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Jardim Botânico e discursos confusos

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Jardim_bot_nico_Rio_de_JaneiroO tema em discussão do Jornal “O Globo” de hoje foi a ocupação do Jardim Botânico e a tentativa do poder público de reaver parte do terreno onde hoje vivem algumas famílias. Na opinião da editoria do Globo, as invasões são “ilegais e degradantes”, o papel do Jardim Botânico é essencial como centro de pesquisas botânicas e de sustentabilidade ambiental e há uma privatização de áreas públicas. A opinião contrária é a do vereador Eliomar Coelho (PSOL), que defende a ocupação feita por famílias pobres (e ataca as ocupações feitas por famílias ricas), que a defesa do meio ambiente nesse caso é um engodo e que não se pode defender o meio ambiente quando isso favorece grupos econômicos.

As duas posições são tão confusas que merecem igual crítica. Vamos começar com a visão do Globo.

A propriedade privada no Brasil é historicamente desrespeitada. Desde sempre que a regra é a propriedade pública de tudo, em regime de concessão através de sesmarias (enfiteuses). Mesmo na cidade temos um histórico de concessões e regularizações feitas de forma estranha e descuidada, com muitos privilégios. A propriedade privada no Brasil não é formada através da mistura do trabalho do homem com a terra, mas das conexões políticas que esse homem tem. Se pegarmos historicamente a origem das propriedades urbanas no país, veremos que a maioria delas são tão “degradantes” quanto a origem da propriedade privada dos ocupantes de áreas do Jardim Botânico que, diga-se, parece ter todo o perfil de aquisição por homesteading de cunho liberal, tal como defendida por John Locke.

É necessário sim proteger a propriedade privada, mas discutir com clareza como deve ser a origem e a defesa dessa propriedade privada, pois se amanhã o Governo declarar que tudo é propriedade privada do Governo com base na função social da propriedade e no bem-estar coletivo, certamente farão com que tal declaração seja eivada de legalidade, mas certamente não será uma apropriação estatal legítima. Dado que a formação do Instituto do Jardim Botânico é posterior à ocupação dos terrenos pelos atuais moradores, é de se pensar se realmente há uma propriedade pública legítima ali ou se na verdade deve prevalecer a propriedade privada dos atuais moradores.

Outra discussão bastante válida é o papel do Instituto do Jardim Botânico. Será que é realmente papel do Estado fazer pesquisa botânica? Para os anarco-liberais, certamente não. Mesmo para os liberais clássicos, há de se questionar isso. Retirar recursos da população (ou seja, desrespeitar a propriedade privada via tributos) para custear pesquisas botânicas não parece ser uma função tipicamente estatal. Essa função poderia muito bem ser feita pela iniciativa privada, que se preocuparia em investir nas áreas que fossem mais importantes e lucrativas para todos, sem o vício da escolha política. Jardim Botânico é sustentado pela população via tributos, funcionando na lógica da publicização de recursos privados, que é algo tão ou mais grave que a suposta, e não comprovada, privatização de recursos públicos por parte dos ocupantes do Horto.

Agora falando da estranha visão do vereador Eliomar. Ele defende ser legítima a propriedade privada dos ocupantes pobres apenas por eles serem pobres, e que a ocupação feita por ricos não é legítima. Ora pois, então ricos são menos cidadãos que pobres? O que qualifica alguém como cidadão para o PSOL, a falta de dinheiro? A partir de que número na conta bancária um brasileiro deixa de ser cidadão? 10 mil? 20 mil?

A esquerda brasileira padece do mesmo mal que parte da elite brasileira: enquanto que, para a esquerda, a pessoa só é cidadã se pobre, para parte da elite, ela só é cidadã se for rica. Que tal um arranjo em que todos são cidadãos e merecem a mesma proteção da lei? Em cada discurso político desse país eu vejo um pouquinho da morte do princípio da isonomia.

E esse discurso se estende à questão ambiental. Para a esquerda, se o meio ambiente for um empecilho para a revolução, ele deve ser desconsiderado. Mas se estiver a favor da revolução e contra os ricos, então o direito ambiental deve ser aplicado com máximo rigor. In dubio pro natura apenas se o poluidor for rico. Duplipensar exposto com orgulho nesse artigo do vereador.

A questão da ocupação do Horto é muito mais complexa e remete a uma discussão profunda sobre a existência e os limites da propriedade privada frente ao poder do Estado no Brasil. Dado o histórico de opressão do Estado brasileiro à propriedade privada, in dubio pro civem (em dúvida, a favor do cidadão frente ao Estado), independentemente da sua condição econômica, seja rico ou pobre.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

Um comentário em “Jardim Botânico e discursos confusos

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    17/06/2014 em 11:54 pm
    Permalink

    Muito interessante essa análise da esquerda e elite brasileiras. Parecem que ambas sofrem do mesmo mal de alienação.

Fechado para comentários.

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