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16/08: Por uma Carta do Povo Brasileiro

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Grandes nações costumam ter, como grandes períodos e mudanças na história, emblemas textuais, documentos fundantes. Já disse e repito que, se a Nova República, iniciada ao fim do regime militar, pode ser considerada um marco de um tempo novo na história brasileira – sem nenhum juízo de valor a seu respeito -, o período iniciado em 2002, com a ascensão de Lula ao poder, é suficientemente longo e peculiar para merecer ser visto, no futuro, como uma fase particular. De certa forma, foi o período de existência de um país dentro de um país, um Brasil dentro de um Brasil. O país que aquele sindicalista encontrou não é rigorosamente o mesmo que Dilma deve deixar nas mãos de seu sucessor. Infelizmente, não exatamente por bons motivos, como propunha o seu “documento fundante”. Refiro-me à Carta ao Povo Brasileiro, divulgada pelos petistas quando sua chegada ao poder, por tanto tempo tentada e que tanto pareceu improvável, causou hesitação e turbulência no mercado.

Era junho de 2002 e Lula leu em voz alta que “o Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar.” Dividindo o povo entre ricos e pobres, negros e brancos, “nós e eles”, provocando a polarização mais odiosa que já se viu entre os compatriotas deste nosso chão, o PT, sob o pretexto da inclusão e da paz, segregou e dividiu.

O mesmo partido que queria a união não pôde deixar de se trair, ao dizer, na mesma Carta, que o modelo econômico então vigente já trazia enorme “decepção com os seus resultados”, que a “economia do país não cresceu” e a “soberania do país ficou em grande parte comprometida”. Com todas as críticas que merecer o governo Fernando Henrique, hoje sabemos do valor do Plano Real, sabemos da eficácia das privatizações – embora esta já fosse prevista às mentes liberais e de bom senso. Já no raiar de sua era de domínio sobre os rumos do Brasil, o PT mostrava sua reticência, sua cegueira, sua hostilidade ao bom senso – tudo adocicado por um simulacro de candura e responsabilidade.

Nem tudo eram agruras, porém, para os iluminados petistas; “a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país”, disposta a “sustentar um projeto nacional alternativo”, um que faça o Brasil voltar a crescer, “a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo”. Mais de uma década depois, o “projeto nacional alternativo” nos presenteia com a inflação, com o Plano Real em risco, com algumas das mais altas taxas de homicídio e com uma posição deplorável no concerto mundial, em associação com todo tipo de populismo terceiro-mundista, de socialismo pré-histórico latino-americano e tirania africana ou teocrática.

“A corrupção continua alta”, dizia ainda a Carta. Em um projeto em que ela se tornou sistemática, base de um esquema de poder, vitimando o Poder Legislativo e as empresas estatais, servindo-se de todas as estruturas e relações patrimonialistas e estatizantes que nos acompanharam em sua síntese mais tristemente bem acabada, a era petista nos legou o mensalão, o petrolão, e ainda nos pode brindar com sombras ainda mais profundas, a serem escavadas pela CPI do BNDES e o que mais estiver destinado a vir à tona.

“A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais enquanto nação independente”, prosseguia o texto. O que emergiu, no entanto, foi a imposição de relações de dependência, o enaltecimento da ignorância, o desprestígio ao esforço e ao mérito, a glória dos conchavos e o império da mediocridade.

“O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado.” Justamente por isso, até agora vemos figuras como os ex-presidentes Collor e Sarney, atacados intensamente pelo petismo, que lhes exigiu as cabeças, envolvidos nas teias do poder, associados à rede tecida pelo governo.

“O que há é uma forte preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da economia e com sua fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o país administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento público acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os investidores.” Embora ajudado pelo social democrata, que tentava apoiar a transição, o lulopetismo atacava FHC, preferindo desconhecer qualquer ligação de sua própria legenda com os problemas que surgiam, ignorar que os mercados receavam sua ascensão. E receavam por instinto natural, plenamente confirmado hoje, quando, mais de uma década depois, todos os baques e riscos de desestabilização que ora sofremos ainda continuam a ser debitados, quem diria, a Fernando Henrique. Essa era uma prática que a Carta ao Povo antecipou como elemento perene do Brasil da estrela vermelha: a covardia e a distribuição da culpa a quem bem se queira – afinal, “se a culpa é minha, boto em quem eu quiser”.

“Nascem, sim, das graves vulnerabilidades estruturais da economia apresentadas pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível para o Brasil. Na verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo que adotaram outras alternativas.” A Carta, naturalmente, não fornece uma lista. O autoritário PT consegue adjetivar as medidas mais liberalizantes do PSDB como algo “totalitário”, na velha inversão nonsense e orwelliana das esquerdas quanto ao sentido das palavras mais cristalinas.

“Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela prejudica o Brasil. (…) Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado de crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos. (…) A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. (…) O desenvolvimento de nosso imenso mercado pode revitalizar e impulsionar o conjunto da economia, ampliando de forma decisiva o espaço da pequena e da microempresa, oferecendo ainda bases sólidas para ampliar as exportações.” Um sonho lindo, uma ficção inspiradora de paz e concórdia, de união das “classes” e desenvolvimento social. Sonho devastado com uma crise ainda pior, sobretudo porque provocada por total irresponsabilidade e incompetência, e por boa dose de má intenção, sobre as boas bases que o Plano Real havia possibilitado. Devastado pelos altos impostos e os problemas que qualquer empreendedor hoje sua para superar, atrapalhado pelo paquidérmico Estado e pelos parasitas que nele se entocam. O desprezo pelo “patrimônio de todos os brasileiros”, com um desvio bilionário em descumprimento da meta da responsabilidade fiscal, com um profundo turbilhão político-econômico e com uma hostilidade interna dificilmente igualada em nossa história, desconstruíram o castelo de areia com que Lula conseguiu declarar inaugurada a República da estrela vermelha.

Não sem traumas, não sem profunda decepção, hoje muitos dos que acreditaram na irrealidade populista daquele texto, dos que embarcaram no sonho, já acordaram. Perceberam que a Carta ao Povo era vazia de verdades e que já trazia em si a marca indelével da perfídia e da traição. Não precisa, porém, ser tudo mentira. Uma coisa pode ser verdadeira: o Brasil pode se unir. Se unir para fazer valer, hoje, a linha da Carta que dizia haver “em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político”. Para fazer valerem, hoje, as linhas que alertavam que “o país não pode insistir nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral”. O colapso de certa forma já veio. Mas ele pode piorar ainda mais, como também pode ser remediado.

Não precisamos para isso, como também dizia a Carta, recorrer ao “protesto destrutivo”, como não o foram as lindas manifestações de 15 de março e 12 de abril. A Carta ao Povo Brasileiro precisa ter razão, hoje, como nunca teve, em uma coisa: precisamos ter, hoje como nunca, “uma população esperançosa, que sustente um projeto nacional alternativo”. Não o da propaganda mentirosa do PT. Um projeto de verdade! Que nos resgate da mediocridade, da infâmia, da pequenez, da insegurança que nos oprime e da vergonha que nos sufoca. Precisamos ver nossos irmãos contentes, nossos filhos esperançosos ao mirar o futuro, nossos “velhos de guerra” enxergando o raiar de uma luz reconfortante e eivada de dignidade para os que lhes herdarão a terra. Precisamos, devemos, temos esse direito! Esse envolvimento afetivo, esse sonho – ancorado na responsabilidade, no realismo necessário, no esforço inadiável, no suor da dedicação, e não em devaneios mal-intencionados -, esse sim, é possível. Permanece possível. Mas só se concretizará se assumirmos as rédeas de nossas vidas, de nossos rumos, de nossos destinos.

Não precisamos, hoje, de uma nova Carta ao povo brasileiro. Precisamos de uma Carta DO Povo brasileiro. Uma carta nossa, endereçada a nós mesmos. Uma carta em que nos digamos a nós mesmos: somos um povo, somos indivíduos, por nós mesmos podemos crescer, por nós mesmos podemos construir. Não somos dependentes. Não precisamos que nos digam o que fazer, que nos digam quem é nosso inimigo, não precisamos de tutores que se alimentam da nossa subserviência. O poder deles vem de nós. Nós vamos derrubá-los.

16 de agosto será o dia de ir às ruas terminar de escrever o primeiro parágrafo dessa carta. Ainda temos muitos parágrafos e muitas linhas para escrever. Mas só poderemos escrever o ponto final dessa carta e tornar o seu recado realidade quando tomarmos o nosso país das mãos do PT. Quando jogarmos na lata de lixo da história a carta de 2002, com seus delírios e torpezas, e marcarmos em verde e amarelo, com alma de fervor cívico e com consciência e empenho individuais, o nosso próprio documento fundante. O documento fundante de um novo Brasil. Um documento a ser escrito por milhões. Por caneta, lápis ou pena, o documento terá os nossos corpos, caminhando nas ruas, bradando nossa indignação. Por tinta, que ele tenha a nossa esperança.

Vem pra rua!

dezesseis

 

 

 

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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