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Filosofia, Religião e Mercado (II)

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Aristoteles e socrates debate2

(Para ler a primeira parte do artigo, consulte: http://www.institutoliberal.org.br/blog/filosofia-religiao-e-mercado-i/)

Uma vez que somos dependentes do passado para formular novas propostas, e já visto que noções imprescindíveis ao liberalismo, como a propriedade privada, foram enxertadas por noções teológicas, e estas por conceitos filosóficos da Antiguidade; cabe responder a questão levantada no último artigo: a religião seria necessária para o indivíduo ou apenas para o sistema?

Sistemas são dependentes das ações humanas. Sem homens, no caso dos preceitos econômicos, sequer podem ser criados, mas existe uma auto conservação do princípio liberal que, pela lógica, se impõe nas relações de mercado. Como já se sabe, o valor do produto é relativo aos gostos dos compradores. Por esse exato motivo, por exemplo, que água em um deserto pode valer mais que ouro: as circunstâncias mudam com o tempo ou local, e esse fato faz parte do sistema liberal de mercado, impondo-se sobre as relações que compõem o liberalismo clássico, mas não por força, e sim por lógica embasada na realidade e na natureza humana, seja cultural, metafísica ou biológica.

Assim como a lógica comanda o mercado liberal, esta totalmente dependente da filosofia antiga, a religião é fundamental em alguns conceitos importantes para o liberalismo, mas ela não tem, digamos, um caráter “imperator” na vida dos indivíduos liberais.

O sujeito que não é religioso, ou ateu, não deixa de ser liberal por conta disso. A religião exerce uma influência importante nos princípios do sistema, mas não abarca todo o sistema. A lógica aristotélica também é importantíssima para o liberalismo clássico, mas não é por isso que é necessário ser um aristotélico (na sua preferência filosófica) para ser um liberal, e o mesmo se aplica ao cristianismo.

Mas e os princípios? Há princípios cristãos que não devem ser deixados de lado. Milton Friedman, respondendo a uma pergunta sobre distribuição de riquezas – https://youtu.be/g-zgxrO4kWg?t=1m45s –, fala de como a sociedade funciona, juntamente com a justificativa para não taxar a 100% as heranças. O argumento de Friedman se resume que nossa sociedade não é individualista, apesar das análises liberais e da importância do indivíduo, e sim familiar e, assim, caso se taxassem 100% das heranças, iria-se desestimular a conquista da riqueza para a continuidade da própria família. Este esquema de herança, e o arranjo social, entorno da família no Ocidente só surge na Alta Idade Média[1] por conta da Igreja –  noções ontológicas, como a igualdade do ente homem e mulher também surgem nessa época contra a cosmovisão bárbara após o fim do Império Romano do Ocidente. Sem tal princípio, que tornara as famílias mais nucleares e independentes, fora outros atos, como os de promover mais a moral da Igreja na Europa ocidental pós-romana, não se imputariam noções de responsabilidade, cavalheirismo, respeito e individualidade (no contexto medieval) para tais sociedades.

A questão de tais princípios é que são intrinsicamente ligados à religião. O cristianismo, como um fenômeno que afeta todos os patamares da sociedade, o conserva e mantém; em uma sociedade que o renegue, também renegará princípios que vêm colados com a moral.

Por mais que um indivíduo possa manter os princípios morais cristãos sem acreditar no cristianismo, a sociedade não funciona de maneira semelhante. O corpo social, suas mudanças estruturais e essências, dependem de alicerces, de baluartes, que são as próprias instituições sociais, e as igrejas são parte, e uma parte muito profunda e importante, dessas instituições. Com uma propaganda anticristã exagerada, difamatória e desonesta, aos poucos, e por setores, a sociedade perde grandes influências que o cristianismo causa, e o mesmo vale para o liberalismo, pois ele depende de uma carga cultural anterior e constante para se configurar de maneira justa.

O indivíduo, e sua importância, assim como a propriedade privada, não sobrevivem em um quadro anticristão na sociedade, por mais que até mesmo alguns liberais assim sejam, em um longo prazo, as ideias têm suas consequências. Não se pode esperar demolir um grande prédio sem que se caiam entulhos e poeira embaixo dele.

Se a sociedade e sua moral é apenas algo metamórfico, e podendo ser resumida apenas nisso, não existem princípios invioláveis. O respeito à vida, propriedade, honestidade e justiça seriam apenas convenções sociais, e não passariam disso. Não existiria melhor nem pior, certo ou errado, mentira ou verdade, apenas convenções sociais relativistas e funcionalistas. É necessário conservar essa característica cristã para manter o liberalismo, mesmo que não se acredite no cristianismo. Sem a moral, e a teologia que a fundamenta, assim como a filosofia, tira-se uma carta base de um castelo de cartas, e o desmoronamento, confusão e mal é o que se obtém, e é catastrófico.

Na Revolução Francesa, mesmo com algumas ideias liberais em grande profusão, o mesmo desacerto foi cometido. Os revolucionários, loucos por mudanças e inovações, apenas conseguiram algo pior que o anterior, mais danos para suas causas e mais mazelas para todos, e sem discriminação. Conservar essa tradição que vem desde a Grécia e os mosteiros é a chave para manter o liberalismo.

 

Sem conservadorismo não há liberalismo.

NOTA 

[1] Ler o primeiro volume de “A História da Vida Privada”, com foco nos textos de P. Veyne, P. Brown e M. Rouche, caso se queira analisar a influência do cristianismo nas sociedades romana e franco-germânicas.

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Hiago Rebello

Hiago Rebello

Graduado e Mestrando em História pela Universidade Federal Fluminense.

4 comentários em “Filosofia, Religião e Mercado (II)

  • Avatar
    29/03/2015 em 2:04 pm
    Permalink

    Curiosamente, ao contrario da pregação do autor, as idéias liberais e o próprio desenvolvimento de uma éticva mercadológica somente prosperaram quando o cristianismo encontrou críticas e foi minorada sua influência na governaça.
    Na verdade aqueles que deformam suas mentes devido a ideologias que prometem apocalipses, novo homem mais preocupado com o coletivo do que com o indiviuo e por fim os maravilhosos Paraísos não medem esforços para defender suas exóticas ideologias com seus futuros mirabolantes e sem garantia. Sempre as ideologias amarram “varam com cenouras na ponta” no lombo da populações que assim podem ser idiotizadas pela esperança dos “apocalipses” que pouparão os justos (os sectários) e dos “Paraisos” onde haverá a felicidade eterna para o “novo homem” altruísta e servil a seus líderes ideológicos ou ao próprio mito messianico.

    A fórmula é sempre a mesma!
    Amontoado de idéias que prometem mirabolâncias para um futuro incerto e sobretudo improvável. Tamanhas são as incoerências das ideologias que, por isso mesmo, sofrem incontáveis interpretações e amontoações de novas receitas ou ideias incoerentes. Contudo, seguidores de ideologias mirabolantes e desconexas em suas aanálises não querem de forma alguma abdicar do “eu acho” ou do “eu quero” de suas interpretações ideológicas moldadas por suas manias e interesses. Mentes deformadas pelo desejo ideológico jamais se permitirão a verdade ou a coerência. A cegueira e falatório absurdo são uma característcia dos seguidores de ideologias que tudo tentam adaptar a suas desejadas crenças seja pela esperança de paraísos ou seja pelo desejo de ostentação moralóide auto engrandecedora.

    No inicio o FEUDALISMO era uma negação da propriedade privada e os feudos além de não serem propriedades nem mesmo eram hereditários. Feudos e titulos de nobreza eram concedidos aos guerreiros da causa cristã. Claro que logo os titulos de nobreza e com eles os FEUDOS tenderam a tornarem-se hereditários. Os feudos eram espaços administrados e não propriedades dos senhores feudais. Afinal, a idéia cristã era contrária a propriedade de bens materiais, cabendo aos governados darem a “César o que é de César” em vez de, em seu egoísmo e ganância” ficarem acumulando tesouros na terra. Daí que a propriedade da terra inexistia e os feudos eram administrados por senhores feudais numa hierarquia de vassalagem.

    As perseguições aos não alinhados com o cristianismo existiram antes mesmo da tão falada inquisição. Esta apenas oficializou e impôs pelo TERROR a perseguição de não cristãos. Se antes poderia haver tolerância em algumas regiões, com a oficialização e legalização das perseguições, esta tolerância tornou-se perigosa e passivel de punição. O medo de ser denunciado como conivente com anti revolucionários cristãos imperou a partir da inquisição que se realizava com terríveis torturas elaboradas para disseminar o terror e calar toda e qualquer critica ou verbalização de descrença: A CENSURA ABSOLUTA pelo TERROR, onde o próprio indivíduo ATERRORIZADO CENSURAVA SEUS PRÓPRIOS PENSAMENTOS e mais ainda suas palavras.
    A idéia da escolarização com doutrinação ideológica foi um invento da Igreja um tanto inspirado em Platão.

    Os servos de gleba não eram proprietários de suas terras e ao “governo” ou suzerano cabia o “direito” legal de explorar tanto quanto quisesse os servos em seu feudo. Afinal: “aos suzeranos o que é dos suzeranos” e aos servos caberia pagar os impostos exigidos e amar OS SEUS SENHORES e honrar o seu rei.

    Exatamente com o enfraquecimento das manias cristãs surgiu a moral de apoio à propriedade. Assim, a recomendação de “se roubarem o que é teu não reclames” ficou em desuso contrariando a recomendação cristã de desprezo à propriedade ou bens materiais. Ideologias são elaboradas para formar rebanhos obedientes a seus líderes. Ideologias moralóides foram a grande descoberta da decadência do império romano.
    Somente com o arrefecimento do Poder fundamentado na ideologia “salvadora”, com suas promessas de apocaplipse e Paraíso em futuro incerto, é que a idéia e entendimento do que seja liberdade conseguiu se difundir. A ideia da separação entre Estado e Clero (agora há que se pedir a separação entre Estado e Midia) é que possibilitou o desenvolvimento econômico e uma ética da propriedade privada onde o Estado, como organização hierarquizada, não é mais um “senhor” obre o rebanho popular para sobre este arbitrar e explorar. A ideia mesma de uma constituição veio neste sentido e tem sido paulatinamente deturpada em favor de um sentido para pedidos ao mito Estado em vez de limitar-lhe os poderes e a arbitrariedade.

    Tal como marxistas, leninietas, nazistas, “comunistas”, petistas e etc., qualquer outro seguidor de ideologias não se tomba ao pejo ao fazer associações levianas com sua ideologia a fim de enaltece-la e por tabela a seus seguidores ou militantes.

    Um indivíduo que deseja apenas ser livre somente dende a liberdade por deseja-la para si, pouco se importando com que os outros façam que não interfira em sua liberdade. Contudo, seguidores de ideologias militam em suas ideologia porque almejam que todos os demais adotem sua ideologia. Se os demais não adotam uma ideologia isso não implica em qualquer impedimento para os adeptos. Afinal, um mundo livre não impede nenhum seguidor de ideologais mirabolantes de cultuar seus líderes e mitos fantasiosos. Um adepto da liberdade não almeja impedir ninguém de se martirizar por uma ideologia ou ajoelhar-se para seus lideres e nem mesmo de enriquece-los e as suas vontades maníacas se submeter.
    Ideologias são tão pífias que precisam ser defendidas por VIAS INDIRETAS.
    O socialismo ou estatismo precisa criar antagonismos e se apresentar pendente para um lado: a velha defesa do pobrismo e coitadismo. Assim associa-se a classes, raças, sexos e etc.. Agora defender o cristianismo associando-o com idéias de liberdade é algo absurdo que só demonstra que suas bases são pífias ou seus adeptos não se aproveitariam para defende-lo indiretamente associando-o a ideia de liberdade e propriedade. Quando o cristianismo nem mesmo se opôs à escravidão, ao contrario defendeu-a e tão pouco se opôs ao poder estatal, ao contrário defendeu-o em sua ideologia desconexa e, como toda ideologia, sujeita a infinitas e CASUÍSTICAS INTERPRETAÇÕES.

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    25/03/2015 em 9:26 am
    Permalink

    Se esta é a parte 2 de um texto, convém fazer a gentileza de postar o link para a parte 1 na primeira linha do artigo.

    Ex.: “Na semana passada tratamos dessa e daquela ideia na __parte 1 deste texto__…”

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    24/03/2015 em 3:35 pm
    Permalink

    Muito bom,

    só um comentário, o autor não seria da “Universidade do Estado do Rio de Janeiro” ao invés de “Universidade Estadual do Rio de Janeiro”?

    Obrigado.

Fechado para comentários.

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