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Por que política é bem mais que redes sociais (segunda parte)

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Este texto foi dividido em duas partes, para ler a primeira: clique aqui.

Influência

Pode parecer, inicialmente, que esse tipo de coisa só funciona a nível local ou em eleições municipais. Ledo engano. A níveis estadual e nacional também acontece desta forma, mas de um jeito ainda mais pulverizado, numa espécie de efeito em cascata.

O presidente da República tem seus assessores, que por sua vez têm contato com deputados e senadores. Estes, no caso, possuem linha de contado com governadores e prefeitos, que aí tem suas linhas com os vereadores, finalmente chegando aos representantes locais. Tal modelo, entretanto, não é novo e nem é exclusivo de qualquer partido. A maioria dos grandes partidos opera desta forma ou de forma pelo menos similar, e é claro que o PT, ao longo dos anos, aprimorou essa estratégia e levou ela a outros níveis.

Por isso é emburrecedor pensar que um partido como o PT se estabeleceu com tanta firmeza no poder apenas por causa da corrupção ou por conta do Bolsa Família. Isso é de um reducionismo preguiçoso, típico de gente que usa a vadiagem na hora de pensar. Estamos cheios de “analistas” políticos por aí, especialmente na direita brasileira, que simplesmente nunca tiveram qualquer experiência política, e isso é deveras problemático.

Uma coisa que pouca gente se pergunta até hoje, aliás, é sobre a finalidade do caixa 2. O afegão médio pensa que é só mais um desvio de dinheiro qualquer, mas quem pensa assim está longe da verdade. O caixa 2 nem é necessariamente um desvio. Na maioria das vezes não é. Caixa 2 é simplesmente dinheiro, muitas vezes de fontes legítimas, usado para fins que são ilegítimos.

Explico…

Para que fins um partido precisaria de dinheiro que não esteja registrado no TSE? O que, afinal, levaria um partido a receber um dinheiro que poderia ganhar legalmente de forma irregular? Aí é que está o pulo do gato. Grosso modo, pode-se dizer que o caixa 2 é um dinheiro usado para comprar votos e influenciar campanhas. Na prática, embora seja este o resultado almejado, há um processo que envolve tudo o que escrevi até aqui.

É por isso que operações como a Lava Jato são, na melhor das hipóteses, ineficazes no combate aos crimes políticos. Se fosse para levar a coisa a sério, a operação deveria investigar não apenas a origem do dinheiro, mas também sua finalidade. Claro que os promotores e policiais sabem disso, e há uma razão para que não façam: inviabilidade.

Imagine ter que descobrir para onde foram os milhões de reais que o partido ganhou em caixa 2… Este dinheiro foi gasto de forma dispersa. Uma parte dele serviu para pagar algum marqueteiro não registrado, outra parte foi para o bolso de um vereador que redistribuiu para seu gabinete, que por sua vez levou o dinheiro até alguma ONG na favela, e lá este dinheiro serviu para comprar material para uma quadra de futebol ou qualquer coisa que se possa imaginar. Se fosse para rastrear e prender todos os envolvidos no processo, a Lava-Jato teria que prender desde o tesoureiro do partido até um pobretão da favela da Rocinha que ajudou o partido a comprar votos daquele povo, e no caminho teria que prender outras cem ou duzentas pessoas direta ou indiretamente envolvidas.

Conclusão

É por coisas assim que sinto grande tristeza ao ver boa parte da direita focada no “combate à corrupção”. Isso é pura besteira. O sistema é deste jeito, ele é desvirtuado, é podre, e não adianta nada prender trezentos deputados se a estrutura em si não for alterada. Aí, voltamos ao início de tudo. Não dá para propor uma nova política se você não entende nem a política atual.

A meu ver, analistas políticos como Flávio Morgenstern e o pessoal do Senso Incomum, que admiro muito, pecam vergonhosamente neste aspecto. Eles não têm a menor noção do que quer que seja a política atual. Passam muito longe da realidade bruta porque, no fundo, todo o conhecimento que possuem é baseado em academicismos ainda que indiretamente. Nem mesmo Luciano Ayan, que é meu amigo, parece ter esse nível de compreensão. E que nível é este? O nível mais baixo de todos, aquele que atinge a política que acontece lá na favela, nas periferias, nas cidades de interior.

Entender a política no nível alfa – e neste caso Luciano Ayan é até melhor do que eu – exige bem menos esforço. A política institucional envolve coisas a que todos têm acesso. É fácil estudá-la, classificá-la, entendê-la e analisá-la. O problema geral de quase todos os analistas da direita é que eles não se importam em entender como funciona a outra ponta. É por isso que muitos deles apostaram, temporária ou permanentemente, em uma vitória fácil de Jair Bolsonaro ou até mesmo do Flávio Bolsonaro no Rio. Eles apostaram suas fichas no óbvio, ou seja, perceberam que o discurso deles têm “apelo popular”.

A questão, no entanto, é que esse apelo é unilateral e atinge apenas uma pequena parcela da população. O sujeito da periferia que não tem o que comer não está preocupado com porte de arma, redução da maioridade ou ideologia de gênero. O idoso que mora em uma cidade cujo hospital mais próximo está a 800 km não liga para o discurso moralista de um deputado federal qualquer. A mãe que tem seis filhos no interior do nordeste e não tem água encanada quer saber é de dar remédio de vermes para sua prole, não em ter o direito a portar um revólver. Sobre isso, a propósito, recomento um artigo recente da Revista Amálgama que complementa muito do que penso sobre o assunto.

É neste nível que os grandes partidos realmente operam. Eles estão lá e fingem se importar. Seus representantes agem para atender aos interesses destas pessoas, mas também agem em outros locais para atender as demandas daqueles que gostam do Bolsonaro. O que é, afinal, que a direita já fez pela população? Discussão em redes sociais e postagens sobre ideologia de gênero não fazem nascer asfalto na rua e nem tubulação de esgoto. Quem faz isso é aquele sujeito pouco conhecido que foi eleito em alguma assembleia local para representar uma comunidade pobre.

Até mesmo as questões nas quais a direita mantém foco, como o porte de arma, são questões totalmente marginais e nas quais ela não possui qualquer tipo de trabalho digno de resultados. O que Bolsonaro, olavetes e demais simpatizantes da causa fizeram contra o desarmamento? Nada. No fim das contas o PL 3722 é de autoria de um deputado catarinense chamado Rogério Peninha, do PMDB, e que 99% dos brasileiros nem sabem quem é.

Quando Flávio Morgenstern foi até o Pânico na Rádio e disse que Le Pen já tinha vencido na França e que o Russomanno já havia ganhado em São Paulo, isso antes das eleições, ele deixou evidente o seu desconhecimento de causa. Fez uma afirmação com base em um conhecimento superficial dos fatos. Por isso eu, como analista, evito dar vereditos como este em situações sobre as quais não possua muita informação. Falar das eleições americanas de 2016, para mim, era fora de questão. Eu estava focado em minha cidade e outras cidades mais relevantes para mim, e nelas acertei minhas previsões. Seria muita pretensão querer saber de tudo sobre todo o mundo, e a verdade é que eu não sabia muita coisa sobre o cenário americano.

Naturalmente tenho muito mais a escrever sobre isso, e pretendo fazê-lo no futuro. Por hora, dá para entender a ideia.

Sobre o autor: Roger Scar é analista político e escreve para o Jornalivre.

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