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Wilhelm Röpke: breves notas sobre o pensamento de um liberal na Alemanha do pós-guerra (Pt. 5)

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*Arthur Dalmarco

No último artigo da série, passo a analisar as noções finais para compreendermos o pensamento de Röpke, o liberal que, também no cenário político, foi capaz de conquistar vitórias importantes ao defender uma forma de liberalismo distinta daquela usualmente defendida após a Segunda Guerra Mundial, um modelo de admitida elegância, mas sem blindá-lo de eventuais críticas. Nesse momento, veremos a avaliação de Röpke acerca dos problemas da desigualdade relativa; dos distúrbios ao equilíbrio econômico; e do antagonismo entre a economia humana empreendida pela Alemanha no pós-guerra e a “alternativa coletivista”.

A respeito da desigualdade relativa, Röpke assenta a seguinte perspectiva [1]:

“The contrast between rich and poor, between the hovel and the palace, between the haves and the have-nots — this is the great question which for thousands of years has agitated the minds and hearts of men. And, inevitably, the ages in which the contrast was most acute brought forth the champions of justice and equality: the prophets of the Old Testament, the Gracchi of Rome, the founders of the great religions, the peasant leaders and the religious dissenters of the Middle Ages and of the Reformation, the socialists, Communists, and anarchists, the agrarian and social reformers from Solon to the present.”

Destaca, contudo, que não é apenas a desigualdade em termos do tamanho das receitas auferidas que cria uma certa animosidade no meio social, mas também a origem e natureza dessas receitas desempenham um papel relevante. Isso porque efeitos distintos são gerados a depender da aplicação do dinheiro, posteriormente convertido em renda: enquanto certas aplicações advêm de esforços visíveis, outras, como dividendos, juros, alugueis e assim por diante, não são sobremaneira “evidentes” para os leigos.

Sem necessidade de adentrar nos pormenores das consequências dessas visões na sociedade, é preciso destacar que, para Röpke, a existência de ambas gera uma tendência na sociedade a acreditar que esse fato é, em si, um problema, ao invés de percebê-lo como parte necessária do processo de mercado, sujeitos às mesmas leis que orientam a formação de preços, por exemplo. Nesse sentido, e tal qual o sistema de preços, tentativas de alterar tal elemento do processo de mercado a força só pode gerar distorções com efeitos mais negativos que a desigualdade relativa em si [2].

Ao defender, naquele momento, um equilíbrio que julgava condição essencial ao processo de mercado para funcionar, Röpke enfrentava uma retórica ácida, conforme explicita no seguinte trecho [3], contra-argumentando à altura:

“He who wishes to change these prices — and what economist would not wish to see rewards to the human factor of production at as high a level as possible is certainly free to attempt to do so. But instead of trying to acquire the facile reputation of a “social-minded” man by vague demands for a “just wage,” by railing against “interests la very” and “profiteering,” by emotion al outpour rings over “gluttonous land lords,” and real estate “speculators,” and instead of shoving aside as “liberalistic” the objections of to se who understand something of these matters, one would serve his country better by applying himself to an unprejudiced study of the complex interrelationships of the economy.”

Em virtude dessa visão quase irrepreensível do processo de mercado (lembrando-se do período em que estava inserido), era claro para Röpke que qualquer tentativa de interferir diretamente nesses casos em que a retórica socialista usualmente era pujante (como a tributação de dividendos com vistas a aumentar os salários), trazia como resultados práticos, em médio-prazo, frequentemente prejuízos aos próprios trabalhadores. Ele se referia a esse efeito retórico que pairava sobre a realidade dessas questões como “ilusão de ótica” – grandes receitas atraem muita atenção, de tal forma que as pessoas são levadas a esquecer o quão reduzido é o número de pessoas que as auferem, e que a transferência de tal renda, em qualquer medida, não é capaz de produzir “real igualdade de receitas” de forma alguma [4].

Para Röpke, o papel institucional-legal deveria produzir um ambiente de competição “orgânica”, capaz não apenas de amainar os efeitos negativos sobre os mais pobres do processo de mercado, mas também fomentar a livre-iniciativa de tal forma que fosse inerente à moldura institucional a capacidade de descentralizar a excessiva concentração de riqueza que pudesse surgir ao longo do processo de mercado.

Quanto aos distúrbios sobre o equilíbrio econômico, Röpke centraliza sua análise naqueles elementos que são capazes de “perturbar” o seu suposto equilíbrio de mercado, utilizando como contraparte em seu argumento as experiências socialistas para justificar a universalidade de sua defesa [5]:

“Also, since a socialist state will have to reckon with the same sources of disturbance (the division of labor, advances in the technology of production, and instability of the outside world), it would be erroneous to assume that it would be spared the problem of equilibrium disturbances. So long as there is division of labor and a highly developed technology, so long as man, nature, and society have not be come rigid machines, so long as there are new inventions, harvest fluctuations, changes in consumption habits, migrations, fluctuations in births and deaths, wars and revolutions, optimism and pessimism, trust and mistrust, every social order will be confronted with the problem of disturbances in economic equilibrium. Wherever these disturbances occur, one must adapt oneself to them in order to overcome them. The difference between the market economy and the collectivist economy in this respect lies fundamentally in the fact that the process of adaptation in the market economy, in accordance with the essence of this economy, spontaneous; in the collectivist economy, however, adaptation is “commanded.””

Apesar de podermos perceber claramente a influência de Mises sobre a concepção de Röpke aqui exposta, gostaria de destacar o fato de que essa concepção orienta, ainda, o apreço que Röpke possuía para desenvolver um sistema institucional estável o bastante para que os indivíduos pudessem voltar a empregar seu trabalho e a tecnologia de produção existente para superar distúrbios mais acentuados, como as depressões – para ele um problema mais relevante que a própria distribuição de renda. Ademais, rejeita de pronto a ideia de criar, durante depressões, condições favoráveis de “pleno emprego” artificialmente por meio da impressão de dinheiro, definindo como uma situação “anormal” essa distorção do processo de mercado, afirmando que é um processo sem fim de constante pressão inflacionária incapaz de resolver os problemas de fato.

Sua crítica ao keynesianismo, em voga no período em que escreveu, não é segredo a essa altura, mas ele dedica uma larga parcela de sua obra em análise para afirmar que o maior problema com o keynesianismo não era exclusivamente a sua capacidade de convencer os economistas por sua robustez matemática, mas a própria personalidade de John Maynard Keynes, extremamente cativante nos meios em que circulavam [6].

Por fim, cabe ressaltar brevemente, ao fim da jornada de 5 artigos, como Wilhelm Röpke descreve o que chamou de “terceira via”, o experimento da Alemanha no pós-guerra, após ter sido arrasada não apenas materialmente como resultado da guerra em si, mas também a devastação causada pelas políticas nacional-socialistas [7]:

“Under the rule of the National Socialists it gave the world the example of a collectivist economy — which of necessity became increasing inflationary and of which the chief marks were planned economy, price control, wage control, capital control, and exchange control. And the whole world showed great zeal in end favoring to follow this example as rapidly as possible. Indeed, until quite recently the almost universally encountered brand of economic policy was, in essence, the National Socialist variety; and in not a few countries— the so-called under developed ones — it is a policy which is still very much in vogue. […] It was the complete bankruptcy of this inflationary collectivism which (as indicated earlier) made possible the subsequent legendary economic revival of the non-Communist half of Germany. The success of this reform was so extraordinary, and the transition from poverty and hopelessness to prosperity and feverish economic activity so sudden, literally from one day to the next, that the term “German economic miracle” gained world-wide currency”.

Röpke destaca, ainda, que o “milagre econômico” não consistiu em nada além de, em um mundo sob os efeitos do “inflacionismo e coletivismo”, demonstrar que o sistema de mercado, aliado à disciplina monetária, são capazes de produzir resultados excelentes, política e socialmente. Não esconde, no entanto, críticas a abordagens excessivamente simplificadoras do processo de mercado, empregadas, segundo ele, tanto pelos seus “amigos quanto inimigos”.

Nesse sentido, Röpke não acreditava em uma agenda extremamente positiva como a keynesiana para resolver o problema da depressão, assim como não acreditava que seria possível criar uma moldura para o processo de mercado simplesmente abstendo o estado de interferir na economia em períodos de depressão. Nesse sentido, afirma [8]:

“Of much more significance in the shaping of a constructive policy are the abundant proofs that the structure of the market economy is not nearly as simple as its friends, as well as its enemies, have maintained. We now know that its functioning depends upon a whole series of economic, juridical, moral, psychological, and political conditions, none of which are simply “given,”and which, in any event, must be largely restructured to fit the changed needs of the present. Above all it will be necessary to overhaul, with the help of trained economists, the legal framework of our economic system (bankruptcy laws, corporation laws, patent laws, monetary and banking laws, and antitrust laws).    

Just as we ought not to let our = selves be led astray in the execution of this task by ideological name-calling, so ought we to take care not to allow ourselves to be paralyzed by the weak – willed fatalism of those who would have us believe that the dissolution of our economic system is a matter of fate, to struggle against which would be mere quixotism. This belief that economics is subject to in electable laws of evolution — a part of the abundant residue of Marxist thought still current in our time — is no more justified today than it was previously, and is all the less appropriate to a generation which prides itself on possessing more courage and energy than did its predecessor.”

A terceira via, dirão alguns, é um projeto que está fadado ao fracasso no longo prazo por consequências já descritas com maestria por Bertrand de Jouvenel; mas não podemos nos furtar a elogiar a maestria com que Röpke, Eucken, Böhm, e demais ordoliberais foram capazes de conceber, inspirados pelo espírito liberal, um sistema institucional que pudesse fomentar, com o menor grau de interferências possíveis, a competição e o processo de mercado. A Alemanha até hoje colhe os frutos plantados por esses indivíduos, que ao vencerem as barreiras políticas e acadêmicas do pós-guerra foram capazes de alicerçar o caminho para as gerações de hoje com uma doutrina de raízes genuinamente liberais.

 

*Arthur Dalmarco é Advogado Tributarista, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e formando em Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa Catarina (ESAG/UDESC); possui publicações na área de Direito Internacional, Direito Internacional Tributário e de Investimentos Estrangeiros em Portfólio.

[1] RÖPKE, Wilhelm. Economics of the Free Society. Chicago: Henry Regnery Company, 1963, p. 184.

[2] Idem 1, p. 186.

[3] Idem 2.

[4] Idem 1, p. 187.

[5] Idem 1, p. 209.

[6]Idem 1, p. 223.

[7]Idem 1, p. 247.

[8]Idem 1, p. 252.

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