Liberdade e o direito de arriscar
NEY CARVALHO *
A epígrafe do estupendo livro O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, é aforismo de David Hume: “Raramente se perde qualquer tipo de liberdade de uma só vez”.
O tema surge a propósito de um pequeno projeto de lei de número PLS 570/2011, de autoria do senador paraibano Vital do Rego. Recém aprovado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal visa proibir, no país, jogos de azar pela Internet.
O projeto é singelo. Consta de apenas um artigo, que seria acrescentado ao Decreto-Lei 9.215 de 30 de abril de 1946. Trata-se de mero adendo a um odioso diploma expedido pelo ex-presidente Eurico Dutra, ainda na vigência do mais despótico regime vivido pelo Brasil: o nazi-fascista Estado Novo, criação do antecessor Getúlio Vargas. Foi a proibição original dos jogos de azar no país.
Ora, arriscar seu patrimônio, em qualquer modalidade admissível, é um direito inalienável dos indivíduos. E riscos são inerentes à natureza e existência humanas. Há uma anedota no mercado internacional de capitais que reflete, com rara sensibilidade, as frágeis fronteiras entre múltiplas formas de assumir riscos:
“Se você comprar ações da companhia XYZ, julgando que elas vão subir, está investindo. Se adquirir pule de um cavalo no 5o páreo, achando que ele vai ganhar, está apostando. Se colocar suas fichas no preto, 13, da roleta, está jogando”.
Na sociedade brasileira, a primeira operação é aceita e incentivada, a segunda é tolerada e a terceira é proibida. Entretanto as três são, apenas, formas diferentes de assumir riscos, direito de todos os cidadãos. E pior, se na terceira hipótese substituirmos a roleta pela seleção de seis números na mega-sena da Caixa Econômica Federal, mesmo tipo e padrão de risco, estaremos praticando um jogo legal e amplamente estimulado pelo poder público.
Ao invés de limpar a legislação brasileira da herança maligna do nazi-fascismo, o projeto visa estendê-lo à válvula de escape criada pela modernidade. O jogo via Internet é alternativa atual à ânsia de risco e entretenimento demandados pela sociedade brasileira. A outra é cruzar as fronteiras e ir se divertir em qualquer dos países do mundo, ou mesmo da América Latina, com as exceções de Equador e Cuba, em que são permitidos jogos de azar.
Uma das justificativas do ilustre senador diz respeito a eventuais perigos pelo uso de cartões de crédito nessa modalidade. Todos os que lidam com a rede mundial de computadores sabem de tais possibilidades. A moeda de plástico é vulnerável a fraudes na Internet. Mas elas podem ocorrer, também, na compra de livros, discos, roupas ou produtos de beleza.
De fato, o projeto do senador Vital do Rego é apenas mais uma das múltiplas tentativas de tutelar os indivíduos. Insere-se na tese do Estado-Babá, que tudo pretende controlar, induzindo os cidadãos à senda politicamente correta que os levará como gado, bovinamente, ao matadouro da submissão total ao Estado.
Por outro lado, em termos de técnica jurídica o projeto chega a ser ridículo. Uma vez que os sites que disponibilizam jogo na Internet são todos localizados no exterior, o texto prevê, necessariamente, a extraterritorialidade da Lei de Contravenções Penais brasileira, o que é expressamente vedado pela mesma lei no artigo 2º: “A lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território nacional”. Mas a discussão não se encerra aí, pois existem outras complexas tecnicalidades jurídicas que nem cabe comentar.
A falta de bom senso é ampla, geral e irrestrita. Mas o fato é que, uma vez mais, se tenta coagir a liberdade individual. Pelo andar da carruagem daqui a pouco surgirão novos projetos, proibindo os brasileiros de fazer cruzeiros em navios que tenham cassinos a bordo. Ou viajar para países em que o jogo seja permitido.
* ESCRITOR E HISTORIADOR