fbpx

Do teatro armado para validar a fantasia de que houve tentativa de golpe no dia 08 de janeiro de 2023

Print Friendly, PDF & Email

O evento realizado nesta segunda, numa parceria entre os três poderes, mas protagonizado verdadeiramente pelo Executivo e pelo Judiciário, intitulado de “Democracia Inabalada” e que se propôs a “celebrar” a democracia no aniversário daquilo que insistem em chamar de golpe, ou tentativa de golpe, é mais um ato do teatro protagonizado pelos verdadeiros algozes da democracia e aplaudido por hipócritas e pseudo-democratas de várias estirpes.

Não resta dúvida, e já repeti exaustivamente neste espaço, que os atos que vimos no dia 08 de janeiro de 2023 foram criminosos, inadmissíveis e que devem ser punidos com o rigor da lei, rigor, porém, proporcional aos crimes. O que vimos, no entanto, foram cenas de vandalismo, não um golpe de Estado em curso, ainda que desde a primeira hora os deuses togados, o governo Lula e a maior parte da imprensa tenham insistido em tratar como tal. Fizeram mais do que isso, na verdade. Como a pecha de golpista não era suficiente, não hesitaram em tratar os baderneiros como terroristas. E ai de quem ousasse dizer o óbvio ululante; negar a acusação de terrorismo era o mesmo que se declarar bolsonarista ferrenho e golpista de carteirinha. Curioso que nem a sanha punitivista, persecutória e parcial mais ferrenha permitiu que os ministros do STF condenassem os baderneiros por terrorismo. Os que empinavam o nariz e faziam troça de quem dizia que terrorismo era forçar a barra não se permitem refletir sobre essa “curiosidade”, já que nada que contradiga sua visão de mundo vira para eles matéria de reflexão.

Até mesmo Aldo Rebelo, esquerdista inquestionável, por diversas vezes ministro de governos petistas, inclusive como ministro da Defesa, e que permaneceu a maior parte de sua carreira política filiado ao PcdoB, chama de “fantasia” a narrativa de golpe no dia 08. Rebelo, que foi presidente da Câmara dos Deputados (2005-2007), lembra quando, em 06 de junho de 2006, o movimento MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra), uma dissidência do MST, invadiu a Câmara de Deputados, depredando o patrimônio e deixando 24 feridos: “Eles levaram um segurança para a UTI, derrubaram um busto do Mario Covas. Eu dei voz de prisão a todos. A polícia os recolheu e eu tratei como o que eles de fato eram: baderneiros. Não foi uma tentativa de golpe. E o que houve em 8 de Janeiro é o mesmo”.

“Mas eles dariam um golpe, se pudessem”, alguém certamente responderá. Ora, o território do querer não tem limites, podemos querer qualquer coisa. A questão é: eles tinham os meios para dar cabo da coisa? E o mais importante: obtiveram êxito? Os próprios fatos mais pitorescos do dia, como a senhora que defecou no STF, o infeliz que quebrou o relógio de Dom João VI, o furto da porta de onde ficava a toga de Moraes, e por aí vai, depõem contra a capacidade e a própria inteligência dos baderneiros. Simplesmente, em que pese o grau de destruição do patrimônio, não há nada que corrobore um plano consistente de golpe. Até condescendo em chamá-los de golpistas, no sentido de que acredito que tinham mesmo um espírito golpista e zero apreço pela democracia, mas não no sentido de que tenham tentado ou mesmo dado um golpe de Estado.

Chamar vandalismo, não só de tentativa de golpe, mas de golpe de Estado —lembrem que pessoas já foram condenadas e estão cumprindo pena pelo crime não concretizado, como se de fato tivessem dado um golpe e abolido o Estado Democrático de Direito — é uma conclusão inevitável para os devotos da hipérbole retórica. Ou não são eles que vivem a repetir que o legal, legítimo e democrático impeachment de Dilma foi um golpe? Se um processo jurídico-político, com direito à ampla defesa e ao contraditório, lhes parece um golpe, não surpreende que vejam na quebradeira geral do dia 08 uma ameaça à democracia de maiores proporções (mas só quando a quebradeira parte do outro lado, é claro). Por anos, pratiquei a arte de adjetivar Jair Bolsonaro com tudo de negativo que o decoro me permitia em meus artigos (e, na minha vida privada, com o que o decoro não comportava, acreditem), contudo, nunca o qualifiquei com um dos termos preferidos da oposição durante a pandemia: genocida. Isso porque, em que pesem todas as críticas que fiz e mantenho sobre sua condução desastrosa da pandemia, sei que falar em genocídio é forçar totalmente a barra; mas banalizar genocídio, racismo, fascismo, nazismo e, é claro, golpe, já virou lugar comum, não só entre os militantes de sempre, mas, como vemos com o teatro encenado nesta segunda, nas próprias instituições brasileiras.

É um espetáculo para quem tem estômago. Somos convidados, não a participar como voz ativa, coisa que nos é negada, mas a assistir como uma audiência cativa (o único papel que nos cabe) ao desfile de discursos de autoridades que se encontram acima do bem e do mal, portadoras da virtude, deificadas que nobremente assumem a função não só de defender, mas interpretar a democracia.

Lula, que tenta ser o protagonista, posto que pseudovítima mais ilustre do fantasmagórico golpe do dia 08, adota tom enérgico, fala em punição exemplar e nega qualquer possibilidade de perdão. Grande democrata que não se cansa de defender a “democracia” também alhures, incensando sempre que pode paladinos da liberdade como Nicolás Maduro, Daniel Ortega, na mesma medida com que o fazia com seu finado amigo e companheiro aguerrido Fidel Castro.

Luís Roberto Barroso, atual Zeus do Olimpo Togado, nos faz refletir sobre o significado da vitória da democracia. Seus atos dizem mais do que palavras. Quem vai negar o comprometimento deste gigante com a democracia? Quem esquecerá seu entusiasmo com a festa democrática quando, em um Congresso da UNE, celebrou a derrota de Bolsonaro nas eleições? Quem será tão vil a ponto de lançar qualquer suspeição sobre o resto do panteão quando eles vieram ao seu socorro e confirmaram que não havia razão para alarde e que, de fato, era só o resultado eleitoral que ele celebrava?

Não poderia faltar o maior dos maiores, o salvador número um e eterno da democracia, Alexandre de Moraes. Aqui, também, seu discurso, embora belo, é ofuscado por suas corajosas atitudes, sem as quais estaríamos todos nos porões do DOPS. Como esquecer a magnanimidade com a qual, à frente do TSE, defendeu as urnas de ataques nauseabundos de gente que defendia voto em papelzinho, que fez de tudo para ressaltar a importância do voto popular? Como ignorar que, é claro, sem qualquer contradição com a defesa enérgica das urnas, afastou monocraticamente o governador eleito Ibaneis Rocha logo após a violenta abolição do Estado Democrático de Direito há um ano atrás? Como não admirar a coragem de um homem que, insisto, defensor ímpar do voto, já baniu meio mundo de parlamentares com mandatos ativos das redes sociais, bem como cidadãos comuns, privando-nos da ameaça extremista que seus tweets representavam para a ordem social?

Para que se reúnem esses e muitos outros homens e mulheres de reputação ilibada? Para homenagear quem, se não eles próprios, no aniversário fatídico do 08 de janeiro? Mas fazem mais do que isso: falam em prevenção, para garantir que nunca a democracia seja novamente espezinhada por aqui. Nos diferentes discursos, há uma concordância e convergência no que propõem: regulamentação das redes (ou termos análogos).

Temos aí, então, um teatro armado para validar a maior das mentiras políticas dos últimos anos: a de que houve uma tentativa ou mesmo um golpe de Estado no dia 08 de janeiro de 2023. E o que demandam os mesmos patrocinadores da mentira, da perversa fake news? O sagrado poder (que, exercido diretamente ou por procuração, não se enganem, a eles pertencerá) de regulamentar o discurso e dizer o que é ou não verdade.

Temos aí a máquina da mentira mais perigosa de todas. Não temo os “golpistas” de cabelo branco. Embora reconheça o pouco salutares que são para a qualidade do debate público, não temo as tias das fake news nos grupos de WhatsApp. A fabricação de mentiras, por mais subterrâneas que sejam, é certamente asquerosa, mas não é essa fabricação a que mais temos a temer. Não são os depredadores exaltados que podem ferir de morte a democracia. O maior perigo para a liberdade é não pura e simplesmente a mentira, mas a fabricação de verdades oficiais. Quem detém o poder de armar espetáculos para intentar cravar na história um embuste, transformado em verdade pela pompa, pela repetição e, sobretudo, pelo oficialismo, é um risco muito maior do que desocupados acampados na porta de quartéis. Quem, da mentira oficial, ou verdade fabricada, tenta derivar políticas que lhes dá poder para serem o filtro da informação é o verdadeiro merecedor de toda a preocupação e de toda aquela vigilância da qual depende a liberdade.

Fontes:

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/01/08/congresso-sedia-ato-para-marcar-um-ano-dos-atos-golpistas-de-8-de-janeiro.ghtml

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=500254&ori=1

https://www.poder360.com.br/governo/golpe-e-fantasia-para-legitimar-polarizacao-diz-aldo-rebelo/

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

Pular para o conteúdo