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Os novos inquisidores

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A política tupiniquim tem dessas aberrações.  Por conta de uma legislação absurda, os debates entre candidatos na TV devem dar espaço a todos, independentemente das reais possibilidades de cada um.  Levy Fidelix e Luciana Genro, por exemplo, devem receber o mesmo tempo dos três principais concorrentes, ainda que não tenham nada interessante para adicionar ao debate.  Para completar, nossa imprensa e nossas instituições estão mais preocupadas com temas menores do que com os realmente relevantes.  Assim, um diálogo boboca, sobre casamento gay, travado entre os dois candidatos sem voto acima mencionados, durante o debate na TV Record, acabou se transformando no assunto da semana.  E, o que é pior, levou algumas autoridades e instituições, imbuídas do mais puro pensamento politicamente correto, a tentar cassar o direito de opinião do senhor Fidelix.

O Procurador Geral da República, por exemplo, abriu uma investigação para apurar se o candidato gorducho do PRTB cometeu crime, ao dizer que é preciso enfrentar a minoria homossexual.  Já a OAB requereu ao TSE a cassação da candidatura de Fidelix, por conta de declarações supostamente homofóbicas.  Outros partidos e instituições tomaram caminho semelhante, sempre em defesa dos “direitos” dos gays de não serem ofendidos.

Já tive oportunidade de externar, mais de uma vez, aqui mesmo neste espaço, minha opinião a respeito do tema.  Sou francamente favorável ao direito dos gays ao casamento civil, assim como o de adotar crianças.  Mais: contrariamente ao que diz Fidelix, não acho que ser gay seja uma opção, mas uma característica inata, independente de vontade.  Portanto, minha opinião em nada se assemelha com a do candidato.  Ainda assim, acho que ele tem todo o direito de externar a sua, doa a quem doer.

Como muito bem expôs Jonathan Rauch, em seu excelente “Kindly Inquisitors: The New Attacks on Free Thought”, embora a preocupação com as minorias seja uma coisa nova, o princípio fundamental da patrulha politicamente correta é velho e altamente viciado, tendo sido responsável, no passado, por fatos históricos terríveis, durante a Inquisição. O herege, naqueles dias, colocava em perigo a paz e a estabilidade da sociedade ao desafiar a autoridade da igreja, colocando em perigo a fé dos demais crentes e sua própria alma. À época, isso era algo tão ou mais indecente que a disseminação do ódio racista hoje em dia.

As boas intenções, no entanto, não afastaram da Inquisição o mesmo grande dilema que enfrentam hoje os politicamente corretos: se as opiniões e crenças das pessoas podem ser algo ofensivo, tentar evitá-las é muito mais perigoso, até porque, nesse contexto, opiniões e crenças “erradas” pode ser qualquer coisa de que as “autoridades morais” não gostem.

Ademais, proibir a ofensa também pode ter um custo elevado, principalmente porque ofender alguém não é sinônimo de estar errado.  Algumas vezes, é exatamente o contrário.  Não raro, uma ofensa pode ser nada mais que uma verdade impopular.  Como escreveu H. L. Mencken, quase “todas as verdades duráveis que o mundo conheceu em tempos históricos, foram [inicialmente] rechaçadas como se fossem ondas de varíola.” O exemplo clássico dessa verdade foi Galileu, o astrônomo que ousou dizer que a Terra não era o centro do mundo.

Com efeito, todos nós gostaríamos que a evolução do conhecimento pudesse ser indolor. Mas o fato é que a crítica, inclusive a crítica “científica”, pode ser dolorosa para alguns, quiçá para muitos.  No processo de busca do conhecimento, muitas pessoas serão, direta ou indiretamente, ofendidas, e isto é uma realidade que nenhuma boa intenção ou regulação jamais poderá mudar. Não é bom ofender os outros, mas às vezes é inevitável.  Uma sociedade imune a ofensas está fadada ao obscurantismo.

Há poucos anos, por exemplo, o reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, foi praticamente obrigado a renunciar porque, numa declaração considerada machista, disse que diferenças inatas entre homens e mulheres explicariam por que há tão poucas profissionais do sexo feminino nas áreas de ciência e matemática.  Já o renomado geneticista, James Watson, ganhador do Prêmio Nobel, se viu no meio de uma intensa polêmica, acusado inclusive de racismo, ao afirmar que os negros seriam inerentemente menos inteligentes que brancos e asiáticos.  Será que tentar proibir as pessoas de dizer o que pensam é social e cientificamente eficaz?

Por outro lado, questiona Jonathan Rauch, será razoável tentar amenizar os sentimentos dos eventuais ofendidos, ou mesmo procurar recompensá-los, punindo seus “algozes”? Absolutamente, não!  Como é sabido, desde longa data, o ser humano reage a incentivos, e, assim que as pessoas se derem conta de que podem lucrar quando ofendidas, muitos se voltarão para esse estranho negócio de forma recorrente. Sei que isso soa meio insensível, mas o estabelecimento de um direito de não ser ofendido iria conduzir não a uma cultura mais civilizada, mas a uma intensa disputa sobre quem estaria sendo ofendido por quem. Tudo o que vamos conseguir com isso será um mundo mais silencioso e menos aberto à especulação, uma das bases do conhecimento científico.

A grande verdade é que a liberdade está sob ataque implacável dessa elite politicamente correta. Estas pessoas querem substituir a liberdade individual pelo controle do Estado. Não seria nenhum exagero dizer que eles representam uma ameaça quase tão infame quanto o fundamentalismo mais deletério, como o dos Aiatolás iranianos, que sentenciaram à morte o escritor indiano Salman Rushdie, por se sentirem ofendidos em sua crença.

Hoje em dia, mais do que em qualquer outro momento da História, nós liberais, que consideramos sagrados o direito de livre expressão e opinião, inclusive quando francamente opostos àquilo em pensamos e acreditamos, bem como o dever de colocar a prova nossas crenças e convicções, precisamos não só defender e pregar a verdadeira tolerância – aquela que nos exige conviver e aceitar opiniões e crenças muito diferentes das nossas -, mas também aprimorar a difícil habilidade do autocontrole, que facilita a convivência com a ofensa e o desgosto.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

3 comentários em “Os novos inquisidores

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    04/10/2014 em 10:53 am
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    Meu caro, aproveitando a sua defesa da liberdade de expressão, valor que considero absoluto em minha vida, permita-me trazer um ponto a mais à esse debate. Não se pode confundir “liberdade de expressão” com afronta à nossa Constituição Federal. Em âmbito privado, qualquer um tem o direito de emitir a opinião que bem entender, mas não posso deixar de concordar com um ponto legalista levantado – de forma oportunista, é bem verdade – por alguns dos candidatos da esquerda caviar. Se a lei diz que as concessões de rádio e TV são dadas pelo Estado, é dever deste não permitir que seja violado o direito à honra das pessoas. O que este infeliz fez foi ofender a honra das pessoas se utilizando de uma retórica que, se considerarmos imune a Lei, poderia ser comparada a propaganda nazista, pois incentiva o ódio entre as minorias. Somos liberais, pois somos contra os discurso autoritários e de ódio – em muitos casos promovidos por esta mesma esquerda que hoje condena o candidato do PRTB, não sejamos hipócritas como eles!

    • João Luiz Mauad
      04/10/2014 em 2:37 pm
      Permalink

      Este comentário nos permite responder algumas questões relevantes. O primeiro ponto a destacar é o aspecto das concessões de TV. O fato de a legislação brasileira assim determinar, não quer dizer que isso seja legítimo do ponto de vista liberal. Outro ponto importante diz respeito à liberdade de expressão em âmbito público e privado. Quando se fala de liberdade de expressão, obviamente falamos de liberdade tanto em âmbito público quanto privado. Não faz sentido nenhum restringir a liberdade de expressão apenas ao ambiente privado.

      Quanto à lei penal, o que ela prevê é a punição para a apologia ou incitação ao crime, algo que o senhor Fidelix, pelo menos a meu juízo, não fez. As eventuais ofensas morais seriam matéria para devido processo legal. Se alguém se sentiu ofendido em sua honra, que procure a justiça para as devidas reparações, mas isso não justifica proibir o candidato de falar o que quiser, nem tampouco cassar a sua candidatura. Um verdadeiro liberal defende até mesmo o direito de os nazistas se pronunciarem. O leitor pode não saber, mas há países, como os EUA, em que existem partidos nazistas devidamente registrados. A defesa de ideais, crenças e opiniões, por mais aviltantes que nos possam parecer a alguns ou a muitos, deveriam ser livres numa sociedade liberal.

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    03/10/2014 em 3:25 pm
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    Engraçado que 2 candidatos entraram com uma representação contra Fidelix sobre algo tão bobo, enquanto apenas 1, o Aécio, se manisfestou judicialmente em relação ao envolvimento dos Correios na candidatura de Dilma. É lamentável o modo de fazer política nesse país.

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