Um voto de confiança para o Decano
O voto do Ministro Celso de Mello pode definir o julgamento da Ação Penal 470 (o conhecido mensalão). Não pretendo, com esse texto, apresentar qualquer posição com relação ao caso, nem, muito menos, usá-lo para pressionar o festejado Ministro. Isso já tem sido feito ostensivamente pela mídia, e pelos seus colegas (Ministros) na última sessão.
Concordo com o Ministro Barroso quando ele afirma que um julgador não deve ser movido pela opinião pública. Ele tem razão, os juízes não devem sucumbir a opinião pública ou política. Em Marbury v. Madison o Chief Justice John Marshall não aceitou a pressão do então Presidente Thomas Jefferson, e, em uma brilhante jogada de xadrez, aumentou o poder da Corte criando o Judicial Review.
É importante destacar, também, que o juiz não deve se afastar da lei e decidir com base no que ele acredita que ela deveria ser. Cabe aos magistrados dizerem o que a lei efetivamente é com base nos consagrados princípios de hermenêutica (vale a leitura do Livro “Reading Law: The Interpretation of Legal Texts” de autoria do Justice Scalia com Bryan Garner).
Realmente, o julgamento do Mensalão é um caso complicado, o que faz lembrar as sábias palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, da Suprema Corte Americana: “Great cases, like hard cases, make bad law. For great cases are called great not by reason of their real importance in shaping the law of the future, but because of some accident of immediate overwhelming interest which appeals to the feelings and distorts the judgment. These immediate interests exercise a kind of hydraulic pressure which makes what previously was clear seem doubtful, and before which even well settled principles of law will bend.” (Northern Securities Co. v. United States)
Durante o julgamento da AP 470, o Ministro Celso de Mello demonstrou, claramente, a sua visão quanto à gravidade do caso, de forma isenta e sem se preocupar com as repercussões. Disse ele, na transcrição de seu voto constante do site do Supremo Tribunal Federal que, “Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais.”
Na sequência o Ministro prossegue: “Em assuntos de Estado e de Governo, nem o cinismo, nem o pragmatismo, nem a ausência de senso ético, nem o oportunismo podem justificar, quer juridicamente, quer moralmente, quer institucionalmente, práticas criminosas, como a corrupção parlamentar ou as ações corruptivas de altos dirigentes do Poder Executivo ou de agremiações partidárias.”
Na conclusão, o Decano não poderia ser mais enfático: “Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos à dignidade do ofício legislativo e à respeitabilidade do Congresso Nacional, alimentados por transações obscuras idealizadas e implementadas em altas esferas governamentais, com o objetivo de fortalecer a base de apoio político e de sustentação legislativa no Parlamento brasileiro, devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis desta República, porque significam tentativa imoral e ilícita de manipular, criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta Nação.”
Para arrematar, o Ministro foi categórico: “Esse quadro de anomalia, Senhor Presidente, revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do País, a atuação desses marginais do Poder.”
Sabemos, pois, com toda a clareza, a visão do Ministro sobre o episódio. O voto a ser proferido com relação aos embargos infringentes não altera a força de suas palavras proferidas acima. Todavia, a questão é diferente, o objeto da discussão agora é de natureza processual. Qualquer decisão tomada pelo Ministro, acredito piamente, seguirá suas convicções. Disso, realmente, ele não pode se esquivar. Cabe ao Ministro decidir a matéria, e, diante de sua trajetória, isso será realizado com base no Direito. Certamente o Decano não dirá o que a lei deveria ser, mas, sim, o que ela é.
Há uma famosa anedota sobre o Justice Oliver Wendell Holmes. Ele caminhava, de bengala, para a Suprema Corte Americana. Um jovem advogado lhe oferece uma carona em sua carruagem. Durante o trajeto, o causídico “novato” fica tão nervoso que não consegue dirigir uma palavra sequer ao famoso Justice. Então, ao chegar à Suprema Corte, ele fica parado enquanto Oliver Wendell Holmes sai da carruagem e caminha em direção ao famoso prédio. Em um rompante o advogado grita, “Justice faça justiça”. Na sequencia, o velho Holmes, levanta a bengala e assevera a plenos pulmões: “minha função não é fazer justiça, mas, sim, aplicar a Lei”. Espero que algo similar ocorra no julgamento da próxima quarta-feira, seja para que lado for.