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Entrevista de Rainer Zitelmann ao L’Express sobre o livro “Em defesa do capitalismo”

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Você está publicando seu livro “Em Defesa do Capitalismo” enquanto uma nova crise financeira parece estar se aproximando. As crises, como a enorme crise de 2008, não são a prova de que o capitalismo tem que ser mudado?

Zitelmann: Uma das razões pelas quais escrevi Em Defesa do Capitalismo é porque eu esperava outra crise desse tipo. Eu já havia escrito no meu livro O Poder do Capitalismo (2019): “A crise financeira foi causada por taxas de juros excessivamente baixas, intervenções pesadas no mercado e superendividamento. Vamos realmente acreditar que a terapia certa envolve taxas de juros ainda mais baixas, intervenções de mercado mais fortes e mais dívida? Essas medidas podem muito bem ter um impacto de curto prazo, mas os mercados estão se tornando cada vez mais dependentes de baixas taxas de juros. Taxas de juros tão baixas não fazem nada para resolver os problemas subjacentes – elas apenas suprimem as causas e as empurram para o futuro. A combinação atual de regulamentação excessiva e taxas de juros de zero causará problemas consideráveis a médio prazo para muitos bancos e é o terreno fértil para novas crises ainda mais graves.”

Com suas políticas, os bancos centrais criaram uma armadilha perigosa para si mesmos: primeiro eles causaram inflação, e agora que eles têm que aumentar as taxas de juros para combater essa inflação, eles colocam os bancos em apuros. Ludwig von Mises chamou esse tipo de desenvolvimento de “espiral de intervenção”. Em um capítulo do meu novo livro, mostro que a crise financeira não foi de forma alguma uma crise do capitalismo e de forma alguma resultado de demasiada desregulamentação, mas muito pelo contrário: foi resultado de demasiada intervenção estatal e políticas equivocadas do banco central.

As desigualdades estão aumentando em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, e o “1%” é cada vez mais um tema político. Não deveríamos nos preocupar com essas tendências?

Zitelmann: Primeiro, a desigualdade nos EUA aumentou muito menos do que parece. Eu recomendo o excelente livro recentemente publicado The Myth of American Inequality [O Mito da Desigualdade Americana], que mostra como a manipulação de estatísticas distorce imensamente os dados sobre desigualdade. Em segundo lugar, não estou interessado na desigualdade, mas na pobreza.

Thomas Piketty diz que, durante a maior parte do século XX, a desigualdade diminuiu, mas, para ele, os maus tempos começam em 1990 – desde então a desigualdade tem aumentado. No entanto, este foi o maior momento da história da humanidade, porque em nenhum outro período a pobreza diminuiu tanto quanto nos anos desde 1990. Antes do surgimento do capitalismo, a maioria das pessoas no mundo vivia em extrema pobreza. Em 1820, cerca de 90% da população global vivia em absoluta pobreza. Hoje, o número é inferior a 10%. E o mais impressionante: nas últimas décadas, desde o fim do comunismo na China e em outros países, o declínio da pobreza acelerou a um ritmo incomparável em qualquer período anterior da história humana. Em 1981, a taxa de pobreza absoluta era de 42,7%. Em 2000, caiu para 27,8%, e em 2021 estava abaixo de 10%. Pessoas como Piketty estão interessadas em desigualdade, eu estou interessado em como combater a pobreza. Na China, Vietnã e Polônia, a desigualdade cresceu nas últimas décadas, mas não conheci ninguém que quisesse voltar aos dias em que as pessoas eram mais iguais, mas mais pobres.

Grandes empresas de tecnologia como Google, Amazon e Apple são consideradas ameaças crescentes por causa de sua onipotência e do medo de que elas tenham alcançado monopólios. Mas, de acordo com você, esse tipo de medo não é novidade. Por quê?

Zitelmann: Sim, o capitalismo pode levar à formação de monopólios, mas, acima de tudo, o capitalismo destrói monopólios. Em 2007, o principal jornal de esquerda do Reino Unido, The Guardian, perguntou: “O Myspace perderá seu monopólio?” Em novembro de 2008, a revista Forbes publicou uma grande matéria sobre o fabricante de telefones celulares Nokia. A manchete da reportagem de capa da revista dizia Um Bilhão de Clientes – Alguém Pode Alcançar o Rei do Telefone Celular? Quem ainda tem um celular Nokia ou usa o Myspace hoje? Outro exemplo é a Xerox, que inventou a primeira fotocopiadora em 1960 e dominou o mercado em 1970 com uma participação de mercado de quase 100%; hoje está presa em 2%. Escrevo sobre muitos outros exemplos no meu livro que provam que o capitalismo é o maior inimigo dos monopólios.

O monopólio mais perigoso é o monopólio estatal. É dele que devemos ter medo. No entanto, o maior paradoxo na crítica aos monopólios levantada pelos anticapitalistas é que eles são precisamente as mesmas pessoas que frequentemente defendem a nacionalização, embora os monopólios públicos sejam os monopólios mais duráveis e menos vulneráveis de todos. Não é um absurdo que os anticapitalistas critiquem grandes empresas por restringirem a concorrência, mas, ao mesmo tempo, defendam mais empresas de propriedade do governo que eliminam a concorrência não apenas temporária e parcialmente, mas permanente e completamente? O inimigo do monopólio permanente não é o socialismo, é o capitalismo.

O capitalismo também é acusado de ser a principal causa da destruição ambiental. Mas, de acordo com você, a mudança climática é, muitas vezes, “apenas um pretexto para os anticapitalistas”. Por quê? 

Zitelmann: Acabei de ler o novo livro de Greta Thunberg. Ela rejeita todas as propostas pragmáticas e técnicas sobre como combater as mudanças climáticas, com uma exceção: abolir o capitalismo. Ela e outros anticapitalistas, como Naomi Klein, não chamam pelo nome, mas o que eles estão pedindo é, de fato, uma economia planejada. Naomi Klein admite que inicialmente não tinha nenhum interesse particular nas mudanças climáticas. Então, em 2014, ela escreveu um volume de 500 páginas chamado This Changes Everything: Capitalism vs. The Climate [Isso Muda Tudo: Capitalismo vs. O Clima]. Por que de repente ela ficou tão interessada? Bem, antes de escrever este livro, o principal interesse de Klein era a luta contra o livre comércio e a globalização. Ela diz abertamente: “Fui impulsionada a um envolvimento mais profundo com isso, em parte porque percebi que poderia ser um catalisador para formas de justiça social e econômica nas quais eu já acreditava.”

No entanto, a economia planejada não resolveu nenhum problema em nenhum momento nos últimos 100 anos. Só causou grandes problemas, principalmente quando se trata do meio ambiente. As emissões de CO2 na RDA socialista, relacionadas ao PIB, foram três vezes maiores do que na Alemanha Ocidental capitalista. Se o que os anticapitalistas propõem fosse implementado, bilhões de pessoas no mundo morreriam de fome e os problemas ambientais não seriam resolvidos, mas agravados.

A China, governada por um Partido Comunista, não é a prova viva de que você pode conseguir um grande sucesso econômico com um Estado autoritário?

Zitelmann: Como meu amigo Weiying Zhang, da Universidade de Pequim, sempre diz: “Nosso sucesso econômico não foi por causa do Estado, mas apesar do Estado”. Ele é tão bom em explicar o capitalismo que eu até pedi a ele para escrever um capítulo no meu livro. No final da década de 1950, 45 milhões de cidadãos chineses morreram de fome no maior experimento socialista da história, o “Grande Salto Adiante” de Mao e, até 1981, 88% da população chinesa ainda vivia em extrema pobreza. Então Deng Xiaoping lançou suas reformas de livre mercado e introduziu a propriedade privada: hoje, a taxa de pobreza extrema na China está abaixo de 1%. A coisa boa sobre o capitalismo: você nem precisa de capitalismo puro, até mesmo algum capitalismo, como na China, ajuda muito.

Como você julga a evolução do regime de Xi Jinping, que, após a liberalização econômica liderada por Deng Xiaoping, parece voltar a uma ideologia marxista-leninista mais rigorosa?

Zitelmann: Nos últimos anos, parece que os chineses estão esquecendo as razões de seu incrível sucesso. Eles estão voltando para o estatismo. Se esse caminho não for corrigido, não é apenas perigoso para a China, mas para o mundo inteiro. Até onde eu posso ver, os vietnamitas não estão cometendo esse erro. O Vietnã ganhou mais liberdade econômica nos últimos 25 anos do que qualquer país de tamanho comparável em todo o mundo.

Você também argumenta que o capitalismo é bom para a paz, “reduzindo significativamente a importância econômica e os benefícios concomitantes da conquista de territórios estrangeiros”. Ambas as Guerras Mundiais, a invasão americana do Iraque, ou mesmo a invasão russa da Ucrânia, não foram empurradas pela ganância?

Zitelmann: Nenhuma dessas guerras foi iniciada por capitalistas ou realizada no interesse dos capitalistas. Muito pelo contrário, como mostro em detalhes no meu livro. As razões para as guerras que você menciona variaram, mas é muito claro que elas não foram impulsionadas por motivos capitalistas.

 Você escreve que “todos os sistemas socialistas que invocam ou invocaram Marx falharam sem exceção”. Mas, se você ouvir os anticapitalistas, é só porque as teorias marxistas não foram aplicadas corretamente na União Soviética ou na Coreia do Norte

Zitelmann: Este é o maior truque que os anticapitalistas já fizeram. Quando os experimentos socialistas começaram na União Soviética, na China, na Venezuela e em outros países, os intelectuais anticapitalistas estavam sempre entusiasmados. Stalin e Mao eram heróis, mesmo para intelectuais como Sartre. Henri Barbusse também elogiou muito o Stalin. Intelectuais de esquerda em todo o mundo estavam entusiasmados com Hugo Chávez quando ele foi eleito na Venezuela no final da década de 1990. Houve cerca de 25 experimentos socialistas nos últimos 100 anos. Depois de cada experimento fracassado, os anticapitalistas sempre nos dizem: “Isso não era socialismo real”. O socialismo real supostamente nunca existiu em nenhum lugar – e, supostamente, Marx sempre e sem exceção foi mal compreendido. Isso é, é claro, um absurdo. Marx nunca explicou sua visão do socialismo e do comunismo em detalhes, mas uma coisa é clara: foi baseada na abolição da propriedade privada. Neste ponto central, os socialistas e comunistas entenderam Marx corretamente.

Como você explica que, apesar desse histórico ruim, o socialismo está “experimentando um renascimento”, especialmente entre os jovens ocidentais?

Zitelmann: Isso é culpa dos defensores do capitalismo e especialmente dos empresários. Eles não conseguiram explicar os benefícios e o funcionamento do capitalismo para o grande público. Eles deram de bandeja a mídia, as escolas e as universidades aos anticapitalistas. Eu acho que os pró-capitalistas devem aprender muito sobre marketing e relações públicas com os anticapitalistas, porque eles são claramente muito melhores e mais bem-sucedidos nisso.

Você descreve o anticapitalismo como uma “religião política”. Por quê?

Zitelmann: No final da década de 1930, o sociólogo e filósofo francês Raymond Aron usou o termo “religion politique [política de religião]”. Seguindo Marx, que havia chamado a religião de “ópio do povo”, ele falou do comunismo como uma “religião intelectual”. As religiões políticas satisfazem aos anseios e necessidades humanas que antes eram atendidas pelas religiões. Aron chamou tais doutrinas de “religiões seculares … que, nas almas de nossos contemporâneos, tomam o lugar da fé que não existe mais, colocando a salvação da humanidade neste mundo, no futuro mais ou menos distante, e na forma de uma ordem social ainda a ser inventada”. É por isso que é tão difícil conquistar os anticapitalistas com fatos, porque suas crenças são de natureza religiosa e enraizadas não em fatos, mas em emoções.

-Como você explica que tantos intelectuais ocidentais se oponham ao capitalismo?

Zitelmann: No meu livro O Poder do Capitalismo, dediquei um capítulo inteiro a esta questão. É talvez o capítulo mais importante que escrevi. A explicação é complexa, mas vou mencionar um aspecto. Os intelectuais acham que quem leu mais livros e quem tem a melhor educação acadêmica deve estar no topo, ou seja, eles mesmos. Eles absolutizam o que é chamado de “aprendizagem explícita” e “conhecimento explícito” na psicologia da aprendizagem e não entendem que “aprendizagem implícita” e “conhecimento implícito” são pelo menos tão importantes, muitas vezes ainda mais importantes para o empreendedor. Os intelectuais não conseguem entender por que alguém com um “intelecto inferior”, alguém que talvez nem tenha um diploma de graduação, acabaria ganhando muito mais dinheiro e morando em uma casa muito maior – e talvez tenha a esposa mais atraente. Eles se sentem ofendidos na sua noção do que é “justo” e, portanto, vindicados em sua crença em um mau funcionamento do capitalismo ou do mercado, que precisa ser “corrigido” por meio de redistribuição em grande escala. Ao alienar os ricos de algumas de suas “preciosidades imerecidas”, os intelectuais se consolam com o fato de que, mesmo que não possam abolir completamente o brutal sistema capitalista, eles podem pelo menos “corrigi-lo” até certo ponto.

A entrevista sobre https://in-defence-of-capitalism.com/ “Em Defesa do capitalismo” foi publicada originalmente no jornal francês L’express e conduzida por Thomas Mahler:

https://www.lexpress.fr/idees-et-debats/rainer-zitelmann-nen-deplaise-a-piketty-notre-periode-est-la-plus-faste-de-lhistoire-WILACDTZHVHVPFHURLSTGKOKUY/

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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