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“Classical Liberalism by Country”: um panorama enriquecedor

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O Econ Journal Watch é uma publicação acadêmica na área econômica mantida pelo think tank canadense Fraser Institute. Desde 2015, o Econ vem publicando artigos que registram a história e as iniciativas atuais em defesa do liberalismo, notadamente em sua angulação clássica, em diferentes países das mais diversas regiões do mundo, com preferência para aqueles que não são considerados centros de formação do pensamento liberal – como Inglaterra, EUA e França.

Após a série completar 23 artigos, os editores Daniel Klein, Jason Briggeman e Jane Shaw Stroup tomaram a iniciativa de reuni-los em formato de livro, dividindo-os em três volumes sob o título Classical Liberalism by Country, lançando o projeto pela CL Press, editora do Fraser. O primeiro volume traz uma introdução explicativa da proposta do projeto, redigida pelo professor Klein, em que ele identifica alguns aprendizados que parecem ressaltar da leitura de todos os textos – como a popularidade especial de alguns autores, como Frédéric Bastiat e Jean-Baptiste Say, em vários dos casos relatados, bem como as dificuldades que a falta de estabilidade institucional de muitos dos países estudados oferecem ao enraizamento da agenda liberal.

Embora o Econ Journal seja voltado para a área econômica e haja uma ênfase tanto aos profissionais e acadêmicos de Economia quanto ao pensamento econômico liberal, tendo por referência a figura de Adam Smith, os artigos variam bastante. Alguns realmente se limitam a abordar a presença de liberais em faculdades de Economia. Outros, porém, discorrem extensamente sobre a história dos países analisados e se estendem aos diversos aspectos políticos e econômicos de suas tradições liberais nacionais, abrangendo escritores, estadistas, jornalistas, cientistas políticos, filósofos, ativistas e think tanks que constituíram e constituem essas tradições. Alguns foram publicados na coletânea exatamente tal como foram publicados nas edições originais do Econ Journal, outros com ligeiras revisões e outros ainda com o acréscimo de epílogos que registram como essas tradições e movimentos liberais lidaram com os desenvolvimentos mais recentes após a publicação original dos textos, particularmente os desafios da pandemia e da guerra russo-ucraniana.

Limito-me aqui a elencar o tema abordado em cada artigo. O primeiro volume consiste em seis capítulos. O primeiro deles, Classical Liberalism in Australian Economics, de autoria de Chris Berg, registra que o liberalismo clássico não é uma corrente predominante na Austrália, mas o país apresenta lideranças com esse pensamento desde o século XIX. O texto ressalta que, no pós-guerra, os liberais clássicos australianos enfrentaram uma robusta ascensão keynesiana e, embora tenham crescido em importância e obtido sucessos em políticas públicas, continuam sendo minoria. O autor considera que o tamanho reduzido do país e sua juventude favoreceram experiências econômicas heterodoxas e prepararam o terreno para o Keynesianismo ser a corrente econômica dominante, principalmente até 1970. Contudo, ele defende que economistas e ativistas também se beneficiaram desse tamanho reduzido para espalhar ideias e conseguir avanços muito relevantes na aprovação de políticas públicas de inspiração liberal clássica.

Liberalism in India, de G. P. Manish, Shruti Rajagopalan, Daniel Sutter e Lawrence White, mostra a influência do pensamento britânico sobre os indianos à época da colonização, o que permitiu a presença de lideranças liberais, mas ressalta o imenso revés que se deu durante e após o processo de independência, em que a ideologia dominante era o socialismo Fabiano. O socialismo prevaleceu depois disso por quatro décadas, criando grandes dificuldades para o desenvolvimento de uma tradição liberal forte, mas o artigo presta seu reconhecimento aos poucos personagens que desafiaram esse status quo e aos que hoje se organizam para difundir o liberalismo na Índia, sinalizando para perspectivas mais positivas nesse esforço graças às novas tecnologias de comunicação.

The Liberal Tradition in South Africa, 1910-2019, de Martin van Staden, é um longo estudo que aponta as origens do liberalismo na África do Sul dentro da população de influência britânica, historicamente mais cosmopolita se comparada aos Afrikaners, descendentes dos colonos calvinistas, em sua maioria de origem holandesa. Porém, o texto, trazendo uma ampla narrativa dos desenvolvimentos político-partidários e jurídicos da África do Sul, demonstra como o liberalismo se viu bastante espremido entre as concepções racistas dos Afrikaners, defensores do Apartheid, e o socialismo ressentido de muitos representantes do ativismo negro local.

Classical Liberalism in China: Some History and Prospects, de Xingyuan Feng, Weisen Li e Evan Osborne, identifica aspectos semelhantes ao liberalismo na antiga tradição chinesa, mas principalmente no campo econômico, visto que essa mesma tradição sempre tomou o governo absoluto como indiscutível. O texto aborda os desafios imensos dos poucos liberais chineses diante da ascensão do comunismo de Mao Tsé-Tung, bem como as reformas em uma direção mais pró-mercado de Deng Xiao-Ping, e endereça alguns movimentos preocupantes das últimas gestões do Partido Comunista Chinês. Os heroicos grupos liberais chineses vêm encontrando, conforme o texto, maiores adversidades sob a égide de Xi Jinping.

Liberalism in Korea, de Young Back Choi e Yong J. Yoon, sustenta que a Coréia conheceu o liberalismo no século XX. A tradição de uma monarquia absoluta e uma rígida estratificação social impôs grandes desafios, encontrando no século XIX algumas personalidades reformistas, em especial sob influência de um Japão em cada vez maior contato com o Ocidente, mas que não poderiam ser consideradas liberais. Após a divisão entre a Coreia do Norte, comunista, e a Coreia do Sul, capitalista, os autores discutem o papel do desenvolvimentismo nesta última. Em sua percepção, há um exagero na supervalorização das políticas desenvolvimentistas; todo país asiático que removeu amplas barreiras para a importação e não dificultou a exportação experimentou grande crescimento econômico ao redor daquele período. O intervencionismo, ao contrário do que se acredita, segundo eles, criou dificuldades na transição sul-coreana para a democracia. No entanto, os autores afirmam que a esquerda tem, infelizmente, hegemonia em todas as esferas culturais e intelectuais na Coreia.

The Endangered Classical Liberal Tradition in Lebanon: A General Description and Survey Results, de Patrick Mardini, aponta a existência de uma tradição de defesa do mercado no Líbano desde os antigos fenícios. No período da independência em 1943 até o começo de uma guerra civil em 1975, um grupo conhecido como “Novos Fenícios” teria garantido relevante prestígio para as teses econômicas liberais, mas, desde então, houve profundo revés, havendo pouquíssimos liberais libaneses e uma política caracterizada por clientelismo, nepotismo e corrupção.

O segundo volume contempla apenas países da América Latina. Liberalism in Mexican Economic Thought, Past and Present, de Pavel Kuchaf, demonstra a presença do liberalismo no México desde o período colonial. O texto enfatiza, porém, a influência do Positivismo na segunda metade do século XIX, com sua flexão tecnocrata dificultando o alinhamento com a tradição clássica do liberalismo. O artigo ressalta o crescimento do estatismo sob o regime do Porfiriato e os problemas crônicos de corrupção e crises fiscais após a Revolução Mexicana; também traz uma interessante análise de um artigo de Ludwig von Mises sobre o país.

Classical Liberalism in Guatemala, de Andrés Marroquín e Fritz Thomas, descreve o fortalecimento do liberalismo clássico no país apenas no final da década de 1950. No entanto, reconhece a presença de liberais na Guatemala já à época da Independência, embora fosse um liberalismo limitado, mais focado em mitigar o mercantilismo do que em encerrá-lo, e até admite que houve liberais que chegaram ao poder em 1871, aplicando o que ficou conhecido como Reforma Liberal. Enaltece, no entanto, a figura de Manuel Ayau, que se teria tornado o grande líder do liberalismo guatemalteco no século XX, e descreve os avanços do movimento nele inspirado em diversas áreas.

Liberalism in Equador, de Pedro Romero, Fergus Hodgson e María Paz Gómez, ressalta os prejuízos do legado colonial espanhol, trazendo corrupção, instabilidade e uma frágil apreensão do liberalismo por parte da população. Descreve detalhadamente o cenário socioeconômico da época, bem como, após a independência, os sucessivos golpes de Estado e o estatismo prevalecente. O texto se dedica mais a elencar os liberais equatorianos contemporâneos do que a buscar seus representantes no passado.

Economic Liberalism in Peru, de Patrícia Saenz-Armstrong, começa pontuando que o Peru está melhor que muitos outros países da América Latina quanto à existência de uma rede de organizações defensoras do liberalismo, ainda que enfrente problemas similares aos dos demais países da região. Descrevendo inicialmente a organização política e econômica centralizadora dos incas e da colonização espanhola, aponta nos promotores da Independência peruana o apoio ao constitucionalismo e aos direitos políticos, mas não tanto à liberdade econômica. Porém, já no final do século XIX, ilustra o advento de uma agenda liberal mais consistente entre parte da elite do país, descreve o desenvolvimento dessa tradição no século XX (com figuras como Vargas Llosa) – e as reformas feitas no governo Fujimori. Traz então uma lista dos liberais contemporâneos e dos institutos que fundaram nas últimas décadas e uma síntese das conturbações políticas dos últimos anos.

Liberalism in Colombia, de Sebastián Rodríguez e Gilberto Ramírez, tem um tom mais positivo, mostrando a presença do liberalismo como uma corrente importante na Colômbia desde a Independência em 1819 até a organização do país como uma República. Explorando essa rica tradição, com destaque ao aspecto econômico, mas sem deixar de abordar bastante o resto, o texto aponta a ascensão do intervencionismo no século XX e as perspectivas do liberalismo colombiano atual.

Venezuela: Without Liberals, There Is No Liberalism, de Hugo J. Faria e Leonor Filardo, descreve, em tom bastante negativo, como o liberalismo tem sido escasso ou praticamente inexistente em toda a história da Venezuela. O apogeu do liberalismo no país teria sido entre 1920 e 1935, quando aconteceram reformas liberalizantes, mas infelizmente prostituídas por se fazerem acompanhar de corrupção e ações políticas autoritárias. Como não poderia deixar de ser, o texto exalta os heróis que defendem hoje a agenda liberal na Venezuela perante o regime chavista de Nicolás Maduro.

Tenho o privilégio de encerrar este segundo volume com meu próprio capítulo, Liberalism in Brazil. Depois de descrever, com base em alguns dos principais intérpretes da identidade cultural brasileira, alguns dos desafios que o liberalismo encontra em nosso país, descrevo a história de sua presença no Brasil desde antes da Independência até hoje, elencando os principais institutos em atividade em defesa da causa e procurando demonstrar que quase não houve momento em que não houvesse liberais brasileiros, apesar das imensas adversidades.

O terceiro e último volume se dedica à Europa. Liberalism In Iceland in the Nineteenth and Twentieth Centuries, de Hannes H. Gissurarson (a quem tenho o prazer de conhecer pessoalmente), descreve uma forte tradição liberal na pequena Islândia, com grande qualidade e diversas reformas relevantes, inclusive com a participação do autor.

Classical Liberalism in Finland in the Nineteenth and Twentieth Centuries, de Jens Grandell, mostra como os liberais finlandeses foram fundamentais para retirar a Finlândia de um passado de grande pobreza, afirmando que um estudo de 2020 demonstrava que 50% da população tinha uma visão simpática ao liberalismo. O liberalismo finlandês evoluiu de uma visão disruptiva para a categoria de um conceito reivindicado pelas diversas forças políticas em disputa, o que provocou sua fragmentação como movimento político, mas a disseminação de suas ideias básicas na mentalidade nacional.

Classical Liberalism and Modern Political Economy in Denmark, de Peter Kurrild-Klitgaard, sustenta que a esquerda prevalece na intelectualidade dinamarquesa, mas que, no passado, o país teve uma forte tradição pioneira de inspiração manchesteriana, estando entre os primeiros países a traduzir a obra de Adam Smith. O texto enfoca a presença do liberalismo entre os acadêmicos, não se aprofundando na história política do país.

Liberal Economics in Spain, de Fernando Hernández Fradejas, se concentra bastante na dimensão econômica, abordando desde os teólogos da Escola de Salamanca, que exploraram conceitos econômicos considerados antecipadores da visão liberal austríaca, até os dias atuais. A breve abordagem, portanto, não endereça alguns aspectos relevantes do liberalismo espanhol, como o movimento constitucionalista de Cádiz e a filosofia de José Ortega y Gasset.

Classical Liberalism in Italian Economic Thought, from the Time of Unification, de Alberto Mingardi, também se concentra no campo econômico, mas traz mais interfaces com a história política do país desde a unificação italiana. Nomes como o Conde de Cavour, Francesco Ferrara, Vilfredo Pareto, Luigi Einaudi e Bruno Leoni são detalhadamente analisados.

Classical Liberalism in the Czech Republic, de Josef Šíma e Tomáš Nikodym, conta a história do liberalismo no país em três períodos: o período anterior à Segunda Guerra Mundial, sob forte influência da monarquia austríaca, em que, consequentemente, os liberais da Escola Austríaca tiveram influência na região; o período de domínio sucessivamente nazista e comunista, perseguindo e sufocando o liberalismo local; e o período pós-1989 até hoje.

Liberal Economics in Poland, de Mateusz Machaj, é um breve compêndio de nomes de liberais e instituições liberais polonesas, concluindo que o meio da academia e das proposições de políticas públicas não está amplamente identificado com o liberalismo clássico, mas, por outro lado, as universidades não estão dominadas por uma linha de pensamento intervencionista de forma oficial, havendo espaço factível para a exposição de ideias liberais no debate.

Classical Liberal Economics in the Ex-Yugoslav Nations, de Miroslav Prokopijević e Slaviša Tasić, relata a presença do liberalismo, ao lado do nacionalismo, do conservadorismo e do pensamento romântico, na construção do Estado-nação da antiga Iugoslávia. Descreve brevemente, porém, seus reveses com a ditadura em 1929 e, em 1945, a adoção do comunismo. Depois, com a desintegração da Iugoslávia em sete novos países em 1991, pontua rapidamente o estado do liberalismo em cada um deles, terminando com uma visão preocupada do cenário.

Liberalism in Ukraine, de Mykola Bunyk e Leonid Krasnozbon, expõe o liberalismo ucraniano anterior ao período de dominação soviética, detalhando as biografias de seus principais nomes, a perseguição brutal sofrida sob o domínio comunista e o reerguimento posterior do liberalismo, ressaltando ainda que uma tradição de problemas econômicos e corrupção teria sofrido algumas mudanças nas últimas décadas, com reformas descentralizadoras. O texto faz referência, em epílogo acrescentado na versão do livro, ao ataque da Rússia ao território ucraniano.

A coleção está concluída – por enquanto – com o rico artigo Classical Liberalism in Romania, Past and Present, de Radu Nechita e Vlad Tarko, que relata o papel do liberalismo na contestação do passado pré-moderno dos principados que constituíram a Romênia, em uma tradição que é baqueada pela ascensão de um regime de características fascistas e, depois, pela opressão comunista, similarmente à Iugoslávia. A nota positiva é que os autores afirmam que há um amplo consenso na Romênia de afinidade com a civilização ocidental.

Recomendo a coleção para todos os interessados em aprofundar sua compreensão do desenvolvimento do liberalismo pelo mundo, bem como em conhecer os institutos e pessoas do resto do globo que são nossos parceiros no engajamento em defesa da liberdade.

Os três volumes estão disponíveis somente em inglês. Eles podem ser lidos em formato PDF gratuitamente ou comprados pelo site da editora:

https://clpress.net/books/

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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