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A Rússia Patrimonial

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Colaboradores

11.07.06

 

 

A Rússia Patrimonial

 

___ Rodrigo Constantino*

 

“A história da Rússia oferece um excelente exemplo

do papel que a propriedade desempenha

no desenvolvimento dos direitos civis e políticos,

demonstrando como a sua ausência torna possível

a manutenção de um governo arbitrário e despótico.”

(Richard Pipes)

 

Na Rússia, a noção de direitos individuais era totalmente submersa pela noção de obrigações para com o monarca. Somente em 1785 a coroa garantiu a posse de propriedades. Comparar a história da Rússia com a da Inglaterra, como fez Richard Pipes em seu livro “Propriedade e Liberdade”, é bastante elucidativo para comprovar a teoria do autor de que o direito de propriedade privada é uma condição totalmente necessária para que exista liberdade, ainda que não seja condição suficiente.

Quando a terra é escassa, a população acaba tendo que encontrar maneiras de resolver pacificamente os conflitos a respeito dela. O excesso de terras na Rússia acabou gerando um efeito perverso nesse sentido, pois a oferta parecia inesgotável. Os primeiros vikings na Rússia eram formados por uma casta militar-comercial e não desenvolveram a agricultura nem adquiriram propriedades fundiárias – em contraste com a Inglaterra, onde os conquistadores normandos reivindicaram a posse de todo o solo. A propriedade privada era um produto da benevolência do Estado. A monarquia era tão hostil para com a propriedade privada que recusava-se a reconhecer como propriedade inviolável mesmo pertences pessoais, reconhecidos como tal pelas sociedades mais primitivas.

O desenvolvimento do poder parlamentar na Inglaterra esteve estritamente ligado à necessidade da coroa de assegurar a aprovação parlamentar dos impostos e das taxas alfandegárias por não ser independente financeiramente. Na Rússia, em contraste, os czares não precisavam da autorização de ninguém para criar impostos, regalias e tarifas. Não tinham necessidade de parlamentos. Eles podiam apropriar-se de terras e confiscar qualquer mercadoria comerciável, podendo taxar a população conforme a sua vontade. A aristocracia rural e os burgueses eram servidores do Estado na Rússia, não desfrutando de nenhuma segurança econômica. O que importava eram os favores da coroa.

Pedro, O Grande, apesar de visto como o monarca que mais tentou ocidentalizar a Rússia, acabou na prática marcando o apogeu do patrimonialismo czarista. O poder da coroa tornou-se ainda mais arbitrário. A carga tributária foi imensamente aumentada. O governo e a Igreja detiveram o direito exclusivo de imprimir livros até 1783, e depois disso exerceram o poder através da censura. O Estado controlava as empresas comerciais também, prática bem diferente do que ocorria na Inglaterra, onde desde o século XIII já havia empresas licenciadas, trabalhando para particulares. Os servos tornaram-se sujeitos ao serviço militar compulsório no exercício permanente.

Durante o governo de Catarina, a Grande, alguns direitos de propriedade foram reconhecidos, mas estavam algo como 600 anos atrasados em relação à Inglaterra. Os pequenos e tardios avanços deveram-se à necessidade de Catarina aliar-se à pequena fidalguia fundiária para fortalecer seu poder. Ela foi bastante influenciada pelos fisiocratas, que viam a propriedade privada como a mais fundamental das leis da natureza e a agricultura como principal fonte de riqueza. Entretanto, a maior liberdade favorecia apenas uma pequena minoria, enquanto que para a maioria a servidão acabou intensificada. Desde o seu começo, já bastante tardio, o direito de propriedade na Rússia ficou associado à consolidação do poder da nobreza sobre os camponeses.

Na primeira metade do século XIX, medidas adotadas por Alexandre I e Nicolau I deram passos maiores rumo à liberdade dos servos e nobres. Em 1802, Alexandre proibiu os senhores de exilarem servos para a Sibéria, e em 1807, de condená-los a trabalhos forçados. Nicolau I ampliou os direitos econômicos dos servos, permitindo-lhes em 1848 adquirir propriedades rurais e urbanas despovoadas. Em 1861 foi assinado o decreto de emancipação dos servos.

A democracia política, ainda bastante limitada, chegou à Rússia somente em 1905 como resultado das pressões sobre o regime czarista trazidas pela derrota na guerra contra o Japão. A hostilidade intensificou-se durante a Primeira Guerra Mundial. O palco para a revolução bolchevique, inspirada nos philosophes franceses, estava armado. Com a tomada do poder pelos comunistas, todas as liberdades e direitos, junto com a propriedade, desapareceram por completo. Tinham raízes muito pouco profundas e foram reduzidas a pó. O terror e a escravidão que vieram com a revolução fizeram os anos dos czares parecerem suaves.

Richard Pipes conclui que “a experiência da Rússia indica que a liberdade não pode ser legislada; ela precisa crescer gradualmente, em forte associação com a propriedade e a lei”. Infelizmente para os russos, a propriedade privada nunca fincou suas raízes no solo da Rússia, cujo poder sempre esteve arbitrariamente concentrado no Estado. Enquanto a mentalidade inglesa, calcada na propriedade privada, pariu em 1776 a nação até então mais livre da história, a mentalidade patrimonialista russa gerou o regime mais genocida do mundo. Há um abismo intransponível entre ambos.

 

* Economista e autor do livro “Estrela Cadente: as contradições e trapalhadas do PT”.

http://rodrigoconstantino.blogspot.com

 


 

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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