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Os caprichos da História.  Ou: Dilma e sua própria herança maldita

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Em 2005, durante o primeiro mandato do presidente Lula, o governo trabalhava com uma meta de superávit primário de 4,25% – bons tempos aqueles!  Na época, havia gente dentro do governo, liderada pelo então ministro Palocci, bem como no Congresso (inclusive na oposição), interessada em costurar um projeto de longo prazo para as contas públicas nacionais.

Antônio Palocci pode ter uma centena de defeitos, mas, apesar de médico por formação, entende muito mais de economia que a economista Dilma, e sabia que aquele era um momento único na história econômica do país, que não deveria ser desperdiçado.

A proposta de ajuste fiscal visava, entre outras políticas, a obter um déficit nominal zero, num horizonte bem definido de dez anos, principalmente através do controle de gastos, não do aumento de impostos.  A expectativa era que tais políticas provocariam, num prazo relativamente curto, o aumento da confiança dos agentes, uma queda expressiva da taxa de juros e, consequentemente, do serviço da dívida.  Há de se destacar que, naquela época, vivíamos um tempo de crescimento econômico senão vigoroso, pelo menos mediano, possibilitado, principalmente, pelos altos preços dos produtos da pauta de exportação brasileira, bem como do crescimento econômico do mundo, liderado pela China.

Como lembra Samuel Pessoa, em artigo recente para a Folha de São Paulo,

Havia, em 2005, reconhecimento por parte de inúmeros atores políticos, da situação e da oposição, de que nosso contrato social projetava trajetória insustentável do gasto público e, portanto, que o aparecimento de gargalos e constrangimentos no front fiscal era somente questão de tempo.

A conversa prosperou, e um grupo de políticos – liderados pelo então deputado Antonio Delfim Netto e pelos ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo – propôs que a sociedade, por meio do Congresso Nacional, discutisse o tema. O objetivo era colocar uma trava na Constituição para que o gasto público parasse de crescer sistematicamente mais rápido do que o produto da economia.

Esse debate está sumarizado na publicação do Ipea, de agosto de 2005, que não veio a público, intitulada “A qualidade da política fiscal de longo prazo”. Textos de Delfim, Palocci, Paulo Bernardo, Tasso Jereissati e Fabio Giambiagi reconheciam o problema e estimulavam que se avançasse na direção da construção da trava legal ao crescimento contínuo do gasto público.

Infelizmente, porém, a proposta tinha fortes adversários dentro do próprio governo e acabou sendo arquivada.  Os desenvolvimentistas, liderados pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e pelo senador Aloísio Mercadante levaram a melhor.

Na época, Dilma Rousseff, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, torpedeou a proposta, bem ao estilo Dilma. Além de afirmar que o plano proposto era “rudimentar”, disse que aquele debate era “absolutamente desqualificado”.  Segundo ela, um plano de estabilidade fiscal de 10 anos não poderia ser feito com base em planilhas e modelos econômicos (!?).  Na famigerada entrevista, vossa atual presidenta defendeu que a redução dos juros deveria ser feita na base da caneta, ou melhor, da vontade política.

Afinal”, diz ela, “o que [nos] leva a fazer o superávit primário? O pagamento de juros. Eu acho que, inexoravelmente, nós temos de considerar quanto da política de juros nos últimos tempos poderia ser menor. Estou de acordo com o superávit primário, mas acho que, além da meta de superávit primário, um país deste tamanho precisa reduzir os juros, se quiser sair do atoleiro.

Como se nota, enquanto o primeiro grupo, mais ortodoxo, queria a reduzir os juros naturalmente, como consequencia de uma política fiscal mais austera, o segundo grupo – heterodoxo – achava que bastava o BACEN reduzir os juros e o problema estava resolvido.  Afinal, por que aumentar o superávit para pagar juros, se podemos simplesmente reduzir os juros e, assim, manter ou mesmo reduzir o superávit?  Na visão estreita dessa gente, se o governo tinha a faca e o queijo nas mãos, por que se preocupar com sacrifícios?

Como lembrou Rogério Werneck, em artigo hoje, no Globo, “Anos mais tarde, em artigo em tom triunfalista, escrito em meio à euforia de 2010, Nelson Barbosa comemoraria o embate de 2005 como a derrota decisiva da “visão neoliberal” no governo Lula, que havia aberto caminho para os grandes feitos que vinham sendo logrados pela “opção desenvolvimentista”. Patético!

Não por acaso, esses mesmos desenvolvimentistas, vitoriosos na época, acabaram elaborando o projeto que, posteriormente, se convencionou chamar de “nova matriz econômica”, e que marcou as políticas intervencionistas do segundo mandato de Lula e, principalmente, dos primeiros quatro anos de Dilma Rousseff.  Os resultados dessas políticas nós estamos sentindo na pele hoje.

Por um desses caprichos da História, como bem colocou Mansueto de Almeida, outro economista “neoliberal” que participou da elaboração do natimorto projeto de 2005, a mesma Dilma Rousseff, que outrora classificou a proposta como rudimentar e sepultou o debate, é hoje Presidente da República que promete fazer algo parecido, embora em circunstâncias muitíssimo piores, para tentar acalmar os mercados, recuperar a confiança dos investidores privados e o crescimento da economia.

Enfim, Dilma hoje está pagando o preço de suas próprias idéias e decisões tortas.  Se aprendeu alguma coisa com essa malfadada experiência, já é outra conversa…

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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