Saddam vira símbolo sunita

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Colaboradores

05.01.07

 

Saddam vira símbolo sunita

___ Nahum Sirotsky *

Na noite, imaginou-se que o enforcamento seria adiado por uns dias. Saddam Hussein chegou a ditador do Iraque antes dos 50 anos de idade, depois de uma caminhada repleta de assassinatos que, diz a história ou lenda, ele cometeu. Não que fosse um indivíduo culturalmente despreparado. Era inteligente, carismático, implacável e cruel. E ambicionava ser o líder supremo do Oriente Médio. Mandou matar centenas de milhares de seus concidadãos, o que está mais do que comprovado.

Não discuto a pena imposta. Vários países árabes incluem a pena de morte em seus códigos. Ainda recentemente, o adultério era punido com o apedrejamento. E certos meios ainda praticam a circuncisão da mulher, o corte do clitóris. Discuto a oportunidade. Eram os dias em que os muçulmanos comemoram o Eid ul-Adhah, o Dia do Sacrifício. O dia em que Abrão, o Patriarca das três religiões monoteístas (Ibrahim em árabe), resolve sacrificar seu primogênito a Deus como prova máxima de sua fé. Izaak, na tradição judaica, Ismael na muçulmana. Então, como a maioria deve lembrar, aparece um cordeiro que o anjo indica deva ser o sacrificado. Os árabes se reconhecem como descendentes de Ismael, o filho de Agar, a escrava de Sara, mulher de Abrão.

Os Dias Santos coincidem com o haji, a peregrinação a Meca, cidade da Arábia saudita, local de nascimento de Maomé, o Profeta, a quem Alá, Deus pela tradição muçulmana, revelou o Corão, o livro fundamental do islã. Todo muçulmano é obrigado a realizar o haji ao menos uma vez na vida. Meca e Medina, onde Maomé nasceu e viveu, são as cidades mais sagradas do islã.

O chefe do governo iraquiano é xiita, a seita majoritária no país. Saddam era sunita, a seita minoritária no Iraque e majoritária em todos os demais países muçulmanos, excetuado o Irã que é da etnia persa, e entre os sunitas escolhia muitos de seus auxiliares. Não facilitava a vida do xiitas. Sunitas e xiitas não convivem bem. Os xiitas tardaram séculos da criação da seita para serem aceitos como muçulmanos. São considerados inferiores e um tanto heréticos pelo sunitas.

Realizam peregrinações para a cidade onde está enterrada a cabeça do criador da seita, Ali. Se fustigam até correr sangue. São práticas inaceitáveis aos sunitas que se apresentam como herdeiros das mais puras tradições de Maomé. Dezenas de milhares de sunitas, talvez mais, foram até a cidade de nascimento de Saddam para suas últimas homenagens. Binn Laden é wahabita, seita puritana ligada aos sunitas.

Os próximos dias tendem a demonstrar que todo o cerimonial em torno da morte de Saddam ofendeu aos sunitas. O desejo deles de vingança talvez não se limite ao Iraque onde devem ocorrer mais atos de violência. Talvez a guerra civil, expressão que se evita atribuir ao que já vinha acontecendo, uma média diária de cerca de cem mortos de ambas as seitas. Em Meca, milhões de crentes protestaram. Sunitas são os palestinos dos quais o Hamas é expressão mais radical. São Egito, Arábia Saudita, quase todos os países árabes, os países asiáticos muçulmanos, a maioria dos russos muçulmanos, cerca de 20 por cento da população, a maioria dos muçulmanos emigrados para a Europa, os turcos. Estão onde quer que se encontrem muçulmanos. Os radicais, os militantes, são sempre minorias em quaisquer comunidades, daí seu radicalismo. Será inexplicável se não ocorrerem atos de violência pelo mundo.

Saddam estava condenado e poucos dias mais não prejudicariam a pena. Morto, de cabeça erguida como se mostrou ao mundo, virou símbolo do patriotismo sunita anti-ocidental. Deve dar muita dor de cabeça. Talvez até fazer escalar o confronto com o Ocidente não muçulmano. Talvez se expresse como mais um incorrigível erro de calculo.

* Jornalista brasileiro em Israel

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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