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As raízes de Fernando Henrique em Joaquim Nabuco

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por LEONARDO FREITAS*

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Li a recente obra de Fernando Henrique Cardoso, Pensadores que inventaram o Brasil. Cardoso compilou ensaios seus escritos em um período de trinta e cinco anos. O tema é sempre o mesmo: revisitar a obra dos principais intérpretes da história e da sociedade brasileiras. Aluno da Universidade de São Paulo, onde ingressou na década de 50, momento de ascensão da Instituição no campo das Ciências Sociais, Cardoso pôde conviver com boa parte dos autores que aqui revisita, notadamente Antonio Candido, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Caio Prado e Sergio Buarque de Holanda. Gilberto Freyre ganha igual destaque, ainda que o contato de ambos fosse discreto. Poder-se-ia afirmar, entretanto, que os pensadores que formaram o Brasil são também os pensadores que influenciaram o autor. Saliente-se que sob a batuta de Florestan Fernandes, Cardoso optou por um feixe de ideias emanadas pelos intelectuais citados, embora à época e em épocas ainda mais vetustas houvesse tantos outros com outros ideais, nas mais diversas matizes sociológicas e filosóficas. Dentre estes gigantes do pensamento há uma congruência elementar, qual seja, analisar a formação do Brasil. O autor separa com peculiar minúcia duas questões. Quem FORMOU o Brasil (povo) e quem DESENVOLVEU A CONCEPÇÃO, os conceitos e a reflexão que reveste este fenômeno. Da leitura da Apresentação extrai-se o seguinte excerto:

A questão nacional daí por diante ocupa a cena central nas reflexões dos pensadores que inventaram o Brasil, embora, a bem dizer tenha sido o povo quem o criou. Os intelectuais passaram a refletir no que consistia esta nação, como ela se situava no mundo, como se dividia em classes, etnias e culturas, como seria possível argamassá-las no mesmo conjunto histórico, e no futuro que teria o Brasil no contexto das demais nações”.

Eis aí uma linha mestra. Os pensadores esmiuçados pelo autor atacaram o tema por vertentes as mais diversas. Para ilustrar, Celso Furtado e Caio Prado penderam para um viés economicista, que lhes sempre foi caro, perfectibilizado na dualidade Metrópole-Colônia, do latifúndio, do escravagismo, os quais foram espécie do gênero expansão do capitalismo. Mas neste texto me restrinjo a Joaquim Nabuco.

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo é um dos tantos brilhantes filhos de Pernambuco. Desenvolveu atividades ligadas à diplomacia e à política nos períodos de Monarquia e República. Um visionário da questão escravista, Nabuco foi o principal pensador da escravidão e das mazelas daí advindas. Ressaltava o caráter degradante de tal prática, o modo como afrontava os valores democráticos, políticos e sociais. Monarquista e liberal convicto, o pernambucano objetivava a emancipação dos negros por meio da Reforma Agrária e da educação universal. Em O Abolicionista, aduz que, não obstante a Lei Áurea tenha dado cabo à escravidão, a questão racial perduraria por décadas ou séculos. É certo que o auge de Nabuco está posto na questão escravista, na dicotomia escravo – senhor. Fernando Henrique notou de forma arguta esta relação umbilical fatualmente experimentada por Nabuco nesta seara:

Tão longe se deixou embalar neste misto de reflexão e memórias sentimentais que, a despeito da aguda observação de que, no fundo, senhores e escravos se tornaram ‘os mesmos’ pela relação cruel da escravidão, conseguiu olhar para este fato com o espelho reverso: os escravos contaminaram os senhores com amor, quase os absolvendo de suas culpas porque alguns deles se tornaram capazes de manter relações de afeto com os oprimidos, como se não fossem algozes” (Pág. 36)

Ou ainda quando o próprio Nabuco, em Massangana, descreve o suplício de um negro fugidio para ser seu servo e não sofrer mais nas mãos de outro senhor, habitante das redondezas

Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera, até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultara” (Pág. 40)

Contava apenas oito anos. A impactante experiência em tenra idade foi fulcral na formatação de sua personalidade e consolidou o futuro perfil de reformador social.

Noutra banda, no capítulo Joaquim Nabuco democrata, Cardoso realça posições políticas do resenhado, em particular seu encantamento pelo liberalismo inglês, a independência do Judiciário daquela nação e pelo amalgamento dos poderes em lugar de uma eventual separação nos moldes de Montesquieu. Cita Minha Formação para esboçar tal pensamento:

Somente na Inglaterra, pode-se dizer que há juízes […] só há um país no mundo em que o juiz é mais forte que os poderosos. O juiz sobreleva à família, à aristocracia, ao dinheiro e, o que é mais que tudo, aos partidos, à imprensa, à opinião; […] O sentimento de igualdade de direitos, ou de pessoa, na mais extrema desigualdade de fortuna e condição é o fundo da dignidade anglo-saxônica” (Joaquim Nabuco, Minha Formação, Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, pp. 99-100)

O debate é atualíssimo. Ainda discutimos se o Parlamentarismo serviria como alternativa democrática ao Presidencialismo, por vezes ineficiente e moroso em dar resposta às crescentes demandas econômico-sociais. Nabuco declarou-se monarquista por, paradoxalmente, e tomando a Inglaterra como paradigma, este ser o regime em que a democracia estaria mais bem resguardada das investidas autoritárias dos governantes. Em um cotejo perspicaz e analítico de Cardoso, Tocqueville está para os Estados Unidos assim como Joaquim Nabuco está para a Inglaterra. Um e outro notaram na América e na Europa a consolidação das virtudes emanadas da consciência da elite política de cada país sob o escopo da cidadania e da igualdade.

Em Um olhar sul americano, há lições de equivalente proceridade sobre o Joaquim diplomata. O espírito estadista manifesta-se por meio da questão da América Latina, em que a região passa a ser escopo nas relações internacionais brasileiras. A inquietação gerada pelas profundas transformações políticas do século XIX, dentre independências e transições de Monarquia para República, são exaltadas em Balmaceda

é preciso comparar o estado em que (os líderes) receberam o país e o estado em que o deixaram, o inventário nacional ao entrar e ao sair” (pág. 27-28)

Ao citar Nabuco, assevera Cardoso:

A essa formulação singela, cabe agregar: Quantas situações não terão ocorrido na América Latina em que ao desvirtuar a natureza das funções do homem de Estado sucederam experiências políticas igualmente penosas?” (pág. 28)

É evidente que na América Latina, à esquerda e à direita, há dezenas de experiências degradantes em relação a líderes que extravasaram suas competências constitucionais e políticas e, em dado momento, utilizaram a democracia para solapar a própria democracia. Joaquim Nabuco estava adiantado. Fosse na questão racial, nas relações diplomáticas ou nos regimes de governo, sempre previu com maestria a que passo caminharíamos diante de tais e quais decisões.

* Leonardo Freitas é formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. 

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