controles da ampliação da Janela de Overton do STF.

Portanto, é preciso que a sociedade observe com cautela o método de ampliação dos atos aceitáveis que o Supremo vem adotando, sob pena de o Estado de Direito brasileiro ser aplicado a partir da conveniência daqueles que devem interpretar as normas e não de acordo com o texto constitucional.

Alan Soares – Associado I do Instituto Líderes do Amanhã.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal é uma instituição sem fins lucrativos voltada para a pesquisa, produção e divulgação de idéias, teorias e conceitos que revelam as vantagens de uma sociedade organizada com base em uma ordem liberal.

Pular para o conteúdo