A Morte do Neoliberalismo

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COLABORADORES

12.09.08

 
 

A Morte do Neoliberalismo

RODRIGO CONSTANTINO*

 
 

“Não olhe para onde você caiu, mas sim onde você escorregou.”

(Provérbio Africano)

 
 

Com o anúncio de que o governo americano irá salvar, através da injeção de capital, as duas gigantes do setor imobiliário, várias viúvas do intervencionismo aproveitaram para decretar a morte do “neoliberalismo”, demonstrando grande regozijo com a desgraça alheia. No entanto, há muita ignorância – ou então má fé – por parte dessa gente, uma vez que boa parte dos problemas com a Fannie Mae e a Freddie Mac vem justamente do intervencionismo estatal. A tentativa de culpar o livre mercado por uma crise séria não é algo novo, e os riscos desse julgamento inadequado são enormes, como vimos depois da crise de 1929, com um aumento assustador dos poderes do governo**. Por isso é tão importante tentar desfazer essa desinformação acerca do tema.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que os Estados Unidos não são o ideal liberal. Em uma resenha antiga que escrevi sobre o livro A Obsessão Antiamericana, de Jean François-Revel, expliquei logo no começo esse ponto, fazendo o seguinte alerta: “Lá, o Leviatã é um monstrengo também, que extorque quase 30% da riqueza privada em nome do bem-estar social. Mas atualmente é o que temos mais próximo do liberalismo, justamente a causa de seu sucesso relativo”. Logo, a tentativa de encarar o modelo americano como o ícone perfeito do capitalismo liberal não faz sentido. Os liberais têm muitas críticas ao excesso de intervenção estatal na economia americana. Quem tem dúvida disso, basta navegar pelos sites do Cato Institute ou do Mises Institute para ter uma boa idéia dos duros ataques que o governo americano sofre por parte dos liberais. Um alvo desses ataques sempre foi justamente a existência dessas Government Sponsored Enterprises (GSE), empresas criadas e garantidas pelo governo para atuar no mercado de hipotecas.

Como exemplo, temos um artigo escrito pelo presidente do Mises Institute, Lew Rockwell, onde ele explica as origens dessas duas empresas em crise:

“A Fannie Mae (Federal National Mortgage Association) foi criada em 1938 por Franklin Delano Roosevelt, durante o New Deal. Sua função era fornecer liquidez ao mercado hipotecário. Durante os 30 anos seguintes, ela desfrutou do monopólio do mercado secundário de hipotecas nos EUA. Tornou-se uma corporação privada em 1968, para conter o déficit orçamentário do governo. A Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Company) foi criada em 1970, no governo Nixon, para expandir o mercado secundário de hipotecas e, assim como a Fannie Mae, tem a função de fazer empréstimos e dar garantias a empréstimos. Tanto a Freddie Mac como a Fannie Mae, junto com outras empresas, compram (dos bancos) hipotecas no mercado secundário e as revendem para investidores no mercado aberto como títulos lastreados em hipotecas. Ambas são empresas de capital aberto.

A Fannie Mae e a Freddie Mac são conhecidas como ’empresas apadrinhadas pelo governo’, o que significa que elas são empresas privadas, mas com propósitos públicos. Esse tipo de empresa tem o apoio implícito do governo americano, conquanto não tenha obrigações diretas para com ele. Por causa desse apadrinhamento que elas recebem do governo, essas duas empresas conseguem financiamentos a taxas vantajosas – os credores imaginam que, em caso de insolvência, o governo ajudará essas empresas. E, devido a esses financiamentos facilitados, elas acabaram por sobre-estimular o mercado imobiliário, inflando-o a alturas inimagináveis, ao comprar hipotecas que foram securitizadas por bancos de todo o país.”

A conclusão do autor é inequívoca: “Essas duas empresas não deveriam existir”. A Fannie Mae foi criada pelo governo mais intervencionista que os Estados Unidos já tiveram, criador do New Deal, um programa que plantou as sementes da estagflação que destroçou a economia americana em décadas posteriores. A “herança maldita” de Keynes não poderia ter um exemplo prático melhor do que essa política expansionista dos gastos públicos e dos seus tentáculos burocráticos. Muita gente, por falta de conhecimento ou viés ideológico, atribui o oposto ao New Deal: um prêmio por salvar a economia americana. Nada mais falso. Ora, crescer artificialmente por algum período até um país socialista consegue. O problema vem depois, quando a conta precisa ser paga. Uma analogia boa é alguém ficar eufórico por conta de bebida alcoólica, ignorando que depois terá que enfrentar uma ressaca. Se esta for postergada com mais bebida ainda, tudo que ele irá conseguir é uma cirrose. Os keynesianos acreditam que o rabo é que balança o cachorro, acham que o consumo é que gera crescimento, e não a poupança e o investimento. Eles acreditam que é possível alguém se suspender puxando os próprios suspensórios! A realidade cobra a fatura do sonho depois, com juros e correção monetária. “No longo prazo estaremos todos mortos”, afirmou o pai da criatura, ignorando que com suas idéias o longo prazo chega antes.

Voltando à crise das gigantes imobiliárias, elas jamais teriam acumulado tanto passivo se não fosse a garantia do governo. Essas empresas possuem dívidas totais superiores a US$ 5 trilhões! Isso representa mais da metade da dívida nacional americana. Lew Rockwell comenta: “Empresas apadrinhadas pelo governo não estão sujeitas às disciplinas do mercado, como as empresas do setor privado. Seus títulos são listados como títulos do governo, o que faz com que seus prêmios de risco não sejam ditados pelo livre mercado”. O grau de alavancagem dessas empresas foi ampliado exponencialmente pela garantia estatal. Rockwell lembra qual regime possui essa mistura entre governo e gestão privada: “A origem de ambas essas organizações está na legislação federal. Elas não são entidades de mercado. Elas há muito são garantidas pelo contribuinte. Não, elas também não são entidades socialistas, pois são gerenciadas privadamente. Portanto, elas ocupam um terceiro status, para o qual há um nome: fascismo”.

Como fica claro, aqueles que logo aproveitaram para atacar o livre mercado foram muito precipitados. Deveriam pesquisar antes os fatos. Acabaram errando feio o alvo, talvez de forma deliberada. Parasitas precisam sempre defender mais intervenção estatal, pois vivem disso. Talvez esse seja um dos motivos por trás da acusação infundada de muitos. Outro fator é o ideológico. Por questões patológicas, o triste fato é que muita gente ainda condena o capitalismo liberal pelos males do mundo, não obstante tanta evidência contrária. O importante disso tudo é não deixar essa poluição – deliberada ou não – ofuscar a verdade. Uma vez mais tentam jogar nas costas do liberalismo a culpa de algo que foi causado pelo próprio governo. Se fosse apenas uma questão de justiça com os fatos, poderíamos ignorar o uníssono das viúvas de Fidel, pois a honestidade nunca foi o forte dessa turma. O problema mais grave é que idéias têm conseqüências, e muitas vezes nefastas. Se o diagnóstico da doença for errado, o remédio poderá ser fatal. Em outras palavras, se o livre mercado sair como grande vilão dessa crise, e se a intervenção estatal for vista como solução, pode-se preparar o atestado de óbito. O longo prazo de Keynes estará logo ali…

 
 

** Quem tiver interesse no tema da crise de 1929, recomendo o livro America’s Great Depression, de Murray Rothbard, onde os fatos são resgatados, mostrando que a hiperatividade do governo foi a principal causa da depressão que assolou a América.

 
 

* Economista, articulista, autor de ‘UMA LUZ NA ESCURIDÃO – as idéias de grandes pensadores da humanidade’

 
 

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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