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A opressão do oprimido

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tresraças
por THIAGO PINHEIRO*
“Quero saber mais dos ‘reis’ que foram encontrados (e assassinados) na América pelos espanhóis e menos dos reis que fizeram sua glória graças à pilhagem do continente em que vivemos. Quero saber mais dos índios que estavam aqui e dos negros que vieram para cá. Explorar esse legado negligenciado nos livros de escola”. (Cynara Menezes)
Ao ler o texto “Desviralatizar é preciso”, dentre outras ideias, a frase acima me saltou aos olhos. A autora e eu olhamos para o mesmo objeto, ou seja, a necessidade de se expor um arcabouço mais amplo sobre as civilizações presentes no continente americano. Até gostaria de usar outro nome para “América”, ou “americano”, já que são nomes europeus. Talvez “América”, no passado, tivesse o nome de “YvyMarae”, ou algo assim. Pois bem, possuímos o mesmo olhar, não o mesmo olho. O mesmo olhar porque concordamos com o método – o histórico – e a necessidade de promover a cultura antes presente. Mas não possuímos o mesmo olho porque enxergamos aspectos diferentes, até porque partimos de lugares hermenêuticos diferentes. E como ela mesma afirma no texto, “é tudo diferente, dependendo do ângulo”. Quero convidar o leitor a olhar para um outro ângulo. E esse ângulo é: “o oprimido foi opressor”. O método histórico parece ser o grande critério norteador. Mantenhamos, portanto, esse critério tendo um referencial, que é o dado histórico da colonização europeia e de que maneira Colombo e Cabral exerceram sua opressão no território do lado de cá do Atlântico.
A partir disso, a minha principal tese é a de que a história mostra uma alternância hegemônica colonizadora. O que vem a ser isso? É a mudança de colonizador para colonizado em um movimento cíclico. Oprimido passa a ser quem recebe imposição do opressor; opressor é quem exerce violência contra o oprimido. Daí, para exemplificar a minha tese antes de desenvolvê-la, convido a considerar o povo helênico: eles eram oprimidos ou opressores? Em relação aos persas, eles foram opressores; em relação aos romanos, eles foram oprimidos. Daí é mais uma questão arbitrária do que lógica estabelecer quem vai ser objeto do fetiche marxista.
Em relação aos aspectos históricos da formação do povo que havia aqui antes de Colombo, as fontes históricas mostram querelas em praticamente todas as civilizações que aqui estavam: guerras tribais, disputas territoriais, sistemas cambiais e escravidão. Carlos Fausto destaca essas nuanças, afirmando que o estabelecimento dos tupis-guaranis envolveu conquista bélica, já que é mencionado que eles expulsaram ou mataram os que habitavam o litoral antes deles. As várias etnias nativas trazem histórias com pano de fundo similar entre si, mas cada uma relata peculiaridades de conquistas e êxitos: posse de terra, domínio tecnológico, etc. Assim, praticamente todas as etnias coincidem em sua ocupação do continente americano, que é pelo estreito de Bering. A partir daí, com o estabelecimento territorial, surgem as disputas por poder. Outro exemplo da estrutura bélica dos povos é evidenciado pelo canibalismo, que era uma forma de absorver as virtudes do guerreiro da tribo vencida.
A hipótese de que o surgimento e acirramento das diferenças sociais seriam decorrentes do acesso a determinadas áreas de recursos e da competição por elas é amplamente utilizada como base para uma série de interpretações do registro arqueológico, e a maior parte dos pesquisadores (…) alia a questão da territorialidade à necessidade de organização para a guerra e consequente surgimento de centralização política.
A verdade é que os povos que Cabral e Colombo encontraram aqui na América contavam as suas histórias porque eram os vencedores até antes de 1492. Fazendo uma análise retroflexa, os europeus contam sua história porque são vencedores: venceram os tupi-guaranis, incas, maias, astecas, etc. Antes deles, os incas, maias, astecas, tupi-guaranis contavam suas histórias porque venceram outros anteriores. Esses outros contavam suas histórias porque venceram outros… Até chegar ao embrião da sociedade humana, que remonta ao modelo da primeira sociedade na África. Daí, caso não queiramos nos identificar com nenhum opressor, não devemos nos identificar também com os tupis-guaranis, já que, antes de serem oprimidos pelos europeus, foram opressores. A alternativa legítima de denunciar a opressão é fazer um retorno à primeira sociedade africana, que nunca foi opressora, porque foi o embrião das outras sociedades.
Esse, a meu ver, é o maior dilema. Porque nossa sombra carrega arco e flecha, pólvora, lança e laço. Mas carrega, também, correntes, algemas e navios negreiros. Lembrando que os negros que foram escravizados eram, em grande parte, prisioneiros de guerra. Eles um dia contaram suas histórias, até que foram capturados pelas tribos do litoral da África e vendidos pelos próprios africanos aos europeus. Ou seja: nossa tríplice raiz étnica é oprimida e opressora. Enfim, os povos colonizados e escravizados foram colonizadores e escravizadores antes do século 16. Cabe a nós identificar as opressões vigentes e romper com o etnocentrismo.
É curioso ver essa mesma estrutura nas civilizações da Antiguidade, a partir da hegemonia dos assírios. Os assírios foram subjugados pelos babilônicos que, por sua vez, foram colonizados pelos persas. Os persas foram derrotados pelos gregos, e a civilização grega foi vencida pelos romanos. Os romanos sofreram as invasões dos povos nórdicos, que brigavam entre si, após a derrocada de Roma… Esses povos nórdicos se tornaram os francos, os germânicos, os ibéricos, os anglos. Os ibéricos invadiram a América e parte da África, os francos também invadiram a África e parte do oriente. Os anglos foram para a América. Os chamados bárbaros conservaram a fé cristã e, séculos depois, os árabes e a fé muçulmana se cruzam com esses povos. Ou seja: a dança de oprimido e opressor/opressor e oprimido não é estanque.
Hoje, nós somos essencialmente europeus, africanos e indígenas. Nós contamos assim a nossa história. Aliás, a história é europeia porque a história de todas as civilizações ocidentais coincide com a história da Europa, por causa das grandes navegações. O fato de o espanhol dizer que descobriu a América não muda o fato de o índio por ele conquistado dizer que descobriu um território e matou os que antes dele estavam lá. Afinal, o que legitimaria a opressão exercida pelos oprimidos sobre os espanhóis, e não as dos espanhóis sobre os oprimidos?
Além disso, eu não seria quem eu sou se houvesse apenas índios aqui. Considero que somos culturalmente superiores aos europeus, porque temos algo a mais: o atabaque e o cocar nos salvam! Essa é a história que temos a contar. E ainda que afirmemos que dia 12 é dia de Nossa Senhora de Aparecida, e não o dia da hispanidade, lembremo-nos que Aparecida é uma santa católica, religião trazida pelos europeus! Não basta o Brasil contar sua história, estabelecendo a razão de o dia 12 de outubro ser feriado aqui? É proibido à Espanha ter um feriado em que se comemora a chegada de Colombo à América? Aliás, como eu disse antes, devemos aceitar esse nome – América – no nosso continente? Não seria igualmente necessário que passássemos a ensinar tupi-guarani nas escolas, num projeto de substituição idiomática no Brasil? Afinal, nossa língua é europeia. Que tal suspendermos a lei brasileira e implementarmos a lei de talião, o canibalismo e o tribalismo, já que a organização social atual foi estabelecida pelos europeus? Se bem que a esquerda tem tentado isso: tribo de negros, tribo de brancos, tribo de índios, tribo de mulheres, tribo de homens, tribo de heterossexuais, tribo de homossexuais. Poderíamos, também, denunciar a medicina e a engenharia, retornando-nos aos rituais com ervas e à habitação em ocas – se bem que os índios tinham uma excelente saúde! Mas insisto em dizer: muitos desses costumes dos índios que foram colonizados suplantaram outros aspectos que se perderam pela conquista tupi-guarani.
Enfim, nós devemos nivelar por alto a nossa tríplice origem, além de nos esforçarmos para produzir algo autóctone, levando em consideração, é claro, todos os raios que se formam para nos dar a brasilidade. Afinal, ser brasileiro é misturar tambores, violino e berimbau.
*Thiago Pinheiro é doutorando em Teologia, Mestre em Ciência da Religião, Bacharel em Teologia e bolsista da CAPES. 

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