As aventuras de Cunha, o “enrolão”, e os tucanos carinhosos: apequenando um país
Vamos deixar algumas coisas bem claras. Em primeiro lugar, há mais de uma década os eleitores brasileiros, na hora de escolher seu presidente, têm tido que optar, basicamente, entre a manutenção do lulopetismo e uma legenda social democrata covarde e pusilânime que mais colabora com o adversário que faz oposição. Uma legenda que tenta, a todo custo, provar que é mais “de esquerda”, mais avançada, mais “para frente”, mais progressista, em um debate em que não pode vencer o PT. Na última eleição, elevando um pouco o tom, esse partido, o PSDB, com Aécio Neves, conseguiu cerca de 51 milhões de votos no segundo turno contra Dilma Rousseff. O recado era claro: lutem pelo seu país. Não deem trégua. Não deixem o governo fazer o que quiser; incendeiem, apontem os riscos para o país. E o PSDB vem jogando fora a confiança que recebeu.
Não por decidir, hoje, aprovar determinadas pautas do governo federal que, conquanto sejam tocadas em virtude do desespero econômico, são necessárias. O PSDB, ao agir assim, pensa em ser coerente com a pauta da responsabilidade fiscal que defendeu nos anos Fernando Henrique. Pensa no país. Está certo. Como estará certo, também, se mantiver a coerência em persistir se opondo à CPMF. Não. O PSDB traiu essa confiança ao se acovardar, ao hesitar, diante das três maiores manifestações da história, diante dos mais flagrantes delitos, das mais flagrantes imoralidades, e demorar meses e meses para dar às coisas o nome que elas merecem receber, demonstrando inaptidão total para incensar o povo em seu entorno contra o estado de coisas. Traiu ao retardar sua tomada de atitude por divergências menores de interesse eleitoreiro entre seus principais caciques, uns querendo a impugnação, outros o impeachment, outros que Dilma “sangre” até 2018 – e com isso “sangre” o Brasil. Traiu ao, na figura do senador Aloysio Nunes, defender o projeto de lei estúpido de Requião sobre o direito de resposta a quem, subjetivamente, se sentir “ofendido”, e ao defender o desarmamento. Traiu ao, na figura do ex-presidente FHC, dizer que Dilma é uma pessoa honrada, e ao tratá-la, mesmo diante de seu estelionato eleitoral e de sua mendacidade, com pudores que não seriam dedicados ao melhor dos estadistas; ao dizer, aliás, que Lula é um “símbolo” e sugerir que deveríamos evitar correr o risco de prendê-lo. Traiu ao, até o momento, não se ver nenhuma mobilização radical de sua parte para constranger o governo a tomar posição sobre o absurdo que seus parceiros bolivarianos promovem na Venezuela, levando o Brasil a assumir seu papel como liderança regional, que deve dar exemplos. Traiu por não ter fibra, por não ter coragem, por ser a oposição que um governo pediu a Deus.
Ao final do ano, com mais de 70 % da população do país seguramente contrária à sua continuidade, tendo recebido contra si as maiores manifestações da história nacional, rebaixando a nota nas agências internacionais de classificação de risco de investimentos, tendo sido condenado no Tribunal de Contas da União, tendo provocado a recessão via nova matriz econômica, havendo fortes evidências de dinheiro ilegal na chapa que concorreu à presidência, havendo movimentos populares se organizando e fazendo o trabalho “sujo” de convocar o povo para as ruas, acumulando denúncias no maior escândalo de corrupção da história nacional – ufa, posso respirar? -, a permanência do atual governo brasileiro no poder é o maior escândalo de todos os tempos nos regimes pretensamente democráticos. Ainda ouvirmos falar de Dilma como presidente é um atestado de incompetência do PSDB, e é um atestado de incompetência do sistema político brasileiro. É um atestado da falta de vitalidade e poder da nossa democracia e das nossas instituições, bem como das nossas oposições.
Nada disso, porém, torna menos surreal a última declaração que a imprensa repercutiu como tendo sido verbalizada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que detém os pedidos de impeachment em suas mãos e que enfrenta acusações duras na Comissão de Ética – em que deputados de extrema esquerda formalizaram um pedido de cassação de seu mandato por denúncias de envolvimento no Petrolão e de posse de contas secretas no exterior. O PSDB decidiu, para surpresa de outros oposicionistas, referendar o processo de cassação e rejeitar os argumentos da defesa. Acreditava-se que, por tato político, os tucanos “aliviariam a barra”, ao menos até que Cunha se posicionasse sobre o pedido de impedimento da presidente assinado por Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. Paulinho da Força, sindicalista, do Partido Solidariedade, próximo à Cunha, disse que “abriram mão do impeachment” e “jogaram Cunha no colo do PT”. Segundo testemunhas, exasperado, o presidente da Câmara disse ao tucano Nilson Leitão que o PSDB fora “ingrato”, já que ele havia aberto espaço para a oposição na Câmara, e que a oposição “jogou fora” a possibilidade de ver aberto o processo contra Dilma.
Quem anatematiza o PSDB pela decisão, e eu compreendo plenamente a revolta pelo fato de Dilma estar lá, não leva em consideração, primeiro, que a sucessão de erros e desperdícios de tempo e oportunidades já vem sendo cometida há muito tempo; segundo, que, mais cedo ou mais tarde, o PSDB não poderia deixar de reconhecer os crimes de Cunha, em aparecendo as provas. Se eles, mesmo acreditando que o presidente da Câmara é culpado, o protegessem apenas para obter o impeachment, uma vez que o impeachment viesse, teriam de continuar a protegê-lo? Teriam de poupar um criminoso, de ignorar os imperativos da lei, qualquer que fosse a razão que os levasse a isso? Não seria esse um movimento contrário ao que desejaríamos como exemplo no funcionamento de nossa esfera pública? Temos todos os motivos para atacar o Partido da Social Democracia Brasileira, mas não creio que devamos eleger esse.
Por outro lado, o que dizer de Cunha? “Seus ingratos; se vocês não me ajudam, não ajudarei os senhores”. O destino do país depende de um apoio político de um partido ao senhor – nada de “Vossas Excelências por aqui” -, presidente? A aceitação do pedido de impeachment não depende, isto sim, dos rigores da lei? Não é uma decisão técnica? Seus compromissos não são com o PSDB, são com o povo brasileiro. Não é ao PSDB que o senhor ajuda deferindo o pedido que expressa o clamor do povo; é a todos nós. O pedido que têm em mãos é maior do que o senhor, do que a sua vida, do que os seus negócios, do que as suspeitas sobre o senhor, do que o seu destino. Ele afeta o destino de milhões de brasileiros, afeta o destino de uma nação que se quer mais madura, com instituições mais sólidas, com o império da lei sendo respeitado. Não é admissível que se trate um assunto desses como uma briguinha infantil de “toma lá, dá cá”, indigna de estudantes de Jardim de Infância.
Eduardo Cunha, ao “enrolar” a todos com seu parecer debaixo do braço, procurando usá-lo para fazer um joguinho perverso entre governo e oposição, apequena a vida pública do Brasil, e ofende não o PSDB e a sua pusilanimidade de sempre, mas uma nação inteira. Se todas as informações que correm a seu respeito forem verdadeiras, seu destino será a lata de lixo da história; caberia a ele sentir o momento e fazer algo grande, maior do que ele e suas possíveis misérias particulares. Mas talvez já lhe seja tarde demais.
Aecio está envolvido tambem, por isso está sendo uma oposição tão ruim.
Sociais Burocratas!