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O Brasil visto pelos arqueólogos do futuro

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Em um dia qualquer de um futuro bem remoto, quando algum arqueólogo se interessar pelo estudo da cultura e do modo de vida no Brasil dos dias atuais, provavelmente vai se perguntar como a economia conseguiu sobreviver a tantas experiências descabidas cometidas por vários aventureiros colocados em postos importantes de governos. Três pensamentos virão então à sua mente: a quantidade de pajelanças econômicas, a capacidade da economia de absorver os estragos produzidos pelas mandingas e, depois de algum tempo, a prática das mesmas ou de novas coisas-feitas.

Se o estudioso dedicar sua atenção apenas ao período republicano, vai ficar embasbacado com o encilhamento de Rui Barbosa; aparvalhado com a queima de mais de 14 milhões de toneladas de café de Vargas; assombrado com a agressão à Física perpetrada por JK ao pretender, à custa dos pagadores de impostos, transformar 50 anos em cinco; estupefato com os três congelamentos gerais de preços de Sarney e os dois de Collor (um deles acompanhado de sequestro dos ativos financeiros), em um período de apenas cinco anos; boquiaberto com a “banda cambial diagonal com movimento endógeno”, inventada por um presidente episódico do Banco Central de FHC, que quase implodiu os mercados financeiros; atônito com a Nova Matriz Econômica de certa criatura que falava de maneira desconexa e ininteligível e que ocupou a Presidência; e pasmado com um arcabouço fiscal divulgado em março do longínquo ano de 2023 e que mais parecia um calabouço fatal.

E, estatelado e coçando a cabeça, arguirá para si mesmo como esse país conseguiu resistir a tantos descalabros, recuperou-se e se transformou alguns anos depois em uma grande potência econômica. Pobre arqueólogo, que talvez precise recorrer a um paleontólogo ou mesmo a algo como um vidente do passado, especialistas, respectivamente, em fósseis e em bolas de cristal que funcionam no sentido anti-horário. Em sua pesquisa, compreenderá a terrível dúvida que nos assola hoje, a de tentar prever para onde este governo está nos levando, uma indagação comum em qualquer tempo — um simples exercício para, com base nas ações do presente, tentar determinar aquilo que se espera do futuro —, mas que, face à monumental capacidade de destruição que o governo já demonstrou sobejamente em pouco mais de 100 dias, se transforma em perguntas transcendentais: O que vai ser de nós? O que vai sobrar depois da destruição? O que vai ficar para as gerações seguintes?

Embora sempre tenha sido impossível para a teoria econômica — mesmo depois do advento do todo o poderoso arsenal dos modelos matemáticos de previsão desenvolvidos a partir do século 20 — antecipar com exatidão o futuro, sempre foi também perfeitamente possível e relativamente simples olhar para trás e aprender com a experiência própria e alheia, tendo em mente, primeiro, que o presente já foi futuro e que será passado quando o futuro for presente e, segundo, que a economia não deixa de ser uma ciência, embora de coloração turva e cinzenta. E assim será até os dias do nosso arqueólogo e depois dele.

Portanto, é possível antecipar em que porto os países que adotaram trajetórias semelhantes às que o governo petista vem tomando atracaram. É só olharmos para o passado, e a resposta aparece cristalina: aportaram na miséria, na asfixia da liberdade, na censura, na ditadura e na supressão da dignidade humana. E, se observarmos a bagunça generalizada que campeia no Legislativo e no Judiciário, a desinformação produzida incessantemente pela velha imprensa e as imperfeições de muitas outras instituições, essa lamentável resposta adquire limpidez e certeza ainda maiores. Será que meia dúzia de populistas radicais, com ideias que recendem naftalina, vão ser bem-sucedidos em apagar e destruir o legado que nossos avós nos transmitiram, mesmo contra a vontade da maioria de nós? Afinal, não subestimemos a capacidade destrutiva da ideologia dessa gente.

As críticas à política econômica do governo do PT vêm se multiplicando como coelhos, desde o primeiro dia, quando quem sabe entender as coisas percebeu o tamanho da farsa. Surpresa — se houve — foi apenas da parte de alguns economistas tucanos. Dentro do próprio governo, a cada trapalhada do Haddad e a cada discurso sem pé, sem cabeça e sem uso de plurais do presidente, as críticas vêm adquirindo um crescendo. Os economistas e os políticos extremistas de esquerda criticam acerbamente, apenas por criticar, sem apresentar alternativas sólidas ao que o último bastião do bom senso — o Banco Central do Brasil — vem fazendo para manter a inflação controlada e dentro das metas anunciadas.

É muito frustrante saber que durante quatro anos o país se comporta como alguém que aprendeu a mexer em celulares, mas que a partir de 2023 voltou a usar pombos-correios.

A maioria dessas críticas parece dar substância ao veredicto de Gustave Flaubert, para quem “faz-se crítica quando não se pode fazer arte, como quem se torna delator quando não pode ser soldado”. No centro das diatribes, invectivas e impropérios contra “essa política econômica do Campos Neto”, um velho bode expiatório: a taxa básica de juros. Há detratores que chegam mesmo a pensar que a economia pode encontrar a rota do crescimento sustentado mediante uma simples decisão mais ousada do Copom, acompanhada, provavelmente, de gestos histriônicos à la Maduro, de políticas industriais elaboradas por gênios progressistas e de macaquices acadêmicas de cunho heterodoxo semelhantes às que foram utilizadas no passado. É o velho cacoete dos brasileiros de repetir fracassos, dirá o arqueólogo.

Outro Brasil é possível? É claro que sim, uma vez que, a rigor, há uma infinidade de brasis possíveis, desde aquele da opulência, da pujança e da igualdade de oportunidades com que sonhamos até aquele outro, o da pobreza, da miséria e da mais completa falta de liberdade, como nos países — que todos sabemos quais são — cujos governos são cultuados pela seita petista e que se transformaram em objetivos dos progressistas desde a fundação do Foro de São Paulo.

O nosso arqueólogo do futuro — que terá lido obras de grandes economistas, como Adam Smith, Richard Cantillon, Carl Menger, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Milton Friedman, Robert Lucas e Thomas Sargent — dominará o conhecimento necessário para acreditar que, assim como uma caçamba sem corda não pode descer ao fundo do poço, regimes monetários sem respaldo em regimes fiscais sólidos não podem gerar crescimento.

Esta é, em síntese, a grande questão, da qual todas as posturas dos ditos progressistas revelam profundo desconhecimento: a falta de percepção de que, sem uma extensa alteração no regime fiscal, baseada em um forte enxugamento do Estado que possibilite necessidades de financiamento de longo prazo permanentemente menores; sem uma reforma tributária corajosa e capaz de libertar o aprisionamento da energia criativa a que o governo do PT quer submeter o setor privado; sem uma descentralização administrativa de caráter federalista; sem que o Judiciário volte a limitar-se às suas funções constitucionais e deixe de atuar politicamente; sem, enfim, uma reforma política profunda que possa possibilitar todos esses requisitos, e com toda essa tamanha falta de compreensão de que a caçamba da política monetária precisa estar atada à corda da política fiscal, estaremos condenados a continuar caminhando em círculos, sem crescimento e com a inflação contida à custa de um desemprego crescente — um fenômeno que teria tudo para ser transitório, mas que acaba se perpetuando, caso o atual conflito entre os lados fiscal e monetário seja mantido.

A questão é muito séria: a continuar do jeito que está — com o governo inchando cada vez mais o setor público, extorquindo sempre mais dos agentes privados, espantando com excessos de controles e sinais equivocados os investidores externos e internos e tentando ludibriar o mundo com a estúpida proposta de que gastos com investimentos na área “social” não são gastos (como se leopardos não fossem felinos) —, teremos necessidade de uma taxa de juros cada vez mais elevada para que a inflação permaneça controlada; se a opção for pela heterodoxia de reduzir o superávit primário mediante mágicas contábeis, por colocar incontáveis companheiros em diretorias de estatais que já não deveriam mais existir e em cargos públicos pagos a peso de ouro; e se for de diminuir artificialmente a taxa básica de juros, sem o necessário respaldo fiscal, seremos involuntariamente arrastados para o precipício mais rapidamente, com o caos cambial, monetário, político e social.

Só haveria uma solução para que o nó em que o governo petista volta a nos prender possa ser desatado, que é a busca de uma coordenação — não simplesmente simbólica, de fachada, de curto prazo e para inglês ver, mas permanente e que possa ser percebida como tal — entre os regimes fiscal, monetário e cambial: política monetária exatamente como vem sendo executada, com câmbio efetivamente flutuante e reformas liberais no Estado brasileiro. Ou seja, exatamente o que a equipe econômica do governo anterior procurou fazer entre 2019 e 2022. É muito frustrante saber que durante quatro anos o país se comporta como alguém que aprendeu a mexer em celulares, mas que a partir de 2023 voltou a usar pombos-correios.

Não sejamos ingênuos: o único tipo de coordenação que se pode esperar desse governo é da pior classe possível e que, infelizmente, parece ser líquida e certa caso as enormes pressões que o Banco Central vem sofrendo terminem com sua autonomia: trata-se de uma coordenação entre desregramentos, da gestão entre descomedimentos, com o setor público gastando irresponsável e demagogicamente e a autoridade monetária, comandada então por um serviçal dos políticos de plantão no poder, bancando a orgia com taxas de juros de mãe para filho e a consequente chuva de moeda despejada demagogicamente de impressoras transportadas por helicópteros.

Com a ocupação das cadeiras estofadas de Brasília pelo petelhato, com sua paixão mórbida e desenfreada para torrar o dinheiro dos cidadãos e das empresas e sendo mantida a ortodoxia monetária correta presentemente adotada, desamarra-se de vez a corda da caçamba: apertos e mais apertos no lado monetário, frouxidão e mais frouxidão no lado dos gastos para manter a máquina estatal.

A conclusão a que possivelmente chegará o arqueólogo é que, com tantos anos de experiência estudando os hábitos de civilizações ao longo de milênios, nunca viu nada parecido, e que os brasileiros são mesmo um caso à parte, um jabuti que consegue subir na árvore por conta própria.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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