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Por que não sou mais professor titular na Universidade de Toronto

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Este artigo foi originalmente publicado em 19 de janeiro de 2022 pelo psicólogo e professor Jordan Peterson no jornal canadense National Post. A tradução foi autorizada pelo autor e foi realizada por Paulo Bernardelli Massabki. Para saber mais sobre o autor, consulte seu canal no Youtube ou seu website

Recentemente, renunciei ao meu cargo como professor titular na Universidade de Toronto [UT]. Agora sou professor emérito, e antes de completar sessenta anos. Emérito é geralmente uma designação reservada para professores aposentados, embora especificamente aqueles que cumpriram seu mandato com alguma distinção. Eu tinha imaginado ensinar e pesquisar na UT, em tempo integral, até que eles tiveram que arrancar meu esqueleto para fora do meu escritório. Eu amava meu trabalho. E meus alunos, tanto graduandos quanto de pós-graduação, tinham por mim uma apreciação positiva. Mas minha carreira não estava destinada a ser assim. Havia muitos motivos, incluindo o fato de que agora eu posso ensinar muito mais pessoas e com menos interferência, online. Mas há outros motivos:

Primeiro, meus alunos homens, brancos, heterossexuais, qualificados e extremamente treinados (e eu tenho tido muitos outros [tipos de alunos e alunas], por sinal) têm chances insignificantes de receberem ofertas de posições de pesquisa em universidades, apesar de seus currículos científicos estelares. Isso é parcialmente devido às exigências de Diversidade, Inclusão e Equidade (meu acrônimo preferido: DIE[1]). Elas foram impostas universalmente na academia, apesar do fato de que os comitês universitários de seleção[2] já haviam feito todo o razoável durante todos os anos da minha carreira, e mais, para garantir que nenhum candidato qualificado “de minorias” fosse alguma vez esquecido. Meus alunos são parcialmente inaceitáveis precisamente porque são meus alunos. Eu sou persona non grata acadêmica, devido às minhas posições filosóficas inaceitáveis. E isso não é apenas um inconveniente. Esses fatos tornaram meu trabalho moralmente insustentável. Como eu posso aceitar e treinar futuros pesquisadores em sã consciência sabendo que sua empregabilidade será mínima?

Segundo motivo: esta é uma das muitas questões da terrível ideologia atualmente destruindo as universidades e, na sequência, a cultura em geral. Até porque simplesmente não há pessoas BIPOC qualificadas em número suficiente na fila[3] para atender às metas de diversidade com rapidez suficiente (BIPOC[4]: negros, indígenas e pessoas de cor, para aqueles de vocês que não são entendidos). Isso tem sido de conhecimento comum entre qualquer acadêmico remotamente sincero que tenha participado de comitês de seleção durante as últimas três décadas. Isso significa que estamos por produzir uma geração de pesquisadores totalmente desqualificados para o trabalho. E já temos visto o que isso significa nas horríveis “disciplinas” de estudos de queixas[5]. Aquilo, combinado com a morte do teste objetivo, tem comprometido tanto as universidades que esse fato dificilmente pode ser superestimado. E o que acontece nas universidades acaba por impactar em tudo. Como já descobrimos.

Todos os meus colegas covardes precisam fazer declarações DIE para obter verbas de pesquisa. Todos eles mentem (exceto a minoria de verdadeiros crentes) e eles ensinam seus alunos a fazerem o mesmo. E eles o fazem constantemente, com várias racionalizações ou justificativas, corrompendo ainda mais o que já é um empreendimento incrivelmente corrupto. Alguns dos meus colegas até se permitem passar pelo chamado treinamento anti-preconceito, conduzido por pessoal extremamente desqualificado de Recursos Humanos, palestrando de maneira fútil, despreocupada e acusatória sobre atitudes racistas / sexistas / heterossexistas teoricamente generalizadas. Tal treinamento é agora frequentemente uma pré-condição para ocupar um cargo de corpo docente em um comitê de seleção.

Será que eu preciso destacar que atitudes implícitas não podem – pelas definições geradas por aqueles que têm feito delas um ponto central em nossa cultura – ser transformadas por treinamentos explícitos de curto prazo? Assumindo que esses vieses existem da maneira como é defendido, e essa é uma afirmação muito fraca, e estou falando aqui cientificamente. O teste da Associação Implícita – o muito elogiado IAT, que pretende diagnosticar objetivamente o viés implícito (isto é, racismo automático e coisas do gênero) não é poderoso o suficiente – válido e confiável o suficiente – para fazer o que se propõe a fazer. Dois dos criadores originais desse teste, Anthony Greenwald e Brian Nosek, disseram isso publicamente. O terceiro, a professora Mahzarin Banaji de Harvard, permanece recalcitrante. Muito disso pode ser atribuído à sua agenda política abertamente esquerdista, bem como à sua inserção em uma subdisciplina da psicologia, a psicologia social, tão corrupta que negou a existência do autoritarismo de esquerda por seis décadas após a Segunda Guerra Mundial. Os mesmos psicólogos sociais, em termos gerais, também consideram casualmente o conservadorismo (como pretensa “justificação do sistema”) como uma forma de psicopatologia.

O contínuo apoio de Banaji ao uso indevido de seu instrumento de pesquisa, combinado com o status de sua posição em Harvard, é a principal razão pela qual ainda sofremos sob o jugo da DIE, com seu efeito funesto sobre o que foi o mais próximo que já chegamos da seleção verdadeiramente meritória. Um amigo próximo e um dos poucos colegas que se mantém amigáveis comigo (e alguém claramente da esquerda, a propósito) me disse abertamente que a nova safra de estudantes de pós-graduação em psicologia de sua universidade, selecionados sem o Exame de Admissão ao Mestrado[6] [que é um processo objetivo de seleção], não consegue lidar com a aula de estatística do primeiro ano. O resultado: insinuações borbulhantes de que o conteúdo é racista. A propósito: tudo nas ciências sociais (e na medicina, aliás) se sustenta ou cai com estatísticas honestas e competentes.

Além disso, os conselhos de credenciamento para programas de treinamento em psicologia clínica de pós-graduação no Canadá estão planejando se recusar a credenciar programas clínicos universitários, a menos que tenham uma orientação de “justiça social”. Isso, combinado com algumas mudanças legislativas recentes no Canadá, alegando proibir a chamada “terapia de conversão” (mas realmente tornando extremamente arriscado para os médicos fazer qualquer coisa, exceto concordar sempre e sobre tudo com seus clientes) provavelmente condenou a prática de psicologia clínica, que sempre dependeu inteiramente de confiança e privacidade. Movimentos semelhantes estão em andamento em outras disciplinas profissionais, como medicina e direito. E, se você não acha que psicólogos, advogados e outros profissionais estão aterrorizados com seus conselhos profissionais, agora conscientizados[7], para o extremo prejuízo de todos, você simplesmente não entende até onde tudo isso já foi.

Exatamente o que devo fazer quando encontro um estudante de pós-graduação ou um jovem professor, contratado pelos padrões DIE? Manifestar ceticismo instantâneo em relação à sua capacidade profissional? Que tapa na cara de um novato verdadeiramente meritório. E talvez esse seja o ponto. A ideologia DIE não é amiga da paz e da tolerância. É absoluta e completamente inimiga da competência e da justiça.

E, para aqueles de vocês que pensam que estou exagerando o caso, ou que isso é algo limitado em algum sentido trivial às universidades, considere alguns outros exemplos: rste relatório de Hollywood, ninho clichê do sentimento “progressista”, por exemplo, indica o quão longe isso foi. Em 2020, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (o pessoal do Oscar) embarcou em um plano de cinco anos (isso soa algum sino histórico?) “para diversificar nossa organização e expandir nossa definição do melhor”. Eles o fizeram numa tentativa que incluiu o desenvolvimento de “novos padrões de representação e inclusão para o Oscar”, para, hipoteticamente, “refletir melhor a diversidade do público que vai ao cinema”. Que frutos esta iniciativa, decorrente da ideologia DIE, deu? De acordo com um artigo recente, escrito por Peter Kiefer e Peter Savodnik, mas postado no site Common Sense do ex-jornalista do NY Times Bari Weiss (e Weiss deixou o Times, por causa da intrusão da ideologia de esquerda radical naquele jornal, assim como Tara Henley fez recentemente com a CBC): “Conversamos com mais de 25 escritores, diretores e produtores – todos se identificam como progressistas e todos descreveram um medo generalizado de entrar em conflito com o novo dogma… Como sobreviver à revolução? Tornando-se seu mais ardente defensor… De repente, todas as conversas com todos os agentes ou chefes de conteúdo começavam com: alguém do BIPOC está ligado a isso?”

E isso está em toda parte – e, se você não vê, sua cabeça está na areia ou empurrada para algum lugar muito mais inominável. A CBS, por exemplo, literalmente exigiu que todas as salas de roteiristas fossem pelo menos 40% BIPOC em 2021 (50% em 2022).

Estamos agora no ponto em que raça, etnia, “gênero” ou preferência sexual são, em primeiro lugar, aceitas como a característica fundamental que define cada pessoa (exatamente como os esquerdistas radicais desejavam) e, em segundo lugar, são agora tratadas como a qualificação mais importante para estudo, pesquisa e emprego.

Preciso dizer que isso é loucura? Até o ignorante New York Times tem suas dúvidas. Uma manchete de 11 de agosto de 2021: Os Programas de Diversidade no Local de Trabalho Estão Fazendo Mais Mal Do que Bem? Em uma palavra, sim. Como acusar seus funcionários de racismo etc. pode ser suficiente para exigir um novo treinamento (particularmente em relação àqueles que estão trabalhando de boa-fé para superar qualquer preconceito que ainda possam manifestar, nestes tempos modernos e progressistas) ser outra coisa além de insultante, irritante, invasivo, arrogante, moralizante, inadequado, irrefletido, contraproducente e de outra forma injustificável?

E, se você acha que a DIE é ruim, espere até dar uma olhada nas pontuações ESG[8] – Ambientais, Sociais e de Governança. Pretendendo avaliar a responsabilidade moral corporativa, essas pontuações, que podem afetar drasticamente a viabilidade financeira de uma empresa, são nada menos do que o equivalente ao execrável sistema de crédito social da China, aplicado ao mundo empresarial e financeiro. CEOs: o que há de errado com vocês? Não conseguem perceber que os ideólogos que promovem esse absurdo terrível são movidos por uma agenda que não é apenas absolutamente antitética aos seus empreendimentos de livre mercado, como tal, mas tem como alvo precisamente as liberdades que tornaram seu sucesso possível? Vocês não conseguem ver que, ao seguir como ovelhas (assim como os professores estão fazendo; assim como os artistas e escritores estão fazendo), vocês estão gerando uma verdadeira quinta coluna dentro de seus negócios? Vocês estão realmente tão cegos, intimidados e acovardados? Com todo o seu suposto privilégio?

E não são só as universidades. E as faculdades profissionais. E Hollywood. E o mundo corporativo. Diversidade, Inclusão e Equidade – aquela Trindade radical esquerdista – estão nos destruindo. Está se questionando sobre o divisionismo que está nos atormentando atualmente? Não procure além da DIE. Querendo saber – mais especificamente – sobre a atratividade de Trump? Não procure além da DIE. Quando a esquerda vai longe demais? Quando ela idolatra o altar da DIE, e insiste que o resto de nós, que na maioria das vezes quer ser deixado em paz, faça o mesmo. Já basta. Basta. Basta.

Finalmente, você sabe que o próprio Vladimir Putin está capitalizando essa loucura de conscientização[9]? Anna Mahjar-Barducci, no MEMRI.org, cobriu seu discurso recente. Cito a tradução do artigo: “Os defensores do chamado ‘progresso social’ acreditam que estão apresentando à humanidade algum tipo de nova e melhor consciência. Boa sorte, icem as bandeiras, como dizemos, vão em frente. A única coisa que quero dizer agora é que suas receitas não são nada novas. Pode ser uma surpresa para algumas pessoas, mas a Rússia já passou por isso. Após a revolução de 1917, os bolcheviques, apoiando-se nos dogmas de Marx e Engels, também disseram que mudariam os modos e costumes existentes, e não apenas os políticos e econômicos, mas a própria noção de moral humana e os fundamentos de uma sociedade saudável. A destruição de valores antigos, da religião e das relações entre as pessoas, até e incluindo a rejeição total da família (também tivemos isso), o encorajamento para delatar os entes queridos – tudo isso foi considerado progresso e, a propósito, foi amplamente apoiado em todo o mundo naquela época e estava bastante na moda, assim como hoje. A propósito, os bolcheviques eram absolutamente intolerantes com outras opiniões que não as deles.

“Isso, acredito, deve trazer à mente um pouco do que estamos testemunhando agora. Olhando para o que está acontecendo em vários países ocidentais, ficamos surpresos ao ver as práticas nacionais – que, felizmente, deixamos, espero – no passado distante. A luta pela igualdade e contra a discriminação se transformou em dogmatismo agressivo beirando o absurdo, quando as obras dos grandes autores do passado – como Shakespeare – não são mais ensinadas em escolas ou universidades, porque se acredita que suas ideias são retrógradas. Os clássicos são declarados atrasados e ignorantes da importância de gênero ou raça. Em Hollywood, memorandos são distribuídos sobre a narrativa adequada e quantos personagens de que cor ou gênero devem estar em um filme. Isso é ainda pior do que o departamento de agitprop[10] do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética”.

Isso, vindo do líder do antigo empreendimento totalitário, contra a qual travamos uma Guerra Fria de cinco décadas, arriscando todo o planeta (de maneira muito real). Isso, vindo do chefe de um país dilacerado de maneira literalmente genocida por ideias que o próprio Putin atribui aos progressistas no Ocidente, para a audiência geralmente receptiva de seus ouvintes já escaldados[11].

E todos vocês concordando com os ativistas da DIE, quaisquer que sejam suas razões: isso é com vocês. Professores. Encolhendo-se covardemente em fingimento e silêncio. Ensinando seus alunos a dissimular e mentir. Para se dar bem. Enquanto as paredes desmoronam. Que vergonha. CEOs: anunciando uma virtude que vocês não possuem – e não deveriam querer agradar a uma minoria que literalmente vive pelo descontentamento. Vocês são capitalistas malvados, afinal, e deveriam se orgulhar disso. No momento, não sei dizer se vocês estão mais repreensivelmente amedrontados do que os professores. Por que diabos vocês não expulsam os novatos da DIE de recursos humanos de volta para os mais-corretamente-chamados Departamentos de pessoal, impedem-nos de interferir nas suas psiquês e nas de seus funcionários e acabam com isso? Músicos, artistas, escritores: parem de submeter sua arte sagrada e meritória às exigências dos propagandistas antes que traiam fatalmente o espírito de sua própria intuição. Parem de censurar seu pensamento. Parem de dizer que vão contratar para suas produções orquestrais e teatrais por qualquer motivo que não seja talento e excelência. Isso é tudo que vocês têm. Isso é tudo que qualquer um de nós tem.

Quem semeia vento colhe tempestade. E o vento está aumentando.

Disponível em: https://nationalpost.com/opinion/jordan-peterson-why-i-am-no-longer-a-tenured-professor-at-the-university-of-toronto. Acesso em 19/01/2022.

[1] Em inglês, Diversity, Inclusivity and Equity, e o consequente acrônimo DIE, que significa “Morra!”. Traduzimos Equity para o mais direto Equidade, ao invés do mais comum Igualdade, para manter o acrônimo também em português. Além disso, é a tradução mais comum.

[2] Optamos por traduzir hiring como seleção, ao invés de contratação, entendendo que se refere à escolha de novos pesquisadores em geral, podendo ser alunos de pós-graduação ou professores.

[3] No original, pipeline, ou seja, encanamento.

[4] Em inglês, BIPOC é a sigla para black, indigenous and people of colour.

[5] No original, Grievance studies “disciplines”. Ver na Wikipedia o verbete Grievance studies affair, disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Grievance_studies_affair, acesso em 23/01/2022. Ele descreve como três pesquisadores conseguiram publicar vários artigos falsos, utilizando jargões e ideias esquerdistas bastante absurdas.

[6] No original em inglês, Graduate Record Examination (GRE)

[7] O termo woke costuma ter uma conotação de tomada de consciência social, e optamos pelo uso da palavra conscientizados, que parece adequada a todo o contexto do artigo.

[8] ESG é a sigla para o original em inglês: Environmental, Social and Governance.

[9] No original, capitalizing on this woke madness. Mantivemos o termo capitalizar, cujo sentido em português, é de fato, muito próximo a to capitalize.

[10] Do verbete Agitprop da Wikipedia: “O termo teve origem na Rússia soviética como nome abreviado para o Departamento de Agitação e Propaganda. […]. Tipicamente a agitprop russa explicou a ideologia e as políticas do Partido Comunista e tentou convencer o público em geral a apoiar e a aderir ao partido e a partilhar os seus ideais”. Acesso em 23/01/2022.

[11] A expressão original era once-burned twice-shy, que significa algo como “um cão não se castra duas vezes”, com sentido similar a “gato escaldado tem medo de agua fria”. Entendemos que o adjetivo escaldado acaba por dar o sentido desejado. O autor ainda insere a repetição do termo once: “once-burned (once (!)) twice-shy”, reforçando que essas ideias já foram aplicadas no passado…

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