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Sobre Imigração, empregos e salários

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Give me your tired, your poor, Your huddled masses yearning to breathe free, The wretched refuse of your teeming shore. Send these, the homeless, tempest-tossed, to me: I lift my lamp beside the golden door. (Emma Lazarus)

Há uma onda de migração em massa da África para a Europa.  Em fuga das guerras civis que assolam vários países africanos, bem como da perseguição religiosa que abunda naquele continente nos últimos tempos, dezenas de milhares de migrantes têm tentado atravessar o Mediterrâneo a procura de trabalho e de um lugar menos inóspito para viver.

Infelizmente, muitos têm ficado pelo caminho, engolidos pelas águas do mediterrâneo.  Os que conseguem chegar a um porto seguro são vistos como intrusos indesejados pelos europeus que, combalidos por décadas de estagnação, não querem, de jeito nenhum, a concorrência dos novos imigrantes no mercado de trabalho.  Trata-se de uma visão, como veremos a seguir, equivocada.

Embora os bons economistas saibam, há muito tempo, que a imigração, assim como o comércio, é boa para as duas partes, ainda existe um grande tabu a respeito do tema.  Nesse sentido, é elogiável a matéria publicada pela Revista Exame que, fazendo menção a um estudo publicado em abril pelo Escritório Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos, tenta desmistificar a crença segundo a qual, ao recepcionar trabalhadores estrangeiros pouco qualificados em seu território, os nativos só têm a perder.

Eis o resumo da pesquisa:

“A maioria das pesquisas sobre os efeitos da imigração centra-se sobre os efeitos da adição de imigrantes na oferta de trabalho. Por outro lado, este trabalho estuda os efeitos da imigração sobre a demanda de trabalho local, proveniente do aumento da demanda por serviços locais criados pelos imigrantes. Esse efeito pode atenuar a pressão descendente sobre os salários dos não-imigrantes, beneficiando-os também do aumentando da variedade de serviços locais disponíveis. Por esta razão, os imigrantes podem elevar os salários reais dos trabalhadores nativos, além de criar mais de um emprego para cada novo imigrante admitido. Usando dados do Censo dos Estados Unidos, de 1980-2000, encontramos evidências consideráveis ​​para estes efeitos: Cada imigrante cria 1,2 empregos locais, a maioria deles destinados a trabalhadores nativos, sendo que 62% desses empregos estão em serviços não realizados por imigrantes. Os imigrantes parecem também aumentar os salários dos ​​locais, além de atrair trabalhadores nativos de outras partes do país. No geral, parece que os trabalhadores locais se beneficiam da chegada de mais imigrantes”.

Para entender a lógica por trás desses resultados absolutamente contra-intuitivos, como aliás ocorre com boa parte da teoria econômica, nada melhor do que recorrer ao velho Sócrates.  Foi o que fez o economista Brian Caplan, ao escrever o magistral diálogo reproduzido abaixo, em tradução livre (É um pouquinho longo, mas leiam, porque vale à pena. Trata-se de uma das melhores lições de economia para leigos que alguém já produziu):

Imigração e salários: um diálogo socrático

Glauco: Você é um economista, certo?

Sócrates: Sim, eu fui recentemente promovido de filósofo a filósofo-economista.

Glauco: Você concorda, então, que o aumento da oferta reduz os preços.

Sócrates: Todo o resto igual, sim.

Glauco: Bem, Eu ouvi alguns “economistas” afirmarem que a imigração pode realmente aumentar os salários nativos.

Sócrates: Você ouviu falar corretamente.

Glauco: Eu posso entender como a imigração pode elevar os salários de alguns nativos. Se os imigrantes precisam de habitação, por exemplo, os trabalhadores nativos da construção podem se beneficiar do aumento da demanda. Mas a imigração não poderia aumentar os salários nativos em geral.

Sócrates: Por que não?

Glauco: A economia padrão do trabalho diz que a demanda por trabalho depende inteiramente da produtividade marginal dos trabalhadores.

Sócrates: De fato.

Glauco: Bem, o que a maior parte da imigração pode fazer é mudar a demanda por trabalho ao redor. Na verdade, não aumenta a produtividade dos nativos. Como poderia?

Sócrates: Talvez a imigração incentive os nativos a se especializarem em trabalhos onde eles sejam especialmente produtivos – e subcontratar os demais trabalhos aos recém-chegados.

Glauco: Huh? Como você pode equiparar a especialização e o comércio com o “aumento da produtividade”? Sofisma!

Sócrates:   Talvez. Você se importaria de me ajudar a esclarecer o meu pensamento, meu caro Glauco?

Glauco: Bem, eu acho que eu não tenho nada melhor para fazer.

Sócrates: Muito bem, então. Suponha que um homem encontra uma ferramenta. Você chamaria de “sofisma” dizer que esta ferramenta aumenta a produtividade do homem?

Glauco: Não. O que poderia ser mais claro?

Sócrates: E se alguém reivindicasse que a ferramenta, e não o homem, seria mais produtiva do que antes?

Glauco: Bobagem. Homens com ferramentas produzem mais coisas do que homens sem ferramentas. Portanto, as ferramentas tornam os homens mais produtivos.

Sócrates: Certo. O que você diria, então, se um homem domesticasse um animal? Você chamaria de “sofisma” dizer que o animal aumenta a produtividade do homem?

Glauco: Hummm … Não. Economicamente falando, um animal é apenas uma ferramenta viva.

Sócrates: E se o homem tivesse de tratar do animal para ele trabalhar melhor? Isso mudaria alguma coisa?

Glauco: Não é uma coisa. Economicamente falando, tratar de animais para fazer trabalhos mais difíceis não é diferente de afiar uma ferramenta de para torná-la mais eficiente.

Sócrates: Muito bem. Agora eu lhe pergunto: E se o animal é um homem de outra terra?

Glauco: O que?!

Sócrates: Repito: E se o animal é um homem de outra terra?

Glauco: Como você pode comparar os dois?

Sócrates: Como pode você negar a comparação? Você admite que as ferramentas aumentam a produtividade dos trabalhadores. Você admite que um animal é uma ferramenta. Você nega que os seres humanos são animais? Ou que os imigrantes são humanos?

Glauco: Você está sendo ridículo. Os animais são ferramentas úteis porque eles são melhores do que os seres humanos em determinadas tarefas. Imigrantes pouco qualificados são piores do que os nativos em tudo.

Sócrates: “Tudo” parece muito forte. Mas suponha que você está certo: Nativos são mais produtivos do que os imigrantes em tudo. Será que isso impede o comércio mutuamente proveitoso entre nativos e imigrantes?

Glauco: Você está me lembrando de uma aula de comércio internacional.

Sócrates: De fato. Em sua aula de comércio, você quase certamente aprendeu sobre a Lei da Vantagem Comparativa. O comércio mutuamente benéfico é possível, mesmo se um dos países tem vantagem absoluta em tudo.

Glauco: Eu vejo aonde você quer chegar. Você vai dizer que o livre comércio é mutuamente benéfico, e que a imigração nada mais é que o livre comércio aplicado ao trabalho, de modo que a imigração é mutuamente benéfica. Quer saber? Eu só vou recusar a premissa. O livre comércio não beneficiará os trabalhadores nativos.

Sócrates: Por favor, continue.

Glauco: Eu ficarei encantado. Eu só estou generalizando meu argumento original. Os salários dependem da produtividade, e o comércio não fará, como num passe de mágica, os trabalhadores nativos mais produtivos.

Sócrates: Estranhamente, Glauco, eu acredito na magia que você nega.

Glauco: gargalhada!

Sócrates: Talvez você tenha razão, mas deixe-me contar-lhe uma pequena fábula sobre a mágica em que eu acredito. Era uma vez um empresário que anunciou ao mundo que ele sabia como transformar milho em carros.

Glauco: Mais mágica!

Sócrates: Isso é exatamente o que os cientistas na minha fábula disseram. Mas eis que, o empresário constrói uma fábrica à beira-mar. Toneladas de milho desaparecem dentro de sua fábrica, e milhares de carros emergem dela. Todo mundo fica perplexo, mas gosta de seus carros.

Glauco: Sócrates, eu estou sem paciência.

Sócrates: Não se irrite, eu estou quase terminando. Hipoteticamente falando, você admite que tal fábrica, se existisse, realmente aumentaria a produtividade do trabalhador?

Glauco: Vá direto ao ponto.

Sócrates: Muito bem. Um dia, um jornalista entra escondido na fábrica e descobre que não há máquinas lá dentro. Apenas navios. A receita do homem de negócios para transformar milho em carros é: exportar e importar carros.

Glauco: Portanto, sua “mágica” era fraudulenta.

Sócrates: Por que “fraudulenta”? Digo que a magia era real. Economicamente falando, o empresário descobriu como transformar milho em carros – e seus trabalhadores tornaram-se mais produtivos com o resultado. Você nega isso?

Glauco: Suponho que não. Mas nós estamos tão longe do nosso debate original, e têm tão pouco para aproveitar dele, que eu gostaria de nunca ter começado a nossa conversa.

Sócrates: Talvez minhas reflexões tenham sido infrutíferas, Glauco, mas as suas não foram. Dez minutos atrás, você me disse: “Os salários dependem da produtividade, e o comércio não torna magicamente os trabalhadores nativos mais produtivos.” Agora você parece acreditar na magia do comércio tão firmemente como eu.

Glauco: Isso ainda parece sofisma. Qual a utilidade de um bando de imigrantes pouco qualificados?

Sócrates: Eu suspeito que você seja capaz de encontrar usos para eles todos os dias. Imigrantes pouco qualificados podem colher seus vegetais, preparar suas refeições, cortar o seu gramado, vigiar os seus filhos e ajudar os seus pais idosos. Você pode fazer todas essas tarefas por si mesmo, mas você escolhe não fazê-las.  Posso perguntar por quê?

Glauco: Eu sou muito ocupado.

Sócrates: Ou, em outras palavras, sem “um bando de imigrantes pouco qualificados”, você seria menos produtivo. Chame isso de magia. Chame isso de Economia. De qualquer maneira, é real. Para todos os efeitos práticos, os imigrantes pouco qualificados aumentam a produtividade dos trabalhadores nativos. E, tanto quanto a oferta e a demanda estiverem em causa, é perfeitamente possível que os imigrantes realmente aumentem os salários dos nativos.

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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