O próprio assessor desmente a narrativa de Moraes

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Como um disco arranhado, Moraes vem repetindo há anos que suas decisões arbitrárias visam a proteger a democracia de extremistas e que aquilo que seus críticos chamam de censura não seria nada mais do que a legítima proscrição de discursos de ódio, violentos, fascistas etc. Mesmo agora, depois do Twitter Files Brazil, depois das revelações da Folha e depois do banimento do X (ex-Twitter), como direito a multas diárias de R$ 50 mil a todo e qualquer cidadão que utilizar a rede social por meio de um VPN, ele mantém a mesma retórica, no que é, como sempre, seguido por seus acólitos, dentre os quais parcela significativa da imprensa e reverberado mesmo nos lares de indivíduos que, ainda que tolamente, se deixam convencer de que o nobre ministro e seus pares somente estão atuando para proteger seus filhos do “nazismo”, ou coisa que o valha, presente nas redes.

Se essa já é claramente uma narrativa furada para qualquer pessoa que a) conhece minimamente o teor ilegal das decisões de Moraes e b) vive no mundo real, é muito oportuno que vejamos a confirmação disso mesmo entre os assessores do ministro no STF e da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação).

Como agora nos revela a Folha de S. Paulo, em mensagens trocadas em março de 2023, pouco após a compra do Twitter por Elon Musk, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes no STF, encaminhou em um grupo de WhatsApp formado por ele e integrantes da agora famosa AEED a seguinte mensagem de Moraes: “Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq [inquérito] das fake [news]. Vou mandar tirar sob pena de multa”. O caso em tela era uma publicação no dia 17 sobre a soltura de presos pelo dia 08 de janeiro em que uma mulher dizia que “o Mula, Xandão e esse governo usurpador” estariam sofrendo uma acusação de crimes contra a humanidade pelo “Tribunal Internacional”. O assessor pedia aos colegas de grupo, da AEED, para procederem a uma análise de postagens desse gênero. Um dos integrantes do grupo, chamado Frederico Alvim, se disponibilizou a falar com a plataforma (Twitter/X). Em matéria publicada em novembro de 2023 no site do TRE de Sergipe sobre um curso ministrado por Alvim, ele aparece como assessor do Núcleo de Enfrentamento à Desinformação do Supremo Tribunal Federal.

Após a reunião com o representante do (Twitter/X), Alvim reportou o resultado aos colegas, dizendo que o representante da plataforma havia dito que, já não se tratando mais de período eleitoral, as regras seguidas pela rede social seriam as gerais e que a leitura era de que, com Musk, “a moderação caminha cada vez mais para ter como base a proteção da segurança mais do que a proteção da verdade”. O que vem na sequência é mais revelador: “Trocando em miúdos, uma mentira desassociada de um risco concreto tende a não receber uma moderação. A moderação só ocorre quando houver discurso violento, discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo). Com o detalhe de que o ‘risco à democracia’, por não ser tangível, não entra nesse conceito”. Foi após essa explicação de Alvim que veio a ordem de Moraes para “endurecer” com o Twitter mediante a já tradicional produção de relatórios (encomendados, portanto) para subsidiar as decisões de censura, sob pena de multa.

Temos, então, que até mesmo um dos assessores do TSE afirmava categoricamente, sem ser contestado por Moraes, que decidiu seguir logo para suas medidas típicas, que o conteúdo visado estava desassociado “de um risco concreto”. Muito diferente da narrativa de discurso violento que precisa ser imediatamente suprimido, não é mesmo? Temos ainda outro ponto importante, que derruba a narrativa de que não haveria qualquer moderação de conteúdo na plataforma: “A moderação só ocorre quando houver discurso violento, discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo”. Ora, o Twitter/X, como qualquer outra plataforma, tem sim políticas internas de moderação e é simplesmente falso o argumento de que os conteúdos suprimidos a mando de Moraes eram “discurso de ódio” – e isso é reconhecido no decorrer da própria conversa. Por fim, o “risco à democracia”, tese cada vez mais difícil de ser levada a sério e que origina o que eu tenho chamado de “salvamento eterno da democracia”, em que o estado de exceção inaugurado pelo STF estaria permanentemente justificado dada a eterna existência de uma “extrema-direita” atuante nas redes e carente de ser combatida, conforme a própria leitura de Alvim, não é um risco “tangível”. Dito de outra forma, o tal risco à democracia se trata de uma visão particular de Moraes, a mesma visão que tem permitido (com o apoio de seus pares, evidentemente) que centenas de cidadãos sejam condenados por darem um golpe de Estado que nunca ocorreu.

Ora, na narrativa, qualquer coisa pode ser transmutada em riscos à democracia, sobretudo em inquéritos sigilosos, que têm gerado decisões judiciais módicas, escritas até mesmo em duas linhas, decretando o banimento da vida pública de cidadãos e até mesmo de parlamentares (a imunidade parlamentar já foi há muito defenestrada), sem se preocupar em informar o motivo. Quando pressionado, Moraes logo solta um de seus clichês dos quais “liberdade de expressão não é liberdade de agressão” é um dos favoritos. Bem vemos que dar apelidos jocosos ao presidente da República (mula), ou provocar qualquer abalo ao ego tão sensível quanto imenso de Xandão, é o que basta para configurar a dita agressão e que, como temos repetido à exaustão, a crítica tem sido tratada como ataque à democracia e os críticos como extremistas. Sua narrativa é tão crível, Moraes, que nem aqueles que te tratam por chefe se convencem, ainda que eles mesmos concorram para viabilizar os abusos. De fato, seu reinado não é um reinado de convencimento, algo dispensável no arbítrio, já que aquele que o exerce não precisa convencer a ninguém, tampouco se justificar, mas um reinado de força e intimidação, em que a vítima é, não se enganem, um país inteiro.

Fonte:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/09/mensagens-mostram-ordem-de-moraes-para-endurecer-contra-o-x-e-inicio-de-atrito-com-musk.shtml

https://www.poder360.com.br/poder-justica/moraes-mandou-fazer-relatorios-e-endurecer-acoes-contra-o-x-em-2023/

https://www.tre-se.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Novembro/comissao-de-enfrentamento-a-desinformacao-do-tre-se-participa-de-treinamento

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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