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Liberdade de pensamento e tolerância nas escolas

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Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.

Essa frase é de François Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo de Voltaire. Nascido em 1694, foi um dos mais importantes pensadores do Iluminismo.

Defensor da ciência e do progresso moral e civilizatório, ele confrontou os pilares do chamado Antigo Regime, assentado no Absolutismo monárquico e na Igreja Católica. Tendo nascido em um século marcado por sangrentas guerras religiosas, Voltaire era um apaixonado defensor da ideia de liberdade de pensamento e da necessidade de se opor ao arbítrio e abuso de poder do Estado.

Foi o que ele demonstrou no affaire Jean Calas, um protestante condenado injustamente pelo assassinato do filho que queria se converter ao catolicismo. Apesar de livre pensador, a Voltaire repugnava profundamente a perseguição a alguém por razões doutrinárias ou religiosas. Engajou-se pessoalmente e o pai foi inocentado, post-mortem, em 1762. Esse episódio inspirou uma de suas obras-primas, o Tratado sobre a tolerância (1765).

Essa frase célebre tem uma atualidade surpreendente nos dias que correm, no âmbito das burocracias e das redes sociais. Nas escolas, então, nem se fala. É o lugar no qual deveria ser realizada a genuína educação política dos cidadãos, o que inclui a aprendizagem dos direitos fundamentais e da ideia de soberania popular, no sentido de formar uma sensibilidade atenta aos riscos da tirania e do autoritarismo.

Eis que agora, nas escolas brasileiras, só se encontra uma específica visão de mundo, que é difundida a partir da transposição curricular e didática da produção intelectual feita nas universidades do país, que reproduzem abordagens elaboradas sobretudo no campo intelectual norte-americano e francês.

É preciso que se diga: se há somente uma visão de mundo, é inevitável que impere a intolerância. Alunos e professores que pensarem de outra forma podem sofrer algum tipo de discriminação, com consequências funestas em sua vida pessoal e profissional. Os docentes teriam a carreira comprometida e afetadas as suas condições de trabalho. Imaginem a situação de um adolescente monarquista no Ensino Médio, hoje, no contexto de hegemonia do discurso das minorias… Pode-se dizer que alunos e professores se tornam passíveis de sofrerem bullying, sendo cerceados em seu direito à liberdade de expressão ‘’da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’’ (Art.° 5, Constituição Federal Brasileira – 1988).

Por que isso está acontecendo?

Estamos às voltas com um intenso processo de homogeneização teórica do campo intelectual das ciências humanas que se iniciou em meados do século XX.  Esse processo aconteceu sob a influência da Guerra Fria, que dividiu o mundo entre a visão liberal-democrática e o ideário marxista, e que se encerrou em 1989, com a queda do Muro de Berlim.

Entretanto, a Guerra Fria ainda permanece entre nós. Reinventou-se no campo cultural e educacional. No Brasil atual, as concepções marxistas se difundiram, esgarçadas, sem a pujança e coerência da obra de Marx e de autores marxistas de variado espectro, como Adorno, Lukács e Althusser, mas com seus equívocos conceituais e políticos.

Tais ideias formaram uma espécie de doxa – uma abordagem assistemática, desprovida de rigor intelectual no trato com os conceitos e os dados da realidade. Ou seja, tornaram-se senso comum. A essa visão de mundo, juntaram-se outras referências, igualmente diluídas, de pensadores pós-modernos como Lyotard, Derrida, Foucault, e teóricos da questão racial e de gênero, como Angela Davies e Judith Butler.

Essas concepções ensejam vários comportamentos sociais, que são, infelizmente, menos sujeitos à análise e ao debate racional do que as teorias. São eles: a aversão a toda forma de exercício de poder, consubstanciando uma espécie de neoanarquismo difuso, com ou sem pretensões de engajamento político-partidário; a ojeriza ao capitalismo e ao liberalismo, associados ao processo de exclusão social, à destruição do planeta e ao imperialismo norte americano; a repulsa à civilização judaico-cristã, considerada patriarcal e homofóbica; a absolutização do valor da igualdade social, ao modo de uma utopia romântica e autoritária.

Essas ideias são difundidas nas universidades brasileiras, nas graduações e nos cursos strictu sensu – e nos livros didáticos e na formação de professores, sem falar na mídia e nas redes sociais, impondo-se como uma ortodoxia teórica incontestável. A esse respeito, convém dizer que, nas universidades e nas escolas, os alunos não têm conhecimentos nem experiência de vida para problematizar tais referências intelectuais, terminando por reproduzi-las acriticamente. O resultado é que sequer suspeitam da existência de outra forma de pensar o mundo.

Então eu pergunto se esse modelo de formação intelectual politicamente engajado, centrado uma visão de mundo específica, é salutar para uma educação da razão, das novas gerações – um aspecto relevante da educação política, na perspectiva liberal.  Aqui vale a pena evocar um liberal de grande estatura como Max Weber, que dizia, no ensaio A ciência como vocação, que, em razão da impossibilidade de justificar racionalmente os valores e as regras de conduta, não se deveria jamais usar o ensino acadêmico ou escolar para fazer proselitismos de qualquer tipo, de cunho político ou religioso. Nesse caso, as palavras estariam sendo usadas não como meio de análise científica, ‘’como arados para revolver o solo do pensamento contemplativo’’, mas como meio para conseguir adeptos, vencer adversários e promover uma agenda de transformações sociais…

*Suzana Marly da Costa Magalhães é pós-doutora pela Fundação Getúlio Vargas na área de História, política e bens culturais, doutora em Letras pela Université de Paris III (Sorbonne Nouvelle), mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará, tem pós-graduação em Gestão de Ensino a Distância pela Universidade Federal Fluminense, graduação em Educação pela Universidade Federal do Ceará e em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É responsável pelo canal do YouTube e pela página do Facebook intitulados Esquerda e direita na educação. 

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