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Você não é dono de nada.  Pelo menos é assim que pensam os coletivistas

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Um dos argumentos mais insidiosos utilizados pela esquerda para sustentar suas freqüentes pretensões de estabelecer alíquotas progressivas de impostos sobre a renda e as propriedades dos cidadãos, de acordo com os níveis de riqueza, estabelece que o sucesso das pessoas não é resultado apenas de seu próprio talento e esforços, mas também, senão principalmente, do trabalho duro de outras pessoas e, evidentemente, da ação do governo.

Tal argumento encontra-se tão amplamente disseminado nos Estados Unidos, por exemplo, que a expressão “you didn’t build that” já ganhou até verbete na Wikipedia.  Não por acaso, um dos mais famosos e eloquentes defensores desse pensamento é o presidente Barak Obama. Num comício no estado da Virgínia, durante a campanha presidencial de 2012, Mr. Obama foi categórico:

“Se você é bem sucedido, alguém ao longo do caminho deu-lhe alguma ajuda. Houve um grande professor em algum momento de sua vida. Alguém ajudou a criar este inacreditável sistema americano que temos, o qual lhe permitiu prosperar. Alguém investiu em estradas e pontes. Se você tem um negócio – você não o construiu.  Alguém fez isso acontecer. A Internet não se inventou por conta própria. Pesquisas do governo criaram a Internet, para que todas as empresas pudessem ganhar dinheiro com ela.”

“Quando obtemos sucesso, este sucesso é devido à nossa iniciativa individual, mas também porque fazemos as coisas juntos. Há algumas coisas, como o combate a incêndios, que não fazemos por conta própria. Quero dizer, imagine se todo mundo tivesse seu próprio serviço de bombeiros. Isso seria uma maneira mais difícil de organizar o combate aos incêndios”.

Um ano antes, a deputada democrata Elizabeth Warren fez um discurso bastante semelhante, que se tornou viral nas redes sociais, em favor da cobrança de impostos progressivos sobre os ricos.  Salientando que ninguém enriqueceu na América sem depender de serviços públicos pagos pelo resto da sociedade, Warren vociferou:

“Não há ninguém neste país que tenha ficado rico por si próprio. Ninguém. Você construiu uma fábrica? Bom para você. Mas eu quero ser clara. Você mandou seus produtos ao mercado pelas estradas que o resto de nós pagou. Você contratou trabalhadores que o resto de nós pagou para educar. Você está seguro em sua fábrica por causa da polícia e dos bombeiros que o resto de nós paga. Você não precisa se preocupar com bandos de saqueadores – nem contratar alguém para se proteger contra isso – por causa do trabalho que o resto de nós faz. Olhe, você construiu uma fábrica e a transformou em algo fantástico, uma grande ideia. Deus o abençoe. Você deve manter uma boa parte dela. Mas o contrato social subjacente diz que você deve retornar um pedaço disso à sociedade, para [ajudar] a próxima criança que virá mais à frente.

Apesar do palavrório bonito, é tudo balela!  Sofismas baratos.  Logo de cara, é possível argumentar que, mesmo com alíquotas iguais para todos, a contribuição dos mais ricos será sempre maior, já que a base de cálculo dos seus impostos é também maior.  O problema é que os esquerdistas não costumam se curvar à lógica.  Seu mundo é pautado por um estranho senso de justiça segundo o qual o simples fato de alguém ter mais do que outros já indicaria uma profunda injustiça, que deve ser corrigida pelos abnegados governantes, através de impostos sempre crescentes.

Num ótimo artigo de 2002, intitulado Seu cão é dono da sua casa, o grande liberal Anthony de Jasay tratou desse tema de forma magistral, que tentaremos traduzir de forma resumida abaixo.

Você sabia que seu cão é dono da sua casa, ou melhor, de uma parte dela? Se isso não é imediatamente óbvio para você, você vai achar útil considerar alguns aspectos da ética e da economia de redistribuição.

Seu cão é um corajoso e temível guardião de sua propriedade. Sem os seus serviços, provavelmente você teria sido assaltado algumas vezes. Muitos de seus pertences teriam sido levados e o valor de seu patrimônio seria muito menor.  A diferença entre o valor real de sua propriedade e seu valor desguarnecido é a contribuição do seu cão.

Outros raciocínios são necessários para desvendar totalmente a questão sobre quem é o verdadeiro dono da casa que você chama de sua, ou melhor, quem é dono de tudo. Se não houvesse o Corpo de Bombeiros, a rua inteira poderia ter sido queimada e “sua” casa não valeria nada. Logo, os bombeiros têm contribuído com algo para seu patrimônio, cujo percentual deve ser colocado em seu nome. Os serviços de infraestrutura não devem ser esquecidos, pois você não gostaria de viver em uma casa sem água, eletricidade, aquecimento e assim por diante. Logo, algum valor deve ser creditado a quem trabalha incansavelmente para fornecê-los. Você também não pode simplesmente ignorar o construtor que ergueu a casa, o madeireiro, a fábrica de tijolos, de cimento e todos os outros fornecedores, sem os quais o construtor não poderia tê-la terminado. Eles também devem ter a sua contribuição reconhecida.

Neste ponto, você provavelmente já desistiu de dizer que a casa é sua, e concluiu que quaisquer outras propriedades que você pensava possuir, realmente pertencem à sociedade. Todo mundo tem direito a uma participação justa nas suas propriedades, assim como você tem uma participação justa nas propriedades em nome alheio.  A sociedade – “nós” – tem o direito de decidir quão grande deve ser a participação de cada um e de todos. “Nós” somos os legítimos proprietários de tudo, os mestres do “nosso” universo. Como tais, “nós” temos o direito de tirar de Pedro para dar a Paulo, bem como regulamentar o que Pedro e Paulo estão autorizados a fazer em matéria de produção, comércio e consumo.

A legitimidade da tributação redistributiva depende disso. O argumento padrão é que, sob uma completa autonomia individual, você poderia alegar que possui aquilo que produz, mas sob o sistema de divisão do trabalho as contribuições de todos para tudo o que é produzido e construído é que devem ser consideradas.

Ao ler o argumento acima, quão rápido você reconheceu a falácia subjacente ao raciocínio central? Ora, o equívoco fundamental, a premissa falsa, é que “instituições” não agem, a “sociedade” não tem mente, nem vontade, não trabalha e não faz contribuições. Apenas as pessoas fazem essas coisas. Imputar responsabilidade e créditos pela riqueza acumulada a entidades que não têm nenhuma vontade é um absoluto disparate. Trata-se de uma variante da notória falácia da composição.

Uma vez que isto é compreendido, podemos passar para o ponto principal. Todas as contribuições de outros para a construção de sua casa foram pagas em cada elo da cadeia de produção. Todas as contribuições correntes para a sua manutenção e segurança são igualmente pagas no momento de sua realização. O valor das coisas foi e está sendo dado pelo preço pago e recebido, ainda que o “valor” não seja sempre medido em dinheiro ou bens, mas às vezes por afeição, lealdade ou senso de dever.

Tudo isso é parte do sistema universal de trocas.  Num acordo voluntário, uma vez que cada lado entregou e recebeu a contribuição acordada, as partes estão perfeitamente quites.  Por outro lado, se há algo que podemos dizer com absoluta segurança de qualquer troca voluntária realizada no mercado é que todas as partes envolvidas preferiram entrar nela a ficar de fora.

Entretanto, é sempre possível afirmar – como invariavelmente faz a esquerda – que as trocas voluntárias raramente são equitativas, uma vez que as partes têm “poder de negociação” e informações desiguais.

Paradoxalmente, no entanto, as mais modernas teorias de como as sociedades deveriam funcionar repousam justamente na ideia de “acordo”. Quase invariavelmente, tal acordo é fictício, hipotético e “celebrado” como se todos os homens tivessem igual “poder de barganha” ou vissem as coisas com o mesmo “véu” de ignorância ou incerteza sobre o futuro. Ou sentissem a mesma necessidade de uma autoridade central. O tal “contrato social”, nas suas muitas versões, é talvez o mais conhecido destes supostos acordos. Todos foram projetados para atender aos pontos de vista normativos de seus inventores e justificar os tipos de arranjos sociais que eles gostariam de ver adotados.

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Caros Leitores,

Este é meu último artigo como colaborador deste Instituto Liberal.  Infelizmente, afazeres profissionais estão impedindo que eu consiga fazer este trabalho da forma como gostaria e que vocês merecem.  Agradeço a confiança do Rodrigo, do Bernardo e de todo o pessoal do IL, bem como a paciência de todos que me acompanharam nesses quase três anos.

Forte abraço a todos!

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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