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O Povo da Esquerda: a reação da elite cultural ao “Fora Dilma!” (1)

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por FLAVIO GORDON*

midiaSabemos desde que uma multidão iracunda preferiu Barrabás a Jesus: não é a quantidade de pessoas que a ela aderem que torna justa uma causa. O grande número de brasileiros que hoje rejeitam o partido governante é uma constatação de fato, não de valor. Combater um partido e um governo criminosos é algo justo em si, essencialmente justo. Era justo quando, em janeiro de 2013, apenas vinte pessoas – os famosos “20 do Masp” – foram à Avenida Paulista entregar-se a tal combate, sob o escárnio da militância pró-status quo infiltrada na imprensa. Era justo quando, lá atrás, apenas um ou outro bravo cidadão brasileiro – e aqui penso especialmente em Olavo de Carvalho – esforçava-se para nos alertar da ameaça lulo-petista. E seria justo se domingo retrasado, dia 16 de agosto de 2015, um único brasileiro solitário, com ganas de Dom Quixote, houvesse erguido o seu humilde cartaz e levantado a sua voz inaudível contra os gigantes nada imaginários que sequestraram o país para satisfazer seus pantagruélicos apetites.

Dito isso, entretanto, não deixa de ser significativo o fato de que a maior parte da população brasileira tenha se dado conta da vilania petista, optando coletivamente por travar o bom combate contra a casta burocrática que lhe suga o sangue. Trata-se de um momento marcante da história nacional, um raro caso de tomada coletiva de consciência, importante sobretudo porque inédito. Já houve, é certo, outros momentos de comoção nacional e unanimidade em torno de uma vontade política geral: a Passeata dos Cem Mil, as Diretas Já!, o Fora Collor. Mas as três grandes manifestações populares a que assistimos nesta primeira metade de 2015 exibem uma característica singular, que as distingue radicalmente das anteriores. É a primeira vez na história brasileira recente (sua equivalente mais próxima tendo sido, talvez, a Revolta da Vacina) que essa comunhão de interesses se dá independentemente e, mais ainda, a despeito daquilo que pensa e quer a elite cultural do país, formada por nossos intelectuais, artistas e jornalistas. Vivemos um momento dramático de divórcio: a elite foi para um lado; o povo, para o outro.

Há uma clara má vontade de nossa classe falante para com os manifestantes pró-impeachment de Dilma Rousseff, uma antipatia difusa assaz evidente se a comparamos com o entusiasmo midiático observado na época do atos pelo impeachment de Fernando Collor. Ali, o que se viu foi uma intensa celebração da democracia, com elogios rasgados à força popular mobilizada para tirar do poder um presidente envolvido em escândalos de corrupção e, portanto, já totalmente sem legitimidade. Jornalistas, intelectuais e artistas, a maioria dos quais desde sempre avessa à figura de Collor, engajaram-se fortemente na mobilização por sua derrubada. A Globo chegou a levar ao ar uma minissérie (Anos Rebeldes) destinada a atiçar o furor cívico da juventude brasileira. Importa notar que não havia então provas irrefutáveis contra o presidente (que acabaria absolvido das acusações pelo STF), mas os indícios eram fortes o bastante para que o processo político (e não jurídico) de impedimento fosse conduzido a termo.

Com o PT e a Dilma tudo mudou. Em primeiro lugar, destaca-se o posicionamento da Globo. Contam os veículos declaradamente governistas, e confirma a governista não-declarada Folha de São Paulo, que o presidente da emissora, João Roberto Marinho, costurou um grande acordo com altos quadros da administração Dilma a fim de garantir o seu mandato até 2018. Não seria novidade. A tevê dos Marinho já protegera Lula durante o escândalo do Mensalão. Mas, verdadeira ou não a tese do acordo, o fato é que a Globo deu uma forte guinada pró-governo, começando com o editorial publicado no dia 7 de agosto de 2015, em que responsabilizava a oposição e o presidente da Câmara Eduardo Cunha pela crise política e, consequentemente, o agravamento da crise econômica. Na contramão da expressa vontade da maioria dos brasileiros, o editorial encerrava com pedidos de conciliação (dirigidos à oposição) com vistas a “dar condições de governabilidade ao Planalto”. João Roberto Marinho em pessoa marcava posição contra o impeachment.

No dia do panelaço nacional durante o programa televisivo do PT, o Jornal Nacional dedicou mais de três minutos (em televisão, um tempo mais que precioso) a uma sonora de Dilma Rousseff rebatendo críticas e sendo aplaudida por “populares” (sindicalistas, sem-terra, membros da UNE, enfim, os de sempre).

Já no 16/08, dia da gigantesca mobilização nacional pelo impeachment, que reuniu mais de um milhão de brasileiros nas ruas de todo o país, o programa Fantástico resolveu dedicar mais tempo de cobertura a um ato pró-governo organizado pela CUT, reunindo não mais que 600 militantes profissionais patrocinados com dinheiro público. Não satisfeito, o programa cedeu a palavra às lideranças da CUT e do PT para que criticassem os manifestantes anti-governo. Entre os que tiveram direito à fala estava Vágner Freitas, presidente da CUT, o mesmo que, dias antes, falara em “pegar em armas” contra a oposição popular ao PT. Os editores do Fantástico, ao que parece, não viram nisso nada demais.

Para concluir o desfile global de oficialismo, uma pérola de mau-gosto digno da “periferia” à la Regina Casé. No programa Criança Esperança, um sujeito que se apresenta, e que a Globo reconhece, como “cantor” (sim, cantor, aquela categoria de gente que inclui Frank Sinatra, Michael Jackson, Marvin Gaye, Freddie Mercury, Lennon & McCartney, Wilson Simonal e os Beach Boys), resolveu acusar os que “batem panelas na Paulista” de pertencerem à Ku Klux Klan. O malandro, com a curiosa alcunha de “Flávio Renegado” (não na Globo, ressalte-se), captou quase 400 mil reais da Lei Rouanet, segundo nos informa o jornalista Reinaldo Azevedo. Para cantar? Claro que não. Se o assunto em questão fosse realmente cantar, não haveriam de escolhê-lo. Escolheram-no, em vez disso, para transmitir à platéia mensagens “politizadas”, em verdade um festival de frases feitas de marxismo prêt à porter, grunhidas naquele formato-padrão de “rap-contra-o-sistema-tá-ligado-mano”. Tudo isso para… defender o sistema! E, sobretudo, para difamar os manifestantes anti-governo. A coisa chegou a um nível tal que eu não me surpreenderia se a tevê do “Doutor Roberto” apresentasse seu novo lema – Globo e PT: tudo a ver.

Mas, além da Globo, muitos outros jovens recrutas e velhos oficiais do exército petista de infowar, que eu costumo chamar de rede-PT, assumiram suas posições no front. O Data Folha, como era esperado, tratou de reduzir o número de manifestantes, desta feita com requintes de cara-de-pau. Da incrível massa humana que cobriu a Avenida Paulista de ponta a ponta, observável em dezenas de fotografias e filmagens postadas nas redes sociais, o instituto de pesquisa consegui extrair o espantoso número de 135 mil pessoas. A PM, usualmente cautelosa nas estimativas, falou em 350 mil. Mas as imagens parecem sugerir bem mais que isso.

Mas o instituto não ficou apenas no terreno da “metodologia” criativa. Em artigo opinativo publicado no jornal, seus diretores geral e de pesquisa acharam por bem desprezar a “representatividade social e demográfica” das manifestações. Afinados com a máquina de propaganda petista, os autores tentavam cravar a pecha de “elitista” e “coxinha” nos atos anti-PT. Não satisfeitos com tamanha desonestidade, seu último recurso foi transpor para a forma de texto o conteúdo de “memes” governistas em circulação nas redes sociais, veiculados pelos sites do PT e suas linhas-auxiliares (PCdoB, PSOL, Vermelho.Org, Instituto Lula, Diário do Centro do Mundo, Brasil 247 et caterva), e que apelam para a vilanização explícita dos manifestantes. Fazendo coro aos mais sujos dentre os blogs governistas – alguns, inclusive, alvos de investigação na Lava-Jato -, os dois apparatchik da rede-PT concluíam sua peça de propaganda sugerindo a insensibilidade dos manifestantes anti-Dilma perante os “corpos da chacina de Osasco”.

Como o foco dos protestos foram o impeachment da presidente e o apoio à Lava-Jato, os diretores do Data Folha poderiam ter acusado os manifestantes de insensíveis à fome na África, ao massacre de cristãos no Oriente Médio, ao tráfico de órgãos, ao comércio ilegal de animais silvestres etc. Mas, uma vez que, em todo o país, os manifestantes pró-impeachment mostraram-se (mas que escândalo!) cordiais e respeitosos para com os integrantes da política militar que acompanhavam os atos (que absurdo não haverem atirado nenhum mísero coquetel molotov contra os policiais!), os esbirros do projeto lulo-petista disfarçados de diretores do Data Folha viram ali a oportunidade de insinuar a cumplicidade moral dos manifestantes anti-PT na chacina.

Tratava-se de ação orquestrada. Dias antes, a mesma Folha de São Paulo publicara a charge do cartunista Laerte que ilustra este post, na qual militantes anti-PT eram retratados abraçando e tietando chacinadores, policiais mascarados que deixavam uma poça de sangue atrás de si. Esse não é um artifício estranho à esquerda que milita nas redes sociais. Eu mesmo já vi uma penca de esquerdistas do tipo “Guarani-Kaiowá”, sobretudo ex-colegas universitários, empregando-o sem corar. E tampouco é de surpreender esse tipo de mau-caratismo vindo de pessoas que, a esta altura do campeonato, não se vexam de apoiar o atual governo.

Formadores de opinião de esquerda, todos, é claro, negando formalmente sua adesão ao partido governante (gente do tipo Barbara Gancia, compreendem?), reproduziram ipsis litteris todos os itens da propaganda oficial contra as manifestações. Os famosos NSPM (“Não sou petista, mas…”), com pose de independência e afetação de equilíbrio, entoaram o corinho uníssono do partido: os atos são coisa da elite branca de São Paulo, choro de perdedor, discurso de ódio, golpismo, fascismo, racismo, machismo e homofobia.

Um analista da FGV (leia-se, intelectual orgânico do PT) concluiu (leia-se, induziu o leitor a crer) que as manifestações de domingo haviam dado “sinais claros” de terem chegado “a um limite de potencial”. A matéria do UOL com a “conclusão” do “especialista” – e como escreveu Bernard Goldberg, veterano ex-jornalista da CBS, “um repórter consegue achar um especialista para dizer qualquer coisa que ele queira” – informava ainda, em mau português, que “o professor vê como positivo o enfraquecimento desses grupos dada essa falta de proposição política para o País, com expressões de ódio e, no limite, abrindo espaço para pedidos de retorno da ditadura”. Por fim, depois de difamar os movimentos pró-impeachment com todo o arsenal de clichês gobbelianos disponíveis, o professor também reconhecia algum acerto nas “estratégias recentes do Planalto”, sem, é claro, informar ao leitor que ele próprio, e a sua “avaliação”, são parte integrante dessas estratégias.

O argumento do “especialista” da FGV é representativo. Que o leitor entre em qualquer faculdade de humanas do país e ali encontrará provavelmente 8 entre 10 “especialistas” dizendo exatamente as mesmas coisas. Quiçá com os mesmos termos. Quem quer que tenha lido a matéria do UOL teve acesso direto à voz do intelectual coletivo à brasileira, unanimemente empenhada em sugerir (ou  mesmo provar “cientificamente”) que golpistas não são os que sequestram o Estado e a sociedade para fins partidários, os que utilizam a máquina pública com objetivos eleitorais, os que montam o maior esquema de corrupção já visto no planeta, os que usam dinheiro sujo na campanha, os que fraudam as contas públicas, os que tramam trocas de favores entre o Executivo, o Senado e o STF, os que nos impõem um militante e afilhado político no comando do processo eleitoral, os que compram consciências como quem compra pão, os que dão apoio político e financeiro aos piores ditadores do mundo contemporâneo, os que ameaçam cidadãos brasileiros com o uso de força paramilitar e “exércitos” clandestinos… Não, estes não são os golpistas. Estes não representam risco à democracia e à “estabilidade institucional do país” tão prezada pelo senhor João Roberto Marinho. Golpistas são todos aqueles que ousam erguer sua voz indignada contra tamanho festival de iniquidades. Golpistas são os que trabalham mais de cinco meses por ano para ver o dinheiro de seus impostos financiando as surubas materialistas e/ou ideológicas dos amigos do rei, vulgos “companheiros”, e que – quanto desplante! – ainda teimam em se revoltar.

Já sem outros meios editoriais para atacar os manifestantes fingindo produzir jornalismo, a equipe do UOL ainda viria a protagonizar um dos espetáculos mais grotescos da história de nossa imprensa. Abrindo mão definitivamente de qualquer resquício de ética jornalística, o portal decidiu fazer uma matéria enfatizando os erros de português ou de grafia em alguns dos cartazes anti-governo. O tom da chamada e da matéria sugeria o seguinte sub-texto: “Uma gente burra dessa querendo derrubar o governo!”. Alguns leitores espirituosos sugeriram que os erros teriam sido propositais, caso contrário os jornalistas brasileiros de hoje não compreenderiam os dizeres. Nessas horas, o humor é mesmo a única resposta legítima, porque o expediente rasteiro do UOL está abaixo da crítica.

Tivemos, em suma, três manifestações populares reunindo, cada uma, mais de um milhão de pessoas. E tudo num único semestre! Em termos de números, e levando em conta o intervalo de tempo entre os atos, estamos falando de mobilização popular inédita na história do país. Em termos de representatividade, não menos. Afinal de contas, a última pesquisa do próprio Data Folha – é pena que seus diretores não a tenham consultado – indicou um índice de 92% de rejeição da presidente, um dos maiores da história. A pesquisa diz ainda que 66% são os brasileiros favoráveis à abertura do processo de impeachment – a principal bandeira dos três protestos deste ano, sobretudo do último. Além disso, há um detalhe curioso que torna a representatividade popular das manifestações ainda mais evidente, na contramão do que sugerem os nossos formadores de opinião: o apoio ao impeachment é percentualmente maior entre os brasileiros mais pobres. Ou seja, mesmo que verdadeira a tese segundo a qual os manifestantes nas ruas eram todos “coxinhas”, ainda assim teriam eles representado a vontade manifesta dos brasileiros mais pobres, os que mais sofrem com a catástrofe da administração

(conclui na próxima parte)

*Flavio Gordon é escritor e tradutor do Grupo Editorial Record. 

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